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ESTÉTICA DA MERCADORIA, TRABALHO E A PRODUÇÃO DE UM ESPAÇO DO TURISMO NO SUL DA BAHIA

10. DA FORMAÇÃO REGIONAL À PRODUÇÃO DE UMA ZONA TURÍSTICA

10.2 O trabalho na formação da região cacaueira da Bahia

Segundo Garcez e Freitas (1979, p. 21), as exportações regionais de amêndoas de cacau, que registraram um volume de aproximadamente 26,5 toneladas no ano de 1834, alcançaram em 1860 em torno de 579 toneladas. Entre 1860 e 1890, com a lavoura cacaueira se expandindo mais rapidamente, as exportações alcançaram, neste último ano, a marca de 3.503 toneladas de amêndoas de cacau (Garcez e Freitas, 1979, p. 21). Neste período, do mesmo modo que a produção de cacau, a população das pequenas vilas cresce também significativamente, como resultado de um intenso processo migratório. Entre 1890 e 1920, a população da região cresceu em torno de 337,84 %, em função das levas de

71 Foi ao longo do século 19, que o cacau passou de um produto menor à produto de exportação (FURTADO, 2007), apesar da “importância relativa do cacau em fins do século XIX ainda era relativamente pequena, representando tão só 1,5 por cento do valor das exportações do país nos anos (18)90” (p. 212). Segundo Garcez e Freitas (1979, p. 21), a expansão da lavoura cacaueira foi possível com a introdução de variedades mais resistentes (as variedades “Pará” e “Maranhão”) que possibilitaram a extensão das roças pelas encostas, já que a primeira variedade introduzida na Bahia ocupou inicialmente as terras ribeirinhas, em função de ser extremamente exigente quanto ao grau de umidade do solo. De acordo com Andrade (1970, p. 76), por ser o cacau uma planta muito exigente, em termos de condições de clima e solo, encontra-se insulado em uma extensa área do Sul da Bahia, onde a temperatura média anual é superior a 24° Celsius e as precipitações médias oscilam entre 1.300 e 2.000 mimlímetros, distribuídas por quase todo o ano. Apresentando solos característicamente espessos e oriundos da decomposição de rochas cristalinas, era a região primitivamente recoberta por densa floresta tropical, destruída apenas parcialmente para o cultivo do cacau. Segundo Andrade (1970, p. 76), a planta é cultivada tanto nas várzeas dos rios como nas encostas, sendo as variedades distribuídas de acordo com o maior ou menor grau de exigência quanto às condições edáficas.

imigrantes, a maioria vinda das regiões pobres e secas do sertão nordestino (Mello e Silva et al, 1987, p. 81), notadamente do Estado de Sergipe.

Ainda antes da mecanização, nos primeiros decênios do século 20, as produções anuais de cacau em amêndoas passaram das dezenas de milhares aos milhares de toneladas. Na zona do cacau, segundo Santos (1957, p. 102), em 1925, foram produzidos 70.468 toneladas de amêndoas de cacau, em 1935, foram 120.162 e, em 1955, atingiram as 144.584 toneladas 72. Para Diniz e Duarte (1983, p. 37), as três primeiras décadas do século 20 correspondem a “formação da região”, quando a uma sociedade se formou em torno da organização do sistema produtivo, definindo estruturas políticas e ideológicas de reprodução social. O comércio exportador de cacau, mais de um século depois da introdução, organizou a economia “de forma capitalista, de conteúdo mercantilista, porque permitiu todo um processo de acumulação” (DINIZ e DUARTE, 1983, p. 39).

Uma corrida pelo desbravamento das terras para o plantio de cacau, nas primeiras décadas do século 20, atraiu migrantes do interior do Nordeste, crentes na esperança de se tornarem proprietários ou de, simplesmente, venderem sua força de trabalho nas fazendas. De acordo com Diniz e Duarte (1983, p. 39), estruturou-se uma sociedade formada por uma classe dominante de grandes produtores e comerciantes, e outra baixa, formada por lavradores e pequenos comerciantes, bem como pelos “burareiros”, um misto de produtores e comerciantes que, apesar de pequenos proprietários, viviam em condição social e de renda igual a dos trabalhadores assalariados. De acordo com Diniz e Duarte (1983, p. 108), que usaram dados do censo agropecuário de 1975 do IBGE, 189 mil pessoas estavam empregadas na atividade agrícola regional, em 1975, universo constituído quase todo por trabalhadores de cacau, já que a lavoura absorvia na época mais de 90 % da produção vegetal da região e, muitos municípios, mais de 90 % da produção agrícola (que inclui a produção animal).

