• Nenhum resultado encontrado

Parte I – Enquadramento teórico, político e normativo

2. Paradoxos da Escola enquanto serviço público de Educação Contextos macropolíticos de

2.2. A Escola de organização centralizada, enquanto serviço público de educação

2.2.1. Da Primeira República ao Estado Novo

Se ao longo da história mais recente dos povos Europeus, a Educação tem estado, regra geral, nas mãos das instituições religiosas não é menos verdade que outros ideários em diferentes épocas se sobrepuseram a esta orientação religiosa da educação.

Os ideais universalistas da Revolução Francesa vêm a produzir efeitos em Portugal já mais tardiamente e num período de pós revoluções setembrista (1836) e republicana (1910), ambas de tendência democratizante (…) que foram os momentos decisivos na definição e explicitação do sistema de ensino português contemporâneo (Serrão, 1985, p. 36), infletindo o domínio das ordens religiosas no panorama educativo nacional, com algum destaque na Companhia de Jesus.

As Ordens Religiosas que existiam disseminadas pelo País desenvolviam atividade pedagógica que então se considerou que impossibilitava o avanço dos ideais republicanos e revolucionários, pelo que era então preciso expurgar a mentalidade portuguesa de certos pavores e preconceitos (Carvalho, 1986, p. 659).

Assim para resolver o problema, são publicados diplomas ainda no mês de Outubro de 1910, o primeiro dos quais no dia 8, ou seja, muito pouco tempo depois da implantação do novo regime político. Através destes diplomas legislativos renova-se a permanência em vigor, como leis da República Portuguesa, antigos diplomas com mais de cem anos ainda promulgadas pelo regime absoluto (Lei de 3 de Setembro de 1759 e Lei de 28 de Agosto de 1767), onde os jesuítas são considerados como proscritos e expulsos do território da República.

Mais se proibiu ainda nesta altura que os membros de ordens ou associações religiosas a quem tenha sido dada autorização de residência,

não poderão exercer o ensino ou intervir na educação, quer como professores ou empregados, quer como directores ou administradores de quaisquer institutos ou estabelecimentos de ensino, seja directamente ou por interposta pessoa (Idem, p. 660).

Paralelamente, ainda em outubro de 1910, procede-se à abolição do ensino da doutrina cristã nas escolas primárias e nas escolas normais primárias.

Seguiram-se, ainda em 1911, reformas com alguma profundidade, legislando-se sobre a organização do ensino primário e também sobre o infantil, embora sem grandes efeitos práticos, no que diz respeito a este último.

Parece-nos ser de realçar, numa perspetiva organizacional, a minúcia com que a República, através do Decreto de 29 de Março de 1911, descreve a forma como se deve concretizar o funcionamento do ensino infantil, passando pela longa listagem de ocupações selecionadas para a criança até à descrição minuciosa das salas e edifícios onde funcionaria este nível de ensino, assim como as condições de docência, numa perspetiva de nada deixar ao acaso e de tudo se definir centralmente.

Através da reforma de 1911, aponta-se uma minúcia que talvez revele algum exagero, no que diz respeito ao funcionamento de diferentes níveis de ensino, bem como da própria formação de professores, o que nos faz pensar num centralismo bastante acentuado por parte da República, no sentido de tudo querer definir e eventualmente controlar. Embora no que se refere ao exposto o centralismo seja evidente, na verdade constatamos também que, através do mesmo Decreto de 29 de Março de 1911, se procuraram implementar medidas que poderiam indiciar forte pendor descentralizador.

O que nos parece que poderia ter sido a maior reforma do ensino primário durante muitas décadas e talvez de abrangência, e que ainda hoje não ocorreu, passava por repartir as despesas com os professores de instrução primária pelo Estado e pelas Câmaras Municipais (Idem, p. 677).

Embora não saibamos muito bem quais as reais causas ou intenções que estiveram por detrás desta ação descentralizadora, se a habitual falta de verbas ou se uma efetiva vontade em transferir competências para as Autarquias, na verdade estaríamos aqui perante medidas descentralizadoras de que talvez ainda hoje não haja paralelo na organização do sistema educativo português.

Mais se refere ainda, neste alterar de regras, que as Câmaras Municipais seriam responsáveis pelo pagamento aos professores e pelos materiais e equipamentos necessários ao funcionamento das escolas, ficando também responsáveis por nomear, transferir e demitir os professores.

Ao que parece, os efeitos produzidos pelo que se pretendia fosse o abrir de portas a novas oportunidades para as populações terão sido de pouca envergadura, uma vez que o país real não tinha condições, quer económicas, quer também por carência de uma mentalidade disposta a aceitar mudanças de comportamento social (Idem, p. 678).

