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O turismo vende os lugares que produz, como uma mercadoria que tem valor de uso pela satisfação de experiências imaginadas e, do mesmo modo que qualquer outra mercadoria, o vende na perspectiva de lucro pelo capital, obtido por meio da valorização estética e da exploração da mais-valia dos trabalhadores, ou seja, dos indivíduos que, de fato em seus cotidianos, prestam os serviços de apoio aos turistas durante suas viagens. Segundo Castilho (2007), as atividades que dão suporte ao turismo incluem-se na categoria de “serviços pessoais”, relacionados ao consumo individual, de entretenimento, incluindo bares, restaurantes e similares 9.

Para a reprodução capitalista, há uma necessidade de socialização do trabalhador que envolve o controle de suas capacidades físicas e mentais, que se realiza por meio de ideologias, como a de uma “ética corporativa”, que incuti no trabalhador a noção de “vocação profissional”, nos termos de Weber (2003, p. 98) ou do trabalho como meio de atingir um fim superior, uma das categorias nas quais Arendt (2008, p. 139) enquadrou as “modernas idealizações do trabalho”. É a ideia de que o trabalho possa ser um meio capaz de fazer com que os indivíduos consigam obter condições dignas de existência e de ascensão social. A

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Entretanto, Castilho (2007) questiona-se sobre as possibilidades concretas de integração socioespacial dos moradores de regiões subdesenvolvidas inseridas no mercado global do turismo. O autor analisa o turismo como um “mecanismo ideológico” voltado à formulação de representações socioespaciais que contribuem para a manutenção da realidade vigente. Castilhos acredita que o desenvolvimento em Recife (PE) por meio da oferta de empregos turísticos, sob uma conjuntura histórica e geográfica marcada por pobreza e miséria presentes na paisagem urbana, não se realizará como propagam as ideias e imagens positivas da turistificação do espaço.

conscientização da importância do trabalho e de qualificação profissional sinalizam os meios empresariais, pelos quais os trabalhadores se incorporam à missão capitalista das empresas.

Ideias que se prestam muito bem à subordinação do trabalho ao capital, na medida em que o trabalhador, por meio delas, é conscientizado e preparado para produzir cada vez mais e, consequentemente, dar maiores lucros para quem comprou sua força de trabalho. A incorporação do trabalhador à missão empresarial faz sentido para a estética da mercadoria, a partir do momento em que as forças produtivas padronizam a aparência e o comportamento dos trabalhadores, com o objetivo de valorizar o produto. Grande parte da estética da mercadoria é vista como desempenho pessoal daquele que a vende, ou seja, do vendedor, aquele que mostra gentileza e dedicação lisonjeira com o comprador.

De acordo com Haug (1997, p. 91), o ato de admirar os pretensos méritos, e de simular estar impressionado com a mercadoria que vende, compõe o gestual do vendedor, que busca impressionar o comprador com a representação de sua própria impressionabilidade. Assim, continua Haug, antes mesmo da promessa estética do valor de uso depreender-se como imagem publicitária, ela já se encontra ativa fora da mercadoria, na boca e nos gestos dos vendedores. “De sua máscara (do vendedor) faz parte – enquanto invólucro eufórico da preocupação profunda com a realização de seu valor de troca – o entusiasmo com o valor de uso da mercadoria, representado no diálogo da venda” (HAUG, 1997, p. 94).

Para a estética da mercadoria no turismo, o trabalho é determinante “na medida em que o resultado dos serviços prestados pelo conjunto dos trabalhadores irá interferir, significativamente, na qualidade do produto turístico final e propiciar maior ou menor competitividade às empresas deste segmento, bem como ao destino turístico” (FONSECA E PETIT, 2002, p. 02). Em função desta determinação, as empresas prestadoras de serviços turísticos requerem trabalhadores “multifuncionais”, que estejam preparados para “trabalho produtivo em grupo” (VALENCIA, 1998, p. 45), entre outras exigências. Todavia, como o trabalho no turismo acontece em serviços que não são prestados unicamente para turistas (exceto nas agências de viagem e nos meios de hospedagem), torna-se difícil identificar as ocupações e elaborar uma tipologia própria.

