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Fotos 30 e 31 Itacaré: pousadas à venda no loteamento Conchas do Mar Fotografias: Paulo Fernando Meliani, setembro de 2010.

11.3 A produção de espaços seletivos e exclusivos do turismo em Itacaré

A dinâmica do turismo produz espaços em Itacaré, na medida em que os equipamentos turísticos vão sendo instalados, com maior densidade na cidade de Itacaré e em espaços selecionados nos costões do litoral sul, onde se construíram os resorts, de acordo com conceitos de baixa densidade e integração com a natureza (figura 20). Com a inserção do ecoturismo, em sua variante de esportes de aventura, a vila interiorana do distrito de Taboquinhas tem recebido ecoturistas que, entre outros esportes de aventura na natureza, praticam o rafting nas corredeiras do rio de Contas que existem por ali.

Figura 20. Localização da cidade de Itacaré e dos resorts e praias da costa sul.

Fonte: Google Maps; Meliani, Silva e Gomes (2007). Edição de Paulo Fernando Meliani.

De acordo com Shaw and Williams (2004, p. 267), apesar dos enclaves produzidos pelos resorts não serem algo novo, os “novos resorts” tem criado mais espaços exclusivos para turistas, conduzindo a exploração do trabalho e a marginalização de grupos sociais particulares nas comunidades locais. Em Itacaré, tem ocorrido uma seleção e uma produção de espaços para o consumo de turistas que, justamente por serem turistas, pressupõe-se que tenham condições para pagar pelo lazer nas férias. Portanto, os espaços seletivos do turismo em Itacaré não são produzidos para aqueles que não têm condições de neles consumir, estes estão excluídos de seu uso pleno, sendo muitas vezes considerados indesejáveis como usuários por sua condição de classe. Assim, exclusivos, os espaços do turismo só podem ser plenamente vividos por quem pode consumir e, no caso de Itacaré,

tornam-se ainda mais exclusivos em função da “privatização” que ocorre em algumas das praias do litoral.

O acesso a algumas praias de Itacaré, como a de São José, Prainha, Jeribucassu e Engenhoca, muitas vezes, só é possível mediante pagamento, impedindo quem não têm condições financeiras, de usufruir de um bem público. Cercadas, vigiadas e de acesso dificílimo (quando não se efetua o pagamento) através de costões e penhascos, algumas destas praias são verdadeiros “espaços proibidos”, nos termos de Flusty (citado por Bauman, 1998, p. 28), para as pessoas que sempre utilizaram estas praias para a pesca, a prática de esportes e, de modo mais dramático, para aqueles antigos vendedores ambulantes do lugar 87. Desde o início dos anos 1990, quando as unidades de conservação foram criadas na região e a pavimentação da estrada era apenas um projeto, o valor das terras em Itacaré tem se multiplicado, na medida em que o capital turístico vai se apropriando dos espaços, tornando-os mais raros e cobiçados, inclusive por meio da estética da mercadoria do turismo de natureza. De acordo com o cartório de registro de imóveis da prefeitura de Itacaré, um lote urbano, de pouco mais de 300 m2 no loteamento Conchas do Mar I, era vendido por 8 mil reais, em 1998. Em 2010, agentes de imobiliárias da cidade avaliaram os lotes ainda sem construção do mesmo loteamento, indicando valores entre 120 e 150 mil reais como preço de mercado, ou seja, no mínimo 14 vezes maior do que o valor de 1998.

