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Parte I – Enquadramento teórico, político e normativo

2. Paradoxos da Escola enquanto serviço público de Educação Contextos macropolíticos de

3.2. A comunidade educativa na escola pública

Para melhor se perspetivar o enquadramento em que os contratos de autonomia foram implementados, parece-nos ser importante contextualizar a escola pública, cuja reformas não têm, de todo, posto em causa, no seu carácter centralista e revelador do papel que o Estado tem sucessivamente desempenhado, embora tentando, ao mesmo tempo, criar margens de autonomia no sistema.

Neste contexto, importa esclarecer um pouco o conceito de comunidade educativa no âmbito de uma democracia participativa para que, de alguma forma, se possa também entender qual a margem de autonomia de que as escolas públicas beneficiam para desenvolver o seu PE.

Importa partir do pressuposto de que a escola apenas faz sentido se estiver ao serviço dos seus utilizadores e, como tal, da comunidade local onde está inserida.

Iniciamos por aqui uma vez que nem sempre os seus principais utilizadores são os mais empenhados na sua otimização, daí, nos parecer importante perceber quem são os interessados em construir um PE na escola.

Daí a pergunta: Quem somos?

Talvez na procura de uma resposta à questão colocada, surge o conceito de comunidade escolar que, na atualidade, está perfeitamente inserido no vocabulário das escolas. Nesta sequência de procura de uma maior abrangência inclusiva, a ideia de comunidade escolar entendida como uma proposta de superação da estrutura corporativa das escolas (Carvalho, 1993, p. 6) acaba por se revelar de importância decisiva quando pensamos na construção do PE da escola.

Contudo, se procurarmos o significado de comunidade na realidade portuguesa, acabamos por constatar que:

Uma comunidade implica, com efeito, a existência de laços de vizinhança, de uma partilha afectiva e intencional de objectivos, de preocupações e de valores que lhe confiram uma solidariedade interna capaz de dispensar a existência de disposições regulamentares prévias (Carvalho, 1993, p. 6).

Pelo que temos observado e o que vamos constatando, relativamente à existência funcional desta comunidade na escola pública portuguesa, poderá talvez afirmar-se que o caminho a percorrer se tem revelado muito longo. Face ao constatável, será todavia de perguntar se essa tal escola pública tem permitido que essa comunidade escolar se institua funcionalmente, ou se simplesmente se tem procurado instituir esta comunidade por via legislativa, independentemente da sua (in)existência efetiva.

No que diz respeito à participação dos alunos, normalmente é realizada com representatividade elevada, seja ao nível da sua representação em diferentes órgãos da escola, seja na eleição das associações que os representam.

No que diz respeito à participação dos pais, por exemplo nas votações para eleger os seus representantes em diferentes órgãos, Guerra (2002) verificou que essa participação é escassa, apontando diferentes causas para essa fraca adesão:

. Os pais têm que se deslocar à escola para realizar a votação (…).

. Nos estabelecimentos de ensino secundário, a presença dos pais na escola não é bem vista pelos alunos.

. Há quem pense que (…) os pais se limitam a ultrapassar a responsabilidade e a autonomia dos filhos (…).

. As dificuldades de reunião (…).

. Por vezes, os professores não vêem com bons olhos a presença dos pais na escola (…). . Os pais devem solicitar licença nos lugares de trabalho (…).

. As lutas entre membros das associações de pais e os que não estão filiados (…) (pp. 174- 175).

Outros investigadores apontam mesmo razões de ordem cultural para justificar a fraca adesão das famílias à participação nos órgãos de gestão da escola pública: as famílias não estão habituadas a participar na gestão dos espaços escolares e não revelam ter grande disponibilidade para oferecerem trabalho voluntário à escola (Marques, 2001, p. 73). Este investigador destaca ainda outro aspeto para a baixa participação das famílias, ao referir que as escolas estão distantes dos pais e tornam-se difíceis de alcançar, uma vez que estão organizadas de uma forma que as afasta das famílias e têm uma cultura que as impede de responderem às necessidades das famílias (idem, p. 29).