Esse universo de quase 200 mil trabalhadores era constituído metade por burareiros e metade por assalariados: barcaceiros, tropeiros, cabos de turma, tiradores, cortadores, além de administradores e gerentes (DINIZ e DUARTE, 1983, p. 116). Segundo Baiardi (1984,

72 De acordo com Potsch (1955, p. 160), a produção de cacau brasileira, em 1954, foi de 151.618 toneladas, sendo a Bahia, ou melhor, o sul da Bahia, responsável por mais de 96,6 % (146.580 t). Os demais Estados responsáveis pela produção nacional de cacau, naquele ano de 1954, segundo Potsch, foram Espírito Santo (3.237 t), Pará (982 t), Amazonas (766 t), Minas Gerais (19 t) Pernambuco (16 t), Amapá (10 t) e Maranhão (8 t).

p. 313), a cacauicultura conservou a estrutura produtiva do século 19, que subordina o trabalho ao capital, em dois níveis: entre o “capital agrícola” e os “assalariados”, e entre a “unidade de produção capitalista” e a “unidade de produção familiar”. Para os assalariados, a subordinação se dá pela extração da mais-valia do trabalhador precarizado e, para as unidades familiares, a subordinação acontece pela sub-remuneração do trabalho vivo, quando repassam o produto de seu trabalho (amêndoas de cacau ou alimentos) a preço baixo para as unidades capitalistas.

Segundo Andrade (1970, pp. 76-77), por ser uma cultura comercial por excelência e feita, quase sempre, por proprietários absenteístas, a produção de cacau provocou o desaparecimento de culturas de subsistência nas áreas onde os solos lhe são favoráveis, estimulando a concentração de propriedade. A produção cacaueira favorece a distinção de classes, afirma Andrade, existindo, de um lado, proprietários de grandes e médias fazendas, pequenos proprietários, capatazes e administradores, e de outro, trabalhadores que só são numerosos na época de colheita, que se estende de abril a agosto e de setembro a dezembro. Conta Andrade (1970, p. 77), nos demais meses do ano, é pequeno o número de trabalhadores utilizados pelas fazendas e o desemprego domina na região, daí a existência de migrações sazonais feitas por trabalhadores vindos de outras áreas nos períodos de colheita que, ao fim dela, voltam para suas casas ou migram para outra região.

Referindo-se aos anos 1970, Andrade (1977, pp. 146) afirma que as grandes fazendas pontilham na paisagem, aparecendo com verdadeiras clareiras na floresta, na medida em que a cultura do cacau, por ter sido tradicionalmente feita no sistema de “cabruca” (sombreamento), pouco modificou a paisagem. As fazendas, segundo Andrade, se destacam na paisagem pela localização de suas sedes, pelas casas de moradia dos proprietários e de seus prepostos, pelos armazéns e pelas “barcaças”, onde o cacau é posto a secar. Em contraste, conta Andrade, as casas dos pequenos proprietários (burareiros), que muitas vezes cultivam a terra com as próprias mãos, são construídas de taipa e se confundem com as habitações dos trabalhadores assalariados.

De acordo com Santos e Silveira (2001, p. 124), a produção brasileira de cacau historicamente se concentra na Bahia: em 1940 eram 95,24 % da área cultivada no país e 96,06 % da quantidade produzida. Segundo Dean (1996, p. 314), o plantio de cacau se expandiu enquanto os preços aumentaram, até 1986, ocupando sete km2 naquele ano, sendo uma parcela cada vez maior plantada em regime de abertura de clareiras, porque os

empréstimos só eram concedidos aos que seguissem as recomendações do centro de pesquisa 73.

Os burareiros, necessitando de um uso mais intensivo de suas poucas terras, foram os mais impelidos a eliminar a “cabruca”, o tradicional sistema de sombreamento dos pés de cacau, no qual o lavrador limpava apenas o sub-bosque da floresta para o plantio, deixando algumas árvores de dossel por sobre a plantação. Apesar de ser considerada por ambientalistas como preferível ao sistema de abertura de clareiras, a cabruca é um sistema que de fato não conserva e, muito menos, preserva a floresta como meio biodiverso, mas apenas enquanto paisagem aparente de floresta, ou seja, forma sem conteúdo. Dean (1996) afirma que a cabruca não preservava a floresta remanescente, só detinha sua execução, pois quando as árvores da floresta primária envelheciam, elas não se reproduziam. “As árvores de sombra, nas fazendas mais velhas, algumas datando da década de 1910, estavam sendo cortadas antes de desabar na cabeça dos trabalhadores” (DEAN, 1996, p. 314-315).

