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Parte I – Enquadramento teórico, político e normativo

2. Paradoxos da Escola enquanto serviço público de Educação Contextos macropolíticos de

2.2. A Escola de organização centralizada, enquanto serviço público de educação

2.2.2. O período do Estado Novo e o modelo liceal

No período do Estado Novo o regime não se coibiu de chamar a si a organização da educação nacional através de um controlo acentuado sobre os currículos, os processos de ensino, os alunos e os professores. Contudo, estabeleceram-se novamente

relações privilegiadas com a Igreja, de forma que a acção educativa era exercida pelo Estado em colaboração estreita com a Igreja católica (Grácio, 1995, p. 283).

Além de se ter mantido e reforçado esta relação estreita e privilegiada com a Igreja, através da Concordata de 1940 com a Santa Sé, o regime utilizava ainda mecanismos de organização administrativa do sistema educativo que procurou sucessivamente fortalecer e lhe permitiam assegurar a vertente ideológica que incutiu à educação. Vamos procurar expor, ainda que de forma muito sucinta, estes mecanismos de organização da educação.

Implementando um modelo liceal marcadamente liberal, o Estado passou a incumbir-se, através do serviço público de educação, de uma missão socializadora, promovendo uma educação para a aceitação do status quo.

No período educativo relativo ao Estado Novo, notam-se algumas medidas que se poderão considerar mesmo reformas no sentido centralizador, como se lhes refere Lima (2002), ao considerar que no

Estado Novo há algumas reformas essenciais que configuram um modelo de organização altamente centralizado, na senda da tradição portuguesa, e um controlo político e administrativo sobre as escolas extremamente fino, extremamente apertado (p. 14).

Relativamente a este aspeto, encontramos dois Normativos marcantes, o primeiro de 1936, da responsabilidade de Carneiro Pacheco (Decreto-Lei n.º 27 084, de 14 de outubro), enquanto o segundo, de 1947, é da responsabilidade de Pires de Lima (Decreto-Lei n.º 36 507, de 17 de setembro). Ambos os diplomas de suporte das reformas aqui preconizadas procuram acentuar e prosseguir os objetivos do modelo social vigente, o primeiro com traços marcadamente ideológicos, estruturadores de uma escola de acordo com a trilogia “Deus, Pátria e Família” (Formosinho e Machado, 2000a, p. 32), consagrando a ideologia corporativa e uma organização fortemente centralizada do ponto de vista político-administrativo com intuitos de mobilização dentro da ordem estabelecida (Lima, 1992, p. 201).

Tendo sempre como referência o pensamento de Salazar, na execução das suas políticas, Carneiro Pacheco, não só

procurou estruturar solidamente a Escola, impulsionando-a para um futuro a seu contento (…) como obrigou a juventude do país à disciplina de uma farda e ao compasso de um hino (…). Tudo quanto executou teve sempre como objectivo a moldagem das crianças e dos adolescentes ao modelo nacionalista que defendia (…) (Carvalho, 1986, p. 778).

Por sua vez o segundo diploma reformador, da responsabilidade de Pires de Lima, sem recusar as dimensões de carácter ideológico (…) (Lima, 1992, p. 202) já

acentua sobretudo as vertentes de controlo burocrático e conformista (Formosinho e Machado, 2000a, p. 32).

Sem dúvida que estamos perante documentos reformadores não só da organização pedagógica e administrativa que, genericamente, se mantém, mas colocando esta ao serviço de uma formação de carácter ideológico na perspetiva corporativista.

Assim, constata-se uma forte complementaridade e coerência organizacional nas diferentes vertentes do funcionamento da escola, desde a administrativa à pedagógica, garantindo a coesão necessária ao modelo de educação nacional vigente.

Para suportar ideologicamente o regime promove-se a construção de um modelo de direção dos liceus que assenta num reitor. Este é designado pelo Ministro da Educação Nacional de entre os professores do liceu, com pelo menos cinco anos de actividade (Grácio, 1995, p. 285). O exercício de funções de direção é feito por delegação do Ministro que, em qualquer altura, o pode substituir.

