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Contratos de autonomia, instrumento de governação versus recentralização

Parte I – Enquadramento teórico, político e normativo

5. O caminho para um regime de autonomia

5.4. Contratos de autonomia, instrumento de governação versus recentralização

Perante o avolumar de problemas e conflitos sociais, bastante visíveis nas diversidades étnicas dos grandes centros urbanos, por exemplo, a resposta tem sido desenvolver démarches no sentido de fazer dispersar a energia acumulada. As apostas sucessivas na desconcentração do sistema educativo têm permitido algumas respostas mais localizadas, dispersando assim os problemas. A opção pela descentralização poderá vir a ser outra das respostas a permitir, assim, reforçar a autonomia das escolas e agrupamentos bem como das próprias autoridades políticas locais. A descentralização que se desenvolve através da contratualização de novos meios e recursos poderá determinar o comportamento futuro dos atores envolvidos, uma vez que prevê à partida o modo como esses recursos vão ser utilizados. Esta modalidade de governação, além de prever o modo como os recursos são utilizados, determina igualmente quem os utiliza bem como os beneficiários dos meios e recursos disponibilizados. Introduz-se assim,

uma nova nuance na configuração das relações de poder e autoridade nos sistemas educativos. Trata-se de uma autoridade cuja legitimidade advém agora da revalorização neoliberal do direito a gerir (…)(Afonso, 2010, p. 20).

Através desta opção de descentralização é também determinada a forma como vai ser efetuado o controlo da utilização dos meios e recursos, que fica igualmente contratualizado.

Barroso (2006) refere-se igualmente a esta perspetiva da descentralização, naturalmente resultante da lógica de contratualização da autonomia, que ele próprio tinha proposto em 1997, da seguinte forma:

Neste sentido, as políticas de reforço da autonomia das escolas podem ser vistas e interpretadas à luz deste objectivo de instrumentação da acção pública, de recomposição do papel do Estado e das suas formas de governo. À semelhança do que acontece noutros sectores da administração pública, assistimos, na educação a uma tentativa de diversificação dos sistemas de coordenação e pilotagem através da criação de instrumentos de governação que põem a tónica mais nos meios e nos resultados da acção pública do que nos princípios e fins das políticas que a determinam (p. 30).

Nesta perspetiva de orientação da política educativa, onde são utilizados os CA como instrumentos da governação, parece ser mais fácil a negociação, porque apenas são discutidos os meios e os fins, não sendo discutidos os objetivos. Embora naturalmente sejam definidos objetivos, nomeadamente de natureza operacional, na verdade, existem constrangimentos que poderão facultar ou não a consecução desses objetivos. A novidade no processo, se assim podemos chamar, é que os constrangimentos passam a estar associados ao interior da organização, neste caso a escola ou o agrupamento de escolas. Nesta lógica de descentralização através da contratualização, além de se conseguir implementar a autonomia das escolas, ganha-se enorme vantagem no diminuir conflitos, face ao compromisso na obtenção dos resultados. Assim o Estado Central fará sempre recair sobre os gestores ou diretores a justificação e a responsabilização mais imediatas desses mesmos resultados educacionais (Afonso, 2010, p. 21).

Consegue-se, por outro lado efetivar um salto qualitativo pelo facto de a escola ou o agrupamento de escolas serem eles próprios convidados, face à contratualização, a implementar os mecanismos de acompanhamento e controlo porque, face ao impacto público,

os diretores ou gestores escolares, tenderão a criar mecanismos de controlo organizacional mais severos e formas de gestão supostamente mais eficientes e eficazes para garantir as condições necessárias à obtenção de bons resultados académicos e educacionais (ibidem). Barroso (2006) considera, por seu turno, que nos CA pode existir uma dupla aplicabilidade:

. como forma de regular as relações no interior das escolas, entre os indivíduos e os grupos de interesses que representam (p. 31).

Se no primeiro caso há preocupações relacionadas meramente com a capacidade de gestão, no segundo constata-se uma preocupação de carácter mais organizacional, na perspetiva da negociação e da participação.

Em relação à autonomia que se deseja ou conceção de escola que queremos, mesmo sem citar os CA, Lima (2006) refere:

Daqui releva uma concepção de escola como parte integrante da esfera pública e locus de co- governação entre o Estado, a comunidade local e os actores escolares, com vista à construção de uma escola mais democrática e mais pública, mesmo sem necessariamente deixar de ser estatal, e também mais autónoma e deliberativa (…) (p. 54).