A velha estrutura produtiva sofre com o caráter de instabilidade econômica da monocultura cacaueira, que sempre submeteu à região a períodos de decadência e estagnação, motivadas por excedentes de produção, diminuição de demanda (guerras mundiais), incertezas climáticas, variações de preços, flutuações de câmbio, concorrência africana e latino-americana, pragas, etc. Em 1991, o Sul da Bahia detinha 92,8 % da produção brasileira, em grande parte, destinada à exportação, competindo com a produção dos países africanos do Golfo da Guiné (ANDRADE, 1997, p. 124).

Apesar do aumento da importância relativa de produções de cacau no Pará e no Espírito Santo, a primazia continua sendo baiana: em 1996, 83,57 da área cultivada no país e 79,52 % da produção nacional (SANTOS e SILVEIRA, 2001, p. 124). Entretanto, ao final do século 20, a região chegou submersa numa crise iniciada ao fim dos anos 1980, desencadeada por uma tendência declinante dos preços de mercado do cacau e pela ocorrência de doenças causadas pelos fungos “vassoura-de-bruxa” e “podridão-parda”.

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Segundo Andrade (1970, p. 77), a produção baiana de cacau oscilou de 131.723 (em 1953) para 194.693 toneladas (em 1967), com aumento de produtividade no período: de 404 kg/ha (em 1953) para 1.042 kg/há (em 1967). Segundo Virgens Filho et al (1993, p. 9), entre 1963 e 1986, a produtividade da cacauicultura elevou-se de 300 para 700 kg/ha/ano, assim como a produção que passou de 106 mil para 430 mil toneladas/ano. O aumento de produção e de produtividade, observado nos anos 1960 e 1970, advém da criação, em 1957, pelo Governo Federal, da “Comissão Executiva do Plano de Recuperação da Lavoura Cacaueira” (CEPLAC), que promoveu ações financiadoras e de pesquisa. Na década de 1970, a produção de cacau na região cacaueira da Bahia cresceu 52,2 % (169 mil toneladas em 1970 para 257 mil em 1980), mas de acordo com Diniz e Duarte (1983, p. 130), a maior expressão do crescimento foi até 1975 (255 mil toneladas).

Segundo a Companha de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (CONDER, 2004, p. 40), a produção baiana de cacau se reduziu pela metade no início dos 1990, de 355 mil toneladas na safra de 1989-90 para 156 mil toneladas na de 1996-1997.

A brusca redução da produção de amêndoas de cacau trouxe consigo mudanças no uso das terras e na distribuição da população que vive na região. Na década de 1990, a população absoluta da região manteve-se na casa do um milhão de habitantes, entretanto, a urbanização se ampliou 15 %, fazendo com que os urbanos fossem mais de 800 mil, no final da década (IBGE, 1991; 2001). Por sua vez, no campo, a população diminui 33 %, já tornando menos de 300 mil, o número de rurais, cada vez mais empurrados para fora das fazendas em razão da decadência do cacau. A população regional total decresceu discretamente, cerca de 3,0 % de acordo com os recenseamentos do IBGE (1991; 2001). Passou de 1.130.142 habitantes, em 1991, para 1.096.188 em 2000.

Todavia, a dinâmica rural-urbana foi importante, já que a população urbana cresceu 15,93 % (passando de 691.548 habitantes, em 1991, para 801.743, em 2000) e a população rural decresceu 33,01 % no período (eram 438.594 habitantes, em 1991, e 294.445 em 2000). Assim, a proporção de urbanos na região passou de 61,19 %, em 1991, para 73,13%, em 2000, enquanto que o de rurais, que era de 38,81 %, em 1991, reduziu-se para 26,87 %, em 2000. Quinze sedes dos municípios da região com população entre 20.000 e 100.000 habitantes, em 2000, foram classificadas como centros urbanos em espaços rurais consolidados, mas de frágil dinamismo recente e elevada desigualdade social (BITOUN, 2005). Outras vinte e quatro sedes de municípios, com menos de 20.000 habitantes em 2000, foram classificadas como pequenas cidades com poucas atividades urbanas em espaços rurais consolidados, mas de frágil dinamismo recente 74. Os municípios de Ilhéus e de Itabuna são os únicos da microrregião que possuem centenas de milhares de habitantes: 184.231 e 204.710 habitantes respectivamente em 2010 (IBGE, 2010).

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No apêndice D desta tese, apresento uma figura representativa dos tipos de cidades da microrregião de Ilhéus-Itabuna, de acordo com Bitoun (2005).

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