A valorização das terras reflete o consumo do espaço que vem ocorrendo, na medida em que o turismo vai se instalado como atividade produtiva no lugar. Chiapetti (2009, p. 163) afirma que, além das empresas de capital internacional, muitos estrangeiros, enquanto “pessoa física”, também tem adquirido casa, terrenos e fazendas na região, inclusive, o

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Segundo Steven Flusty (citado por BAUMAN, 1999, p. 28), espaços públicos tradicionais são cada vez mais suplantados por espaços de produção privada (muitas vezes com subsídios públicos), de propriedade e administração privadas, para a reunião pública, isto é, “espaços de consumo”. Para Atkinson (2003, p. 1829), a crescente comercialização de espaços públicos explica o aumento constante de “códigos restritivos” que “filtram” o acesso a eles, justificando-se tais restrições pela questão do medo da segurança física. Flusty (citado por BAUMAN, 1999, p. 27), nota a construção num campo novo das áreas metropolitanas, mas que podemos reconhecer em outros lugares que não a cidade: a dos “espaços proibidos”, destinados a interceptar, repelir ou filtrar alguns dos pretendentes a usuários. De acordo com Bauman (1999, p. 28), Flusty designa alguns destes espaços proibidos: (a) o “espaço esquivo”, que não pode ser alcançado, porque as vias de aproximação se contorcem, prolongam ou inexistem; (b) o “espaço espinhoso”, o que não pode ser facilmente acessado em função da instalação de grades sobre muros ou barras inclinadas que impede as pessoas de se sentar; e (c) o “espaço nervoso”, o que não pode ser usado de forma despercebida devido ao monitoramento de patrulhas ambulantes e de tecnologias remotas ligadas a estações de segurança. Em destinos turísticos, é comum a apropriação privada de espaços públicos, como em praias de Itacaré, onde a construção de espaços “esquivos” e “espinhosos” impede o acesso a usuários indesejados, ou seja, “proibindo” o uso do espaço a aqueles indivíduos que, por sua condição de classe, não tem a capacidade de consumo esperada pelos empreendedores.

“casario antigo das cidades”. De acordo com Chiapetti (2009, p. 163-164), as aquisições de imóveis realizadas por estrangeiros devem ser registradas separadamente, num chamado “livro vermelho” que, de acordo com o Código Civil Brasileiro (Art. 10, Lei nº 5.709 de 7/10/1971), é onde se devem constar todos os registros de imóveis urbanos e rurais adquiridos por estrangeiros nos municípios, como uma medida de controle federal sobre o território da União.

Em sua pesquisa, Chiapetti constatou que apenas o cartório de Itacaré possui dados organizados e que, mesmo havendo uma lei específica que penaliza a falta da organização dos dados no “livro vermelho”, não conseguiu obter estes dados nos cartórios do outros municípios da Costa do Cacau. Segundo Chiapetti (2009, p. 164), das 2.500 matrículas registradas no cartório de Itacaré, 112 são de estrangeiros (4,5 %), correspondentes a 80 imóveis situados na área urbana e 32 na rural. “Enquanto nos anos de 1979/80 apenas 6 % das propriedades foram adquiridas por estrangeiros, nas décadas seguintes estes percentuais tiveram grande acréscimo: 23 % na década de 1990 e 71 % na década de 2000” (CHIAPETTI, 2009, p. 164) 88.

Para Chiapetti, apesar dos critérios que normatizam o controle do uso e apropriação de terras no território nacional, há uma negligência no cumprimento da lei. A essas questões junta-se a facilidade com que estrangeiros, sabidamente, se utilizam do matrimônio ou do pagamento de porcentagem no negócio para algum brasileiro, de modo a conseguir a propriedade formal dos imóveis. “Estas facilidades, aliadas ao baixo preço dos imóveis brasileiros comparado ao mercado europeu, justificam a especulação estrangeira em toda a extensão de nosso litoral” (CHIAPETTI , 2009, p. 164).

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De acordo com Chiapetti (2009, p. 164), o conjunto de compradores estrangeiros, de imóveis em Itacaré, era composto por franceses (30 %); suíços (12 %); portugueses (11 %); norte-americanos (9 %); ingleses (8,5 %); italianos (7,5 %); argentinos (4 %); holandeses (3 %); austríacos (2,5 %); espanhóis (2,5 %); irlandeses (2,5 %); belgas (2,5 %); alemães (1,5 %); chilenos (1 %); noruegueses (1 %); etíopes (1 %) e israelitas (1 %).

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