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Parte I – Enquadramento teórico, político e normativo

2. Paradoxos da Escola enquanto serviço público de Educação Contextos macropolíticos de

2.3. O advento escola de massas na decadência do Estado Novo

Chegados ao fim da década de sessenta século XX, e como já nos referimos anteriormente, a centralização terá sido, ao que parece, levada talvez aos seus limites. Todas as áreas de funcionamento da escola, desde a gestão pedagógica à gestão administrativa, se encontram pormenorizada e detalhadamente descritas.

Em nenhuma das áreas há autonomia de decisão por parte da escola (Formosinho, 2005, p. 99). Desde os currículos até à distribuição da carga horária semanal, condições de transição dos alunos, recrutamento de docentes, que compete aos serviços centrais, passando pela organização das turmas, horários de alunos e professores, tudo está sujeito a normas detalhadas que, entretanto, constam de normativos minuciosos que decidem antecipada e uniformemente as formas de organização da escola. A abrangência das normas centralmente decididas é, por assim dizer, total.

Formosinho (2005) analisou a evolução geral da centralização da escola primária e da escola secundária entre 1926 e 1986, tendo estipulado três grandes áreas de intervenção ou de organização educativa: Currículo e avaliação, Organização pedagógica e Direcção e gestão administrativa.

Constata-se neste estudo que, nos fins da década de sessenta (1968) e período 1970/74, os níveis de centralização são sempre bastante elevados, atingindo valores médios de 4, numa escala de valoração da centralização de 1 (mínimo) a 5 (máximo). Constata-se também, segundo estes dados, que nas áreas de Currículo e avaliação e Organização pedagógica, os valores tenderam para alguma diminuição da centralização situando-se, grosso modo, entre 3 e 4, enquanto os valores para a área de Direcção e gestão administrativa, próximos de 5, apontam para o acentuar da centralização.

Neste aproximar temporal à escola de massas, a área do Currículo e avaliação, antes a mais centralizada, na década de 70 passou a ser a menos centralizada (1970- 74). Evolução oposta teve a área da Direcção e Gestão Administrativa que, de área menos controlada (1932), rapidamente passou a área mais controlada (…) (Formosinho, 2005, p. 99).

Este controlo à distância pelos Serviços Centrais, a que já fizemos referência, atinge pormenores altamente caricatos onde, além da determinação do livro único em disciplinas de carácter técnico se vai até à escolha do pessoal de limpeza e à cor da tinta com que os professores deverão corrigir as provas de avaliação dos alunos.

Neste ambiente algo absurdo, de centralização levada ao limites, para se perceber um pouco melhor os acontecimentos massificadores da escola portuguesa entre fins da década de 60 e inícios da de 70 do século passado, parece-nos ser conveniente proceder a algum enquadramento sociopolítico e económico do país, socorrendo-nos para tal de Grácio (1985):

Portugal, como outros países situados na periferia meridional da Europa, chegou ao decénio de 70, já o sugerimos, com uma formação social característica de um capitalismo acentuadamente subalterno relativamente a interesses supranacionais, com fortes dependências de tecnologia, de mercado comercial e financeiro, de exportação de mão-de- obra. Como em outros sectores o panorama da educação formal apresentava-se carente e sombrio (p. 75).

Independentemente da falta de planeamento e estratégia de desenvolvimento, na verdade, por efeito conjugado de alguns fatores externos, com políticas protecionistas em termos económicos, Portugal assiste, na década de 50, ao início da transformação da indústria portuguesa em motor da economia, e, por conseguinte, à ascensão do sector financeiro-industrial (Pardal, 1985, p.159).

Os reflexos da expansão da indústria acabam por se fazer sentir de igual forma na estrutura de atividade e na distribuição da população ativa, numa acentuada deslocação do sector primário para o secundário.

Sem dúvida que estas novas necessidades da indústria exigem mais da educação como também o terá começado a perceber e a constatar o então ministro Leite Pinto, a partir já de meados da década de 50, onde se procedeu ao alargamento da escolaridade de três para quatro anos e onde começa a constar dos discursos ministeriais o alargamento a todos da “educação base” e a “generalização de uma educação de base”.

Também por esta altura se começa a querer ir mais longe em termos de planeamento da educação.

Conseguiu-se em 1959 que o País aderisse, em ligação com a OCDE, ao Projecto Regional do Mediterrâneo, conjuntamente com a Espanha, Itália, Jugoslávia, Grécia e Turquia, abrindo a educação ao planeamento e consultoria exterior, na perspetiva da possível evolução demográfica e económica.

Obtém-se como resultado da participação no projeto referido a previsível e desejável evolução de alunos, professores, instalações e despesas, numa perspetiva de necessidades futuras em pessoal e respetivas qualificações.

Assim, este documento (com publicação de 1965 pela OCDE) acaba por, a título consultivo, fornecer uma imagem das clamorosas carências, distorções e atrasos do sistema educativo (Grácio, 1985, p.77), alertando e permitindo a fundamentação da opinião pública, embora sem resultados práticos no imediato.

Autoriza-se, contudo, a publicação do relatório, embora o mesmo não tenha produzido resultados por, naturalmente, não ter contado com as indispensáveis condições políticas para que pudesse ser executado (Pardal, 1985, p. 159).

A vontade e a existência de algumas condições políticas para promover a urgente modernização do sistema educativo, terão surgido pouco depois através do ministro Veiga Simão. O reforço das condições para essa modernização terão funcionado, pelo menos em parte, como a continuação de alguns passos já dados anteriormente, no sentido da escola para todos.