Na verdade, a escola pública portuguesa tem, por tradição, a tarefa de pensar e fazer pedagogia, normalmente de costas voltadas para um dos principais interessados, as famílias, numa perspetiva burocrática de que tudo está normativamente decidido.

No que se respeita à participação dos municípios, ou ausência dela, verifica-se algo idêntico ao que referimos com as famílias, a falta de capacidade ou motivação política para sustentar os custos educativos, que se reporta ainda ao período liberal da I

República e ao Estado Novo numa carência crónica de recursos dos municípios para poder suportar esses encargos que lhe entregaram (Sousa Fernandes, 1995, p. 53).

Nas últimas décadas, o que se tem verificado é que os municípios continuam a ter competências que em pouco ultrapassam o regime anterior; as autarquias continuam a ser vista apenas como responsáveis financeiros de equipamentos, transporte e apoio socioeducativo. Independentemente das resistências políticas e culturais que possam ainda existir relativamente a uma maior intervenção efetivados municípios na escola pública, ao que parece as vantagens são diversas, desde as técnicas até às políticas. Estas vantagens resultam da descentralização em geral, como a proximidade, a previsibilidade e a maior flexibilidade da administração perante os administrados. Sousa Fernandes (1995) refere ainda que:

A estas acrescem razões políticas que mesmo sem as anteriores são hoje inerentes à natureza do Estado democrático. Elas consistem no facto de a descentralização ser a forma de dar conteúdo substancial à participação dos cidadãos na democracia (p. 59).

Contudo, se for pretensão real do Estado que escola caminhe para a autonomia na direção dos interesses dos seus membros enquanto comunidade local, no âmbito de uma escola democrática, então esta deverá ser entendida como:

Localizada num dado espaço, que inclui relações de poder, numa organização temporal, que no âmbito escolar normalmente é um tanto limitada e segmentada, com formas próprias de gestão e de tomada de decisões, a instituição escolar constrói, por suas próprias vias, as alternativas para solução dos seus problemas das mais diferentes fontes que se lhe apresentam. A esse procedimento pode-se atribuir a denominação de autonomia (Souza, 2003, p. 45).

Assim, se a autonomia se constitui como pressuposto fundamental de um PE de escola, essa tal autonomia terá de ser desejada e partilhada por uma comunidade educativa que apenas existirá se o espírito descentralizador se acentuar, repensando

o modelo de regulação da educação, tomando os professores, os pais, os representantes políticos das comunidades locais e os seus mais relevantes actores sociais como os principais agentes dessa regulação (Azevedo, 2007, p. 3).

Pode considerar-se, pelo que referem alguns investigadores, que, neste alongar das últimas décadas, a escola pública tem apontado para a articulação de alguns princípios ou pressupostos:

Assim, a partir de princípios gerais, como a valorização da comunidade local e a desconcentração dos serviços administrativos, procedeu-se, passo a passo, à recomposição das hierarquias, introduziram-se novos níveis de coordenação/autoridade e multiplicaram-se as instâncias e os momentos de regulação e supervisão, tendentes a credibilizar o sector junto da opinião pública. Em nome da participação, adoptaram-se e disseminaram-se os projectos, no pressuposto de assim travar uma gestão burocrática e dar voz a um maior número de actores (Fontoura, 2008, p. 25)

Desta forma, estaremos então a considerar uma regulação local que deverá conjugar-se e estruturar-se de acordo com as orientações da regulação nacional promovida pelo Estado, sob pena de cairmos na ineficácia. O facto de se terem criado estruturas de participação nos órgãos de governo da escola pública, promovendo atitudes democráticas, é revelador de uma aposta eventualmente mais próxima da comunidade local. Contudo, a criação das estruturas não garante os comportamentos democráticos. A transformação de uma gestão centralizada e autocrática da escola pública torna-se complexa e difícil porque interfere na linguagem, nas atitudes e nas práticas. Guerra (2002) refere-se-lhe desta forma:

a) O discurso sobre a democracia é o mais fácil de incorporar. A linguagem é modificada e adapta-se às novas exigências (…). O perigo está em serem apenas ideias e conceitos ocos, nunca chegando a ser realidade.

b) As atitudes democráticas não são fáceis de cultivar, já que exigem transparência de propósitos, (…). Não aparecem nos membros da comunidade educativa por decreto.

c) A estrutura é um requisito imprescindível para garantir o bom funcionamento democrático. Um requisito imprescindível mas insuficiente e não determinante (p. 171).

