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Parte I – Enquadramento teórico, político e normativo

6. O Projeto Educativo e a contratualização da autonomia

6.1. Enquadramento teórico e clarificação de conceitos

O PE deve, na sua essência, ser uma resposta aos problemas da comunidade escolar, de acordo com a pluralidade e diversidade dos atores que constituem essa mesma comunidade.

Se formos procurar o esclarecimento para o significado de projeto à origem etimológica, do latim projectus, refere-se a algo ou ação que se estende, que se lança sobre. Contudo, Costa (2003) associa aqui também a ideia não só etimológica mas também de facto, através da noção de problema(p. 16).

Se pelas referências anteriores se constata alguma associação concetual de ação e movimento, igualmente se verifica esta valoração na aceção que nos é referida por Barbier (1996), a propósito do aparecimento de um projeto, ao clarificar que este:

aparece a propósito de uma acção específica, não repetitiva, com carácter eventualmente experimental, implicando uma estrutura particular, inédita, de operações que permitem realizá-lo e para a qual os actores implicados não dispõem, portanto, de uma imagem prévia dessa estrutura de operações (p. 44).

Este conceito e circunstâncias para que apela a definição são relativamente comuns nas situações formativas, cujos públicos são sucessivamente variáveis, assim

como os efeitos nesse público também o são, pelo que, para se aplicar mais à escola enquanto instituição, parece-nos apenas necessitar de um pouco mais de generalização.

Nesta tentativa de clarificação do conceito de projeto, poderemos questionar, tal como Boutinet (1996), se projetar proporciona uma ajuda para os indivíduos na determinação das suas intenções (p. 20). Ao que o próprio responde que aparece como naturalmente bom; numa cultura aureolada de positividade, o projeto faz parte dessa categoria de conceitos com conotação positiva.

Contudo, Boutinet (1996) também nos procura elucidar, referindo-se ao conceito de projeto da seguinte forma:

Pode assim dizer-se que, quanto a si, unicamente, só o projecto é mais que um simples conceito. Pelos seus subentendidos, pela pesquisa de uma idealização que encarna, transforma-se rapidamente em julgamento, o afirmando o ganho, a vantagem que os indivíduos e os grupos pretendem retirar dele. Torna-se assim uma referência simbólica que comporta mais do que um simples valor antecipador e regulador da acção, susceptível de ser definido metodologicamente (p. 21).

Embora com a referência anterior não se pretenda apresentar uma perfeita e completa definição, não estamos longe dos elementos que Costa (2003) considera fundamentais na definição de projeto:

. a obrigação do indivíduo saber o que quer e o modo como deseja alcançá-lo; . o estabelecimento de uma antecipação da acção;

. o relevo dado ao actor (individual ou colectivo) como autor do seu próprio projecto; . a exigência de criatividade e inovação (p. 18).

Situando-nos numa altura em que o projeto se assume como figura de modernidade também nos transporta para o tempo do futuro, para o tempo prospectivo. E a melhor maneira de se adaptar este tempo prospectivo é antecipar, prever o estado futuro (Boutinet, 1996, p. 22).

Assim, ao pretendermos de alguma forma apontar o futuro, esta ideia de projeto incompatibiliza-se com a aceção comum de improvisação.

Isto porque se trata justamente de uma ideia acerca dos nossos propósitos que é constantemente acompanhada por abordagens sobre os procedimentos necessários para a sua prossecução. A sua função é, como tal, servir de guia ao curso da acção (Llavador e Alonso, 2001, p. 73).

Conjugando trabalhos de Boutinet (1996) e Costa (2003), identificam-se quatro tipologias de projeto, tendo em conta o critério individual ou coletivo: projetos individuais, projetos de objetos, projetos de ação, projetos organizacionais e projetos de sociedade. Naturalmente que, no âmbito deste trabalho, nos direcionamos para os projetos de âmbito organizacional, cujo suporte teórico, que procuramos, deverá situar a

noção de projeto no âmbito educacional e mais ainda no PE da escola enquanto mentor de uma política educativa de escola onde os CA têm o seu papel.