Com a saída de Salazar e com Marcelo Caetano a presidir ao Conselho poderá considerar-se haver alguns indícios de uma maior abertura à participação, nomeadamente no Ensino Superior.

Após a sua entrada para funções governativas, Veiga Simão procurou realizar um projeto que implicava a “modernização” da educação, no qual um dos eixos principais passava por adaptar o sistema às necessidades de desenvolvimento (Grácio, 1985, p. 79).

Efetivamente, já se tinha notado o excessivo atraso do País relativamente ao avanço e harmonização das políticas europeias no sector da educação, daí a urgência que o Ministro vê em avançar com políticas que induzam a participação. Facilmente nos seus discursos se podem encontrar referências como “preparar a grande massa de cidadãos para a vida da liberdade responsável”, “preparar quadros dinâmicos e eficientes”, assim como recuperar os “atrasos de quase duas décadas”, conforme nos refere Grácio (1985, p. 81).

Efetivamente, a “escola de massas” resultou antes de mais da explosão escolar verificada na década de setenta, ainda no período respeitante a algumas reformas então preconizadas por Veiga Simão, a coberto da Lei n.º 5/73, de 25 de julho a qual deveria ser a base da reforma do sistema educativo. De entre as inovações então preconizadas e que abriram caminho à “escola de massas”, Carvalho (1986) aponta-nos algumas das que considerou como mais importantes:

Institucionalização da educação pré-escolar, extensão da escolaridade obrigatória de seis para oito anos, polivalência do ensino secundário e acréscimo de um ano na sua duração, expansão e diversificação do ensino superior, criação de cursos de pós-graduação, novo enquadramento da formação profissional, estruturação da educação permanente e, na sua globalidade, a consagração, “de forma inequívoca”, do princípio da democratização do ensino (p. 808).

Ainda nesta fase, constava também como tema recorrente no discurso ministerial a “democratização do ensino” que era, segundo Grácio (1985),

ocasião para inúmeras variações definitórias, mas redutível no essencial a estes elementos: acesso de todos aos bens de cultura e da educação, em igualdade de oportunidades, independentemente das condições sociais e económicas de cada um em função exclusiva dos seus méritos (p. 81).

Refere-nos Correia (2000), a propósito do aumento do número de alunos e do tempo de permanência na escola:

Este acréscimo de escolarização (…) desenvolveu e envolveu também uma maior implicação da educação no local e induziu dinâmicas educativas não escolarizadas que intencionalmente procuravam contribuir para a qualificação e a construção de comunidades e de cidades locais em busca da sua emancipação (p. 8).

Neste discurso de contextualização local poderá pensar-se que o sistema educativo, até aqui centralizado e elitista, estará a dar os primeiros passos para o exercício de uma autonomia baseada nos interesses das comunidades locais e das regiões.

Numa análise mais aprofundada e naturalmente bastante posterior à reforma de Veiga Simão, pode afirmar-se que em termos de gestão participativa ou democrática das escolas, ela é praticamente lacunar, e é hoje mais ou menos consensual que se a reforma Veiga Simão nalguns aspectos foi determinante a seguir ao 25 de Abril, por exemplo na unificação do ensino secundário, já em matéria de organização das escolas, a reforma ficou definitivamente para trás (Lima, 2002, p. 14).

Neste contexto é o mesmo que dizer que, em matéria de participação e eventual descentralização, nada se avançou, continuando portanto a haver nomeação de reitores e directores na base de uma confiança política. Não quer dizer que na última fase do regime não tivesse havido surpresas (ibidem). Efetivamente, nesta fase, foram

nomeados alguns reitores bastante mais novos (30 anos), o que não era costume, tendo inclusive alguns desses prosseguido as suas actividades, depois do 25 de Abril, na direcção das escolas (idem, p. 15).

Não sabemos se por efeito de uma efetiva vontade reformadora ou se antes mercê da decrepitude do regime que, entretanto, sente dificuldades em manter a robustez da centralização, na verdade acaba por se assistir à ocupação, por parte de professores a alunos, de espaços de participação que cada vez tornam mais evidente a necessidade de “democratização da sociedade” (Formosinho e Machado, 2000a, p. 33). Na verdade, o discurso liberal e meritocrático, com que se procurava aludir à “democratização do ensino” e que se entendia como desígnio nacional, acaba por se notar num aumento da entrada de alunos no sistema educativo assim como na criação de novas escolas.

Contudo, tal estratégia de “democratização do ensino”, baseada quase em exclusivo no aumento do número de alunos, tornou este desígnio quimérico em contextos sociais de forte e hierarquizada estratificação (Grácio, 1985, p. 87). Estes constrangimentos inerentes ao regime político continuavam presentes, não permitindo espaços alargados de participação.

Pequenos sinais de uma maior abertura democrática ou, mais simplesmente, a única resposta possível ao desmoronar do regime político instituído, permitiram, contudo, que se começassem a criar novos espaços de mobilização e participação.

Entretanto,

O Golpe militar de 25 de Abril de 1974, que pôs termo ao regime ditatorial implantado em 1926, trouxe com ele, entre muitas outras esperanças, a da resolução dos problemas mais gravosos do nosso ensino (Carvalho, 1986, p. 813).

2.4. O período de autogestão no serviço público de educação no

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