Porém, este caminho não aponta apenas para fracassos ou apenas para sucessos, antes haverá necessidade de que as práticas que se realizam estejam cada vez mais em concordância com os discursos acerca da democracia escolar.

Ao apostar-se numa regulação local mais acentuada, estamos naturalmente a apostar mais nos atores locais, pois são estes que, através da sua capacidade de mobilização, dinamizam a procura social e local de educação e que podem acompanhar e controlar o desempenho da oferta educacional (Azevedo, 2007, p. 4). Esta regulação local irá naturalmente implicar a transferência de competências e responsabilidades para que faça sentido a existência dessa tal comunidade educativa.

Nesta ideia de comunidade educativa tem-se assistido a uma crescente atenção e valorização da relação com outros actores do contexto educativo, nomeadamente o dos professores/escola com os pais dos alunos (Pedro, 1999, p. 111). Além da necessidade de trazer os pais para a escola e de promover um reordenamento do edifício legislativo, revela-se também da maior importância trazer o poder político local para a comunidade escolar. Assim, para conseguir definitivamente uma presença participativa das autarquias parece estar também na altura de transferir para os municípios mais competências em matéria de educação escolar e de aprendizagem ao longo da vida (Azevedo, 2007, p. 11).

Contudo, esta conetividade local deverá estender-se, alargar-se e flexibilizar-se, sendo fundamental que se participe,

quer nos jogos de interesse quer na entreajuda, quer na mobilização dos cidadãos em prol do bem comum (pais, famílias, jovens, professores, autarquias, empresas, associações, museus, centros de saúde, bibliotecas, fundações etc). A participação dos actores em presença e a regulação autónoma, local, sócio-comunitária, formal (…) e informal (…) constituem um dos esteios para a melhoria da qualidade da educação, em coerência com as orientações políticas nacionais e a intervenção reguladora do Estado (idem, pp. 4-5).

Baseando-nos mais uma vez na ideia de compromisso, cada vez se torna mais necessário que todos se envolvam na complexa tarefa da educação.

Assumido de forma mais direta, ou não, na realidade,

o ensino é, e tem de ser, uma actividade de natureza cooperativa e solidária entre os diversos agentes sociais a quem a elaboração do projecto lhes permitirá retomar a voz no tranquilo espaço escolar (…); de facto, ao fazê-lo, estão em condições de abordar em termos mais precisos os problemas educativos que respondem aos seus interesses diversificados e, portanto, no caminho certo para adoptar soluções adequadas, através das quais sentir-se-ão comprometidos e, como tal, co-responsáveis (Llavador e Alonso, 2001, p. 78).

Será então, a nosso ver, este conjunto de interações e comprometimentos que contribuirão de forma decisiva para a constituição da dita comunidade escolar ou educativa, que se poderá chamar de comunidade global que deverá ser a responsável pelos amplos e necessários consensos na definição dos princípios de ordem cultural e social, na definição do ideal de escola que se deseja, dentro de um quadro legal estabelecido, o seu PE.

Se nesta comunidade seguirmos um método baseado na cidadania, no primado da lei, na participação de todos e no exercício da liberdade individual e dos direitos fundamentais segundo regras comummente aceites (Martins, 2006, p. 51), dentro do usufruto pleno da sua autonomia, esta escola tem condições para, num âmbito mais restrito, elaborar o seu projeto pedagógico, onde já nos parece que essa comunidade poderá e deverá ser mais restrita. Será então esta comunidade mais restrita e interior à escola que, fundamentadamente, irá estabelecer e procurar atingir objetivos concretos como sejam o aumento dos índices de sucesso educativo, a participação em atividades extracurriculares, entre outros.

Restará, para que esta autonomia tenha futuro, que os sucessos e os fracassos sejam corretamente avaliados, no âmbito da operacionalização e monitorização do seu PE.

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