A este propósito, Carvalho (Idem) refere-nos ainda que:

Quanto à descentralização não possuíam as autarquias os meios suficientes para assumirem as suas responsabilidades, e muitas vezes elas próprias se comportavam como se não estivessem interessadas em assumi-las. A descentralização, que foi definida pelo Decreto de 29 de Março de 1911, entrou em execução dois anos depois, por Lei de 29 de Junho de 1913. Se a situação do ensino primário corria mal no sistema de centralização, igualmente mal continuou a correr com a descentralização (p. 678).

Decorreram cerca de cinco anos, e, verificando-se que muitas das autarquias não tinham quaisquer possibilidades de cumprir com as competências que lhe tinham sido atribuídas, por Decreto de 12 de Julho de 1918, deu-se por finda a descentralização implementada. As escolas primárias passaram a ser novamente administradas pelo Estado, resolvendo, desta forma, entre outros, um problema que se agudizava a cada dia, que era a falta de pagamento dos magros salários a muitos dos professores. Por esta altura melhoram-se os salários dos professores e criam-se as escolas normais de Lisboa, Porto e Coimbra, destinadas ao recrutamento e preparação dos novos mestres de ler, escrever e contar (Serrão, 1985, p.42).

Passou-se apenas cerca de um ano e nova tentativa de descentralização voltou a ser ensaiada, desta vez através de Decreto de 10 de Maio de 1919, onde se preconizava uma espécie de solução intermédia, onde a gestão dos serviços do ensino passaria a ser entregue a organismos chamados Juntas Escolares, que incluíam, entre outros, representantes das Câmaras e professores primários (Carvalho, 1986, p. 679).

Pese embora tenham sido organismos que gozaram inicialmente da simpatia dos professores, a verdade é que o seu período de vida foi relativamente curto, uma vez que, por Decreto de 12 de Maio de 1922, se procede, em parte, à sua dissolução, alegando-se mau funcionamento e incompatibilidades entre membros que punham em causa o regular funcionamento do então ensino primário.

Quanto a outras alterações mais amplas no sistema educativo, são desenvolvidas igualmente algumas tentativas de reformas no ensino pós-primário e ainda no ano de 1911 é nomeada uma comissão que fica encarregada de apresentar um projeto de reforma do ensino secundário.

Não surgindo reforma no ensino secundário é, entretanto, nomeada nova comissão em 1915 de que resultou, em 1917, uma reforma, ainda que efémera, para o ensino secundário, a qual veio a ser revogada passados alguns meses.

No decorrer do ano 1918, com o País sujeito novamente ao regime ditatorial, nomeou-se nova comissão para rever o ensino secundário, surgindo nova reforma, ainda

nesse mesmo ano, com forte intervenção e produção de alterações essencialmente ao nível dos currículos escolares.

Contudo, mais uma vez, a produção de efeitos desta reforma é praticamente nula, uma vez que o regime acaba derrubado ainda antes do fim desse ano. As novas e sucessivas alterações surgidas, com retorno, inclusive, à reforma de 1918, afeta ao Regime de Sidónio Pais, levaram a decretar de nova reforma em 1921 que se prolongou em atividade até ao fim da Primeira República.

Refira-se, em jeito de epílogo, que:

Os legisladores republicanos não tiveram, para com o ensino liceal, nenhum rasgo de audácia que de perto ou de longe equivalesse à reforma do ensino primário, embora boa parte desta não fosse além do desejo dos seus redactores (Carvalho, 1986, p. 687).

Ainda neste período convirá realçar a audácia bem como o empenho republicano na redefinição e expansão do sistema de ensino (Serrão, 1985, p. 43), que conduziu à instituição de um ministério dedicado em exclusivo às questões da educação, que veio a ser criado em 7 de julho de 1913, com o nome de Ministério da Instrução Pública, passando para a sua alçada serviços e direções gerais, centralizando-se, assim, num único organismo as questões de organização e funcionamento do sistema educativo.

Desta passagem, ainda que rápida, pelo sistema educativo no período que antecedeu o Estado Novo parece ter-se estabelecido assim uma nova relação com a Educação que faz do Estado o substituto da Igreja na sua missão educadora do “cidadão” e da escola o seu instrumento privilegiado (Formosinho e Machado, 2000a, p. 32). É neste contexto que acabamos de descrever que se promoveu a laicização da Escola, deixando as companhias religiosas de ter o controlo sobre a educação dos povos, desejando-se uma formação dos cidadãos fora da influência da Igreja, que acaba, naturalmente, por deixar espaço para o Estado exercer a sua influência numa perspetiva de organização centralizada de controlo social, embora, como referimos, não possam ser esquecidas as tentativas de descentralização que foram encetadas, ainda que de parcos resultados.

Outline

Documentos relacionados