Nesta breve aproximação ao conceito de projeto, parece-nos terem ficado duas das ideias base que nos orientam, uma que se relaciona mais com a intenção expressa ou não, (…) de realizar qualquer coisa num futuro (…) havendo outra que funciona com um programa de acção construído com sentido e antecipado no tempo (Grade, 2008, p. 24).

Nesta procura de clarificação para o conceito de PE, pareceu-nos pertinente direcionar o sentido da análise para a razão de ser da existência deste documento, ou seja, uma procura de resposta aos problemas com que se depara a organização educativa. Contudo, são diversas as conceções para o que deverá significar PE; se apenas uma procura de resposta para os problemas identificados ou algo mais abrangente, como a expressão de uma política de autonomia de uma comunidade, podendo pensar-se que esta comunidade tem um determinado ideário de educação para os seus membros.

Uma das primeiras definições para o conceito que é apontada por Costa (1991) refere-se ao PE da escola como:

Documento de carácter pedagógico que, elaborado com a participação da comunidade educativa, estabelece a identidade própria de cada escola através da adequação do quadro legal em vigor à sua situação concreta, apresenta o modelo geral de organização e os objectivos pretendidos pela instituição e, enquanto instrumento de gestão, é ponto de referência orientador na coerência e unidade da acção educativa (p. 10).

Claro que ao procurar a clarificação do conceito de PE podemos eventualmente fazê-lo pelo lado político, pelo lado administrativo e organizacional, ou ainda pelo lado pedagógico, o que, de alguma forma, nos pode conduzir aos princípios da liberdade de ensinar e da liberdade de aprender.

Se propusermos a análise pelo lado político, talvez estejamos a aproximar-nos de uma conceção de escola, ou daquilo que alguns investigadores identificam como o ideário de escola.

Claro que estamos perante um conceito de parca utilização na escola pública portuguesa, porém a sua utilização é relativamente corrente noutros países como a Espanha, nomeadamente nas referências ao projeto de centro.

Pode definir-se ao ideário de escola como:

Consistindo no conjunto de princípios ideológicos que estão na base de determinada concepção de Homem e de escola, de diversas convicções morais e religiosas, de opções

políticas, o ideário procura fundamentar a teoria pedagógica a concretizar em cada instituição escolar (idem, p. 20).

Perante esta definição poderíamos então referir estarmos perante um documento de carácter político-filosófico que aponta os princípios de orientação ideológica que presidem à organização pedagógica da escola.

Enquanto documento que explicita as linhas de orientação ideológica da instituição, como sejam as de carácter religioso e político, tem tido aplicação em Portugal nas escolas do ensino privado e cooperativo, estando a sua utilização arredada da escola pública. Assim, o ideário surge como um direito de autor da entidade privada que promove o funcionamento do estabelecimento de educação e ensino, o que o distingue do PE.

Apontando o ideário para uma vertente claramente político-filosófica do projeto que uma determinada entidade pretende promover, poderá eventualmente estabelecer-se aqui alguma relação entre o primeiro e o PE enquanto objeto.

Quando se fala em PE enquanto objeto, o que está em causa não são os métodos, mas antes o que é primeiramente valorizado, que são as metas que se pretendem, as intenções ou se quisermos o “ideal”.

Estamos perante uma situação em que, embora os métodos não possam ser esquecidos, o que é valorizado e enfatizado e que lhe dá motivação é o “objeto” visado pelo projeto.

O projecto-objecto tem assim uma natureza claramente filosófica, política e, até, ideológica: há vários actores em jogo, com interesses diversos e divergentes, sendo necessário construir consensos sobre o conjunto de “fins” e valores que se pretende atingir (Machado, 1997, p. 43).

O PE de escola poderá em certa medida identificar-se com esta conceção uma vez que, dirigindo-se à escola no seu todo, irá abarcar as diferentes dimensões da comunidade educativa, desde os atores mais interventivos como os professores e organismos estatais até aos mais interessados, como pais, autarquias, associações entre outros.

Uma outra conceção pode estar associada ao conceito descrito, a qual poderá ser a de projeto de finalidades, que acaba por estabelecer essencialmente os valores e aponta amplas perspetivas. Tem características predominantemente ideológicas e políticas, desenvolvendo-se por períodos alongados no tempo.

