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11.2 Itacaré: de vila de pescadores a destino ecoturístico

Estetizado por uma natureza idealizada, Itacaré se torna mercadoria valorizada em função da raridade do produto, ao mesmo tempo em que a vila de pescadores transforma- se em destino turístico. O potencial do turismo de natureza já era conhecido dos planejadores, desde os anos 1980, quando praticamente só os surfistas se interessavam em viajar à Itacaré. Ao que parece, o surfe abriu o caminho para o turismo, pois foram surfistas os primeiros a chegar para consumir o lugar, inclusive divulgando as “trips” no sul da Bahia em revistas de circulação nacional. O próprio “ser surfista”, nos anos 1970 e 80, significava viajar em busca de ondas perfeitas, num paraíso perdido em meio à “natureza intocada”, longe da “babilônia”.

Em consonância com a premissa de se criar raridades ambientais, na perspectiva da atração de recursos e turistas, já no início dos 1990, a ação do Estado pautou-se na criação de áreas de proteção ambiental (APA), um tipo de unidade de conservação onde é permitido o desenvolvimento de atividades econômicas, desde que submetidas ao enquadramento no plano de manejo. De acordo com Chiapetti (2009, p. 153), a normatização do território baiano para a preservação ambiental ocorreu por decretos e portarias federais, estaduais e municipais em que 140 unidades de conservação da natureza (UCs) foram criadas. Uma profusão de UCs ocorreu a partir do momento em que o turismo passou a representar um modo de viabilizar empréstimos aos investimentos no Estado da Bahia. A partir de 1990, foram criadas 37 unidades de proteção integral, como estações ecológicas, reservas biológicas, parques, monumentos naturais e refúgios de vida silvestre, além das 94 unidades de uso sustentável, identificadas por 38 APAs e 51 reservas particulares do patrimônio natural.

Entre as dezenas de APAs criadas pelo governo do Estado da Bahia, para a costa do cacau foi criada a APA da Costa de Itacaré-Serra Grande, em 1993 (figura 17) 83. O primeiro “Plano de Manejo - Zoneamento e Plano de Gestão” da APA da Costa de Itacaré-Serra

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As Áreas de Proteção Ambiental (APAs) pertencem a categoria de unidades de conservação do “Grupo de Unidades de Uso Sustentável”, definida pela Lei Federal nº 9.985, que estabelece o SNUC - Sistema Federal de Unidades de Conservação da Natureza (BRASIL, 2000). O desenvolvimento de atividades econômicas no território de uma APA é permitido, desde que sejam respeitados os critérios legalmente estabelecidos em um plano de manejo.

Grande foi elaborado por VeS ENGENHEIROS CONSULTORES (1996B) e aprovado pelo CEPRAM (Conselho Estadual do Meio Ambiente) em 1996. O perímetro original (que depois foi expandido), da APA de Itacaré-Serra Grande, circunda uma área de 168 km2 que, a partir do oceano, ocupa uma faixa costeira de 6 km de largura por 28 km de comprimento, ao largo do litoral entre a cidade de Itacaré e a vila de Serra Grande, no município de Uruçuca. O primeiro plano para a APA de Itacaré-Serra Grande foi feito em 1996, por uma empresa de engenharia de Salvador (VeS Engenheiros Consultores 1996A; 1996B), que apresentou um diagnóstico e um plano de manejo à BAHIATURSA, com base na ideologia do desenvolvimento sustentável.

Figura 17. Localização do perímetro original da APA da Costa de Itacaré-Serra Grande. Fonte: Mendonça (1979); CONDER (2004). Edição de Paulo Fernando Meliani.

Atravessando a APA, a “estrada-parque”, o trecho da BA-001 que liga Ilhéus a Itacaré, construída em bases sustentáveis, cruza remanescentes de Mata Atlântica, fazendo uso de questionáveis equipamentos “ecologicamente corretos” (como redes na copa das árvores ou manilhas por debaixo da estrada para a travessia de animais), como se, com eles, fosse possível evitar a fragmentação ambiental. Foi a partir da pavimentação da estrada, concluída em 1998, que Itacaré entrou na moda como destino turístico, atraindo cada vez mais

surfistas e ecoturistas, muitos estrangeiros, que geralmente viajam em busca de um lugar inóspito e exótico 84.

Durante o dia, os turistas praticam esportes, fazem trilhas, visitam cachoeiras e praias, enquanto que, à noite, consomem todo um “burburinho” decorrente de sua própria reunião, como luaus e baladas, em geral festas reggae ou bailes de forró. Com o acesso pavimentado, Itacaré tornou-se a “bola da vez”, o “novo destino”, divulgado na capa de revistas de turismo (Figura 18), inclusive pela visita de artistas e atletas, como o tenista catarinense Gustavo Kuerten, que se “refugiou” em Itacaré logo após ter ganhado o torneio de Roland Garros, na França, em 2001.

Figura 18. Reprodução parcial da Folha do Turismo de maio de 2002. Fonte: Folha do Turismo (2002).

Com a inserção plena do turismo em Itacaré, a partir dos anos 2000, a recente dinâmica econômica incrementou a urbanização do município, nítida na transformação da estrutura demográfica e na expansão de áreas ocupadas no entorno da vila, bem como a

84 Outra unidade de conservação da natureza, desta vez de proteção integral, foi criada em 1997, o “Parque Estadual da Serra do Condurú” (PESC), como forma compensação pelos impactos ambientais causados com a construção da estrada-parque, solicitada por ambientalistas. Localizado numa posição mais interiorana, mas ainda junto à costa de Ilhéus, Uruçuca e Itacaré, o PESC trouxe problemas para famílias de posseiros instalados ali, já que, numa unidade de proteção integral, as terras devem ser desapropriadas e, desse moroso processo, derivam aborrecimentos, frustrações e injustiças. Segundo Chiapetti (2009, p. 156), a criação do PESC teve grande impacto para as famílias aí residentes, principalmente para aquelas que trabalhavam a terra na condição de posseiros, pois a morosidade do Estado da Bahia em regularizar a situação de posse, impede que os proprietários recebam a indenização e também que possam trabalhar em suas terras. Para Chiapetti (2009), “a criação do PESC, antes da preservação da natureza, se caracteriza mais como um apoio e um atrativo fundamental para a difusão da atividade turística associada à conservação da natureza” (p. 155).

adensamento das formas urbanas no centro. Segundo o IBGE (1991; 2001; 2008), em Itacaré, os percentuais de população urbana têm aumentado nas últimas décadas, denotando o claro processo de urbanização no município: 23,19% (4.275 habitantes) em 1991; 43,87% (7.951 habitantes) em 2000; 58,05% (14.350 habitantes) em 2007 85.

Na sede do município, na cidade de Itacaré e entorno, onde os serviços turísticos estão mais concentrados, houve um importante crescimento da população urbana, entre 1991 e 2007, de mais de 393 %: eram 2.324 habitantes em 1991, 5.712 em 2000, e 11.478 em 2007 (IBGE, 1991; 2001; 2008). A paisagem do centro de Itacaré reflete a atual função de destino turístico, concentrando os serviços de alojamento (pousadas), de alimentação (bares e restaurantes), de comunicação por internet, de agências de ecoturismo, locadoras de veículos, lojas de souvenires e de aluguel de equipamentos esportivos, etc. (fotos 23 e 24).

Fotos 23 e 24. Itacaré: serviços para turistas no caminho das praias (Pituba).

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