Assim, de acordo com as lógicas que determinam alguns procedimentos por parte da administração educativa ou mesmo por parte dos governos da República Portuguesa, o desenvolvimento desta autonomia contratualizada poderá ser o primeiro passo para uma efetiva descentralização e não meramente uma forma de controlo acordada com os próprios atores. Embora partindo da iniciativa do poder político instituído, os CA são

Fruto de uma negociação conjunta, ainda que numa relação desigual de poder, as partes chegam ao estabelecimento de regras apropriadas a cada situação concreta, incluindo a existência de contrapartidas por parte do poder de controlo (Azevedo, 2008, p. 11). Este caminhar, ainda que tímido no sentido de alguma descentralização, deve-se também à falta de resultados na salvaguarda do serviço público de educação pelos diferentes modelos vigentes, seja do burocrático-profissional de que se advoga a falta de capacidade de resolução dos problemas locais das escolas, seja o modelo de mercado educativo que acaba por não salvaguardar a equidade do serviço público de educação. Perante esta situação de falta de resposta e de soluções para os problemas da educação enquanto serviço público, a aposta de alguns dos governos europeus (não anglo- saxónicos) tem sido a de procurar implementar medidas que promovam a capacidade das escolas e agrupamentos resolverem esses problemas. Na prática, esta disponibilização de meios e recursos acaba por significar algum desenvolvimento e ampliação da autonomia nas escolas. O reverso tem surgido a seguir, nomeadamente quando se constata que a administração educativa procura, ao mesmo tempo, manter o controlo e unidade do sistema educativo.

Nesta procura de solução para o que parecem problemas opostos, descentralizar e ao mesmo tempo manter o controlo, os modos de regulação têm sido diversos, no sentido de promover a equidade de tal serviço público. Talvez assim se justifique que

o Estado e a administração educativa tenham que jogar um papel regulador para evitar que a autonomia possa dar lugar a uma segmentação e pulverização do sistema educativo (…) (Bolívar, 2004, p. 110).

Assim, parece estar justificada a intervenção do Estado oferecendo um serviço público de educação mas no qual precisa, de alguma forma, de manter controlo. Se é verdade que através da contratualização se prevê o incremento da capacidade de decisão local através da disponibilização de meios e recursos acrescidos, é natural que, em troca, sejam exigidos resultados à escola. Há quem refira haver aqui uma regulação conjunta que representaria um compromisso entre a autonomia das escolas e a regulação de controlo, que acompanha e avalia o que se faz (Azevedo, 2008, p. 11).

Os receios que podem começar a pairar de estarmos a caminhar para a uma recentralização residem talvez neste aspeto, a exigência de resultados. Estando assumida a responsabilidade da prestação de contas e de apresentação de resultados, na prática, irão ser desenvolvidas estratégias e procedimentos que estarão centralizados na obtenção de melhores resultados escolares pelos alunos, eventualmente em detrimento de outros procedimentos pedagógicos.

Esta estratégia de governação, pode ser algo elitista mas ao mesmo tempo pode representar uma autonomia desejada e politicamente legitimada contudo, como nos refere Torres (2011):

Estamos em presença de formas de governação escolar democraticamente limitadas, ou mesmo empobrecidas, restringindo a margem de decisão e de participação dos actores às esferas da produtividade escolar (p. 102).

Esta forma de caminhar para uma descentralização pode revelar-se numa inversão ou mesmo perversão da própria autonomia das escolas. Bolívar (2004) refere- se a esta vertente política de incrementar a autonomia de uma forma que apelida de dispositivos de recentralização, dizendo:

O incremento de autonomia das escolas nas actuais orientações de políticas educativas, encontra-se vinculado a determinados dispositivos de recentralização, encontrando-se principalmente entre eles o controlo de resultados da avaliação das escolas e a responsabilidade pela prestação de contas (Idem, pp. 111-112).

Assim, o estabelecimento dos CA poderá conter em si outros significados que não apenas dar novas condições às escolas e agrupamentos de escolas para construir o

seu PE. Esses significados não se encontram descritos nos normativos legais que lhe dão suporte, mas autores como Barroso (2006) já os vão apontando:

O contrato aparece, assim, como um instrumento aparentemente eficaz para gerir a “autonomia profissional” dos professores, num quadro de crise da regulação burocrática e da emergência de novas formas de governação (governance), substituindo o controlo hierárquico pelo autocontrolo, a obrigação dos meios pela obrigação dos resultados, a regulamentação pela avaliação (p. 32).

Nós diríamos que as medidas de política educativa que têm vindo a ser desenvolvidas, nomeadamente a partir de 2007 com a implementação ainda que experimental dos CA, encaminham a organização do sistema público de educação para uma autorregulação supervisionada contudo, Lima (2006) continua a manter sérias dúvidas acercas dos avanços autonómicos, ao afirmar que:

Este novo regime insiste numa mudança de tipo insular sem proceder à mudança global do sistema de administração e educação e sem alterar a sua concentração de poderes relativamente às escolas (…) (p. 32).

Os CA que foram assinados por cada uma das escolas e agrupamentos de escolas apontam para o facto de essa recentralização talvez estar, ou não, à porta de cada um desses estabelecimentos de ensino. O futuro far-nos-á acreditar nas margens de autonomia agora concedidas ou, pelo contrário, revelá-las-á como insuficientes ou meramente medidas de distração política, no sentido de mais uma vez manter acesa a chama da autonomia através da retórica do discurso político.

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