Na organização pedagógica e administrativa dos liceus constam ainda, além de um vice-reitor, (nomeado de entre os diretores de ciclo), um conselho escolar (integrando os professores e médicos escolares em exercício) e um conselho pedagógico e disciplinar (constituído pelo reitor, diretores e subdiretores de ciclo e médico escolar). Naturalmente que, em qualquer caso, a presidência pertence ao reitor. Para coordenação do ensino e avaliação dos alunos existem o conselho de ciclo (integra todos os professores e o diretor de ciclo preside), o diretor de ciclo nomeado pelo ministro sob proposta do reitor, e ainda o conselho de professores de ano (com todos os professores de ano). Este último conselho, que funciona sob a presidência do diretor de ciclo ou do seu delegado, tem como funções apreciar o aproveitamento dos alunos.

No ensino primário refira-se que, ao nível Concelhio, são os delegados do director de distrito (geralmente professores) que são responsáveis pelos serviços escolares no município (Idem p. 285). Em cada distrito existe um diretor na dependência da Direcção Geral do Ensino Primário.

Marcante foi ainda, no decorrer do Estado Novo, a reforma implementada por Pires de Lima, através do Decreto-Lei n.º 36 507, de 17 de Setembro de 1947, a que já aludimos atrás.

Esta reforma surge num período já algo diferente, marcado por algum crescimento económico e pela expansão capitalista, contudo, mantém a estrutura essencial do ensino liceal relativamente às normas de 1936, sendo recuperadas e até

por vezes aprofundadas, muitas disposições de carácter acentuadamente ideológico (Lima, 1992, p. 205).

Ao nível das estruturas organizacionais e administrativas, veem-se reforçadas as competências do reitor, mantém-se um vice-reitor e surge um secretário também nomeado pelo ministro.

A importância que passa agora ser dada às administrações dos liceus, expressa- se na existência de um conselho administrativo constituído pelo vice-reitor, pelo secretário e um diretor de ciclo (o mais antigo), além do chefe da secretaria que não tinha direito a voto.

Além da importância que se confere nesta reforma à “inspecção de ensino”, constatam-se ainda outras alterações, verificadas ao nível da organização como nos refere Lima (1992):

Embora também as estruturas de coordenação/controlo pedagógico saiam reforçadas, refira- se que o papel do conselho escolar e do conselho disciplinar é bastante esbatido em benefício da intervenção do reitor, a quem ambos “Prestam assistência […]”. Muito significativas são ainda as competências do director de ciclo (…) (p. 204).

Ao longo da década de 60 do século passado mantém-se o controlo bastante apertado, numa situação que tinha muito pouco de acalmia e onde a participação dos diferentes atores, nomeadamente alunos, se encontrava ainda muito distante, embora no ensino superior, onde se vivia alguma convulsão, as palavras de ordem fossem, entre outras, autogestão pedagógica, democracia e participação.

Em mais uma reforma que avança para o terreno em 1967, através do Decreto- Lei n.º 47 480, de 2 de janeiro, procede-se à criação do Ciclo Preparatório do Ensino Secundário. Contudo, o Estatuto do Ciclo Preparatório do Ensino Secundário, vem a ser publicado apenas em 9 de setembro de 1968 (Decreto-Lei n.º 48 572) e, embora trazendo algumas inovações como a criação do conselho de turma e do cargo de diretor de turma, manteve o modelo organizacional e administrativo seguido no liceu, adoptando designações mais próximas das que vigoravam no ensino técnico (Lima, 1992, p. 206).

Neste contexto, temos, então, embora com sucessivas alterações de pouco vulto, o modelo de organização atrás descrito que vigorava nos Liceus e temos sobretudo um aparelho altamente centralizado. Centralizado, concentrado, ainda nesta altura, e a grande diferença é esta: a partir de Lisboa é possível controlar o Sistema Educativo (Lima, 2002, p. 14).

Neste modelo minuciosamente arquitetado, o controlo social é garantido através do funcionamento obediente de cada unidade dirigida por um diretor ou um reitor, por delegação do Ministro que o nomeia e, a todo o tempo, o pode substituir (Formosinho e Machado, 2000a, p. 32).

Sem dúvida que este controlo, que era efetuado a partir de Lisboa, exigia uma máquina administrativa e burocrática extremamente afinada; todavia, a sua base de suporte não era a competência técnica dos nomeados, antes se baseava na nomeação política de reitores e directores na base de uma confiança política (Lima, 2002, p. 14).

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