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Segundo Cazes (1987, p. 596), problemas e questões derivadas do turismo permanecem indissociáveis a fatores que, por serem particularmente revelados pela abordagem espacial, fazem com que uma “geografia do turismo” (seja ao nível dos fluxos de frequentação, dos tipos de hospedagem ou dos tipos de planejamento) pareça reveladora da influência de critérios geográficos e humanos sobre as localizações turísticas. Nessa ótica, afirma Cazes (1987, p. 595), o espaço, qualificado como “matéria primeira do turismo”, serve menos a se definir do que a excluir; menos a se interrogar do que a se observar “complacentemente”; menos a interpretar do que a descrever e classificar “ao infinito”.

De acordo com Cazes (1987, p. 596), as especificidades da geografia do turismo parecem se exprimir em três eixos de pesquisas, que se sucedem num mesmo estudo geral ou, de maneira distinta, segue um ponto de vista adotado: (1º) das análises e interpretações das distribuições em diferentes escalas espaciais; (2º) dos exames de modalidades e efeitos da articulação entre turismo e meio de acolhimento e (3º) dos estudos da produção de paisagens e de imagens específicas.

Sobre as distribuições do turismo em diferentes escalas espaciais, diferentes temas de análise são, segundo Cazes (1987, p. 596), bem conhecidos, como “deslocalização” (expressão e direção da demanda turística), “relocalização” (zonas de recepção, volume e composição de fluxos, vias e meios de deslocamento, etc.). Nestes estudos, afirma Cazes, encontramos uma abordagem eminentemente cartográfica que, quase sempre, que representa em escalas muito variáveis (mundo, continentes, países, regiões, zonas periurbanas, etc.), pontos de partida e chegada, se apoiando em estatísticas existentes. As cartas turísticas resultantes desenham um “espaço-movimento”, nos termos de Braudel (citado por CAZES, 1987), ou seja, uma estruturação específica do espaço, onde as coincidências e as distorções, com a representação de outros fenômenos socioeconômicos, merecem análise e reflexão.

De acordo com Cazes (1987, p. 599), a pesquisa geográfica floresceu na observação e descrição das relações complexas e contrastantes, que se estabelecem entre dois sistemas de regras e de visões antagonistas: o “sistema-turismo” (sob a tirania da demanda turística exterior) e o “sistema-meio de implantação” (ordenado em função de outras exigências pré-

existentes). Na análise geográfica, afirma Cazes, a definição dos “tipos de relações”, que se instauram entre o meio e o sistema turístico que ali se projeta, engloba “relações de indiferença” (passividade, aceitação, neutralidade), “relações de antagonismo” (oposição, resistência, concorrência, rivalidade, afrontamento, exclusão, etc.) e “relações de colaboração” (associação, conivência, negociação, afinidade, coerência, etc.). Por sua vez, a identificação e a qualificação dos diversos “tipos de articulação espacial” põem em evidência alguns conceitos que permitem estruturar a análise: “mobilidade/sedentarização, concentração/difusão, agressão/valorização-proteção, projeção-enclavamento- segregação/abertura-integração, etc.” (CAZES, 1987, p. 599).

O interesse pelo fato turístico, nos muitos estudos geográficos de pretensão mais geral, diz Cazes (1987, p. 597-598), resultam de uma sorte de “choques visuais”, de “provocação espacial” decorrente da produção simbólica de imagens turísticas. Para Cazes (1987, 0. 598), além do interesse que pode apresentar a observação e leitura crítica dessas imagens, em diversas escalas e em diferentes ângulos, é a articulação vital com a produção material das paisagens que permite compreender como a imagem, simples transcrição estilizada de situações existentes, pode influenciar as escolhas estéticas e urbanísticas dos planejadores. Não estaria aí, se interroga Cazes, nesse interessante processo de “retroação”, uma das explicações da “estandardização” de paisagens turísticas planejadas? Segundo Cazes, por este lado dos “estereótipos espaciais e arquiteturais”, é que os estudos do imaginário turístico são diretamente ligados aqueles da produção material e da organização física dos territórios.

O desenvolvimento do turismo nos lugares promove a chamada “turistificação” do espaço (“mise en tourisme”), uma forma de condicionamento da utilização e apropriação do espaço pelo turismo (CAZES citado por CARA, 2001, p. 89). Quando estimulada pelo Estado, a turistificação, por vezes, inclui planos de requalificação ou refuncionalização de espaços, com a implantação de projetos urbanísticos e arquitetônicos, a recuperação de espaços públicos tradicionais, o incentivo às atividades de comércio e serviços, bem como à produção e representação de imagens positivas dos lugares. Muitos estudos sobre os processos de turistificação voltam-se para as transformações que a produção do turismo causa nas dimensões simbólicas dos lugares, artificializando-os, isto é, tornando-os, muitas

vezes, “inautênticos”, seja nos termos de Urry (1996), de Yásigi (2009) ou de Cazes e Courade (2004) 5.

Nesta perspectiva, segundo Cruz (2007, p. 21), os lugares produzidos pelo turismo têm sido estudados e denominados como “enclaves” (Lozato-Giotart), “bolhas” (John Urry), “simulacros” (