Identificado, sobretudo pelo seu coeficiente de generalidade e pela sua remissão para o espaço das finalidades, detém uma forte capacidade mobilizadora e agregadora que competirá ao projecto pedagógico operacionalizar (Carvalho e Afonso, 1993, p. 18).

Será então este conjunto altamente heterogéneo de atores que definirá a política educativa da sua escola, através dum ideal a construir por todos, o seu PE.

Mesmo apontando o PE para uma vertente como a que referimos, a do seu objeto, não deverá esquecer-se, para se completar e fazer sentido, da sua componente metodológica e então teremos o que se pode chamar de projeto enquanto método ou projeto pedagógico.

Como diz Costa (1991),

o Projecto Educativo não deverá ficar ao nível de um quadro de princípios tão teórico que não vincule a prática educativa dando orientações claras para o desenvolvimento das actividades e organização da escola (p. 24).

Contudo, também não deverá cercear as margens de competências de outros sectores da instituição escolar.

Como referimos, cabe ao projeto pedagógico operacionalizar o projeto político ou de finalidades, uma vez que este pela sua fluidez corre o risco de redundar em projecto ideológico, insusceptível de controlo (Carvalho e Afonso, 1993, p. 18) se não for associado a uma programação que, de alguma forma viabilize a avaliação.

Desta forma, PE assume assim a segunda vertente, podendo então afirmar-se estarmos perante um projeto pedagógico, o qual se caracteriza pelas relações de formalização do processo educativo, onde se incluem as atividades programadas para a concretização do método, podendo chamar-se a esta a dimensão intrínseca, a qual remete para a “gestão” da escola nos planos cultural, curricular e financeiro (Machado, 1997, p. 44).

Poderíamos afirmar estarmos perante a componente metodológica do projeto, ou perante o projeto-método, onde o que se privilegia é

a dimensão activa, experiencial e processual do projecto, tendo em conta não só o que se aprende mas também como se aprende. Há assim um pressuposto fundamental: enquanto agente activo na concepção e na realização do projecto, o aluno “desenvolve” a sua inteligência, os seus valores, as suas atitudes, etc. Ou seja, é o projecto que educa através do fazer intencional que se aprende. Por isso o projecto tem por si próprio um valor intrinsecamente pedagógico (Idem, p. 42).

Se afirmarmos que o projeto enquanto método se insere na dimensão ativa de desenvolvimento e processo e lhe atribuímos valor pedagógico, então parece-nos ser de referir também a componente de planificação de processo, a qual, a nosso ver, pode fazer a ponte para a componente organizacional do PE.

Ora sendo o PE o documento de planificação geral e de cúpula da escola, apenas é concretizável quando se serve de outros documentos que lhe são anexos, como o RI e o plano de atividades, entre outros.

É partindo deste pressuposto que se vislumbra a necessidade de planificação, numa base de coerência administrativa e organizacional da escola. Assim, esta necessidade de planificação implicará necessariamente a existência de uma sequência hierárquica de processo que se pode iniciar na base ou no topo, pressupondo sempre compromissos e negociação de objetivos, metodologias e processos.

Deste modo, a planificação far-se-á em função da estrutura organizacional existente na escola, passando pelos diferentes órgãos de gestão, até finalmente ser submetida a uma aprovação final pelo órgão de direção.

Consequentemente, ao construir-se uma determinada metodologia de desenvolvimento de processos, baseada nas estruturas orgânicas da escola, estaremos talvez a olhar de um modo genérico para um carácter mais funcional e organizacional (Machado, 1997, p. 42) em que se pode inserir o PE.

A esta vertente do PE refere-se-lhe Costa (1991) da seguinte forma:

Encontramo-nos perante um ponto de vista organizacional e administrativo em que o Projecto Educativo da Escola é entendido como um instrumento de planificação que procura contribuir para que a instituição escolar atinja, com eficácia, os objectivos a que se propôs enquanto organização (p. 13).

Assim, restará referir que se as lógicas, pedagógica e organizacional, são lógicas de ação que se consubstanciam numa dimensão metodológica e processual, então apenas faz sentido implementá-las e desenvolvê-las quando esteja presente a lógica do “desejo” ou do “ideal” que se pretende atingir.

6.2. Autonomia e projeto educativo - enquadramento político e

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