Ainda assim, a partir da definição de “atividades características do turismo” (ACTs) 10, proposta pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2007), foi possível identificar uma série de ocupações referentes ao turismo na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO, 2002; 1994), que é publicada, e eventualmente atualizada, pelo Ministério do Trabalho e Emprego do Brasil. Outra fonte de informações, que permite a identificação de ocupações e a elaboração de uma tipologia para o trabalho no turismo, vem da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Entre 2004 e 2008, em parceria com o Ministério do Turismo do Brasil, a ABNT publicou uma série de normas técnicas aplicáveis a serviços, operações e competências de pessoal do turismo.

Pelo exame das ocupações do turismo (CBO e ABNT), observamos que, considerando o “circuito superior” da economia, nos termos de Santos (2008), as empresas exigem trabalhadores mais do que multifuncionais e cooperativos, pois as exigências incluem ainda serem poliglotas e conhecedores de geografia e história dos lugares que atuam, bem como sabedores de técnicas de relacionamento interpessoal. As exigências para o trabalhador, que atua no circuito inferior do turismo, não são mais simples que as dos trabalhadores do circuito superior, pois o “autônomo” tem que se desdobrar em capacidades e habilidades, além de improvisar formas de prestar serviços aos turistas, para poder assim manter sua condição de existência 11.

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De acordo com o Sistema Integrado de Informações sobre o Mercado de Trabalho no Setor de Turismo (Simt), estruturado pelo Instituto de Pesquisas Aplicadas (IPEA), com o apoio da Empresa Brasileira do Turismo e do Ministério do Turismo (Embratur/MTur), sete grupos de Atividades Características do Turismo (ACTs) representam o maior gasto dos turistas: (1) Alojamento; (2) Agência de viagem; (3) Transportes; (4) Aluguel de transportes; (5) Auxiliar de transportes; (6) Alimentação e (7) Cultura e lazer. No anexo A desta tese, apresento a relação das sub-atividades características do turismo segundo o Simt/IPEA.

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A teoria dos “circuitos espaciais da economia urbana” de Santos (2008) nos parece bastante adequada para entender a produção turística, na medida em que são facilmente reconhecíveis, nos espaços do turismo, circuitos espaciais superiores e inferiores de produção e consumo. As empresas do “circuito superior”, de acordo com Santos, são originadas diretamente da modernização e tem o essencial de suas relações ocorrendo, muitas vezes, no país ou no exterior, ou seja, fora da cidade e da região que o abriga. Já o “circuito inferior” é formado por atividades de pequena dimensão, interessando principalmente as populações pobres e, ao contrário do circuito superior, é bem enraizado e mantém relações privilegiadas com sua região. Os capitais utilizados no circuito superior são comumente volumosos, enquanto que, no circuito inferior, as atividades de “trabalho intensivo” utilizam capitais reduzidos e podem dispensar uma organização burocrática. A tecnologia e a organização são os elementos que caracterizam a diferença fundamental entre as atividades dos circuitos espaciais de produção. O circuito superior é “imitativo”, pois se utiliza muitas vezes de uma tecnologia importada, de alto nível, uma tecnologia de “capital intensivo”. No circuito inferior, o emprego raramente é permanente e sua remuneração situa-se, quase sempre, no limite ou abaixo do mínimo vital. De maneira geral, os contratos assumem um acordo pessoal entre patrão e empregado, em situações em que o trabalho familiar e o trabalho autônomo assumem grande importância. No circuito inferior, apesar da média de ocupados por unidades de produção ser baixa, o número global de pessoas ocupadas é considerável, o que faz desse circuito o verdadeiro fornecedor de ocupação para os pobres e os imigrantes sem qualificação.

Para Castilho (2007, p. 4), a diversidade de vínculos ao mercado de trabalho é responsável pela heterogeneidade socioespacial dos pobres, já que existem indivíduos inseridos formalmente no mercado de trabalho e outros que vivem de táticas informais de ocupação, além daqueles que mantêm alguns laços formais como subcontratados ou ocupados ocasionais. Castilho (2008, p. 78) afirma que o circuito inferior é considerado um “setor refúgio”, ou uma “válvula de escape”, às pessoas sem emprego e sem possibilidades concretas de consumo ao nível do circuito superior, desempenhando também um papel ideológico ao garantir a manutenção da ordem socioespacial estabelecida, por manter um número considerável de pessoas ocupadas, sobretudo no setor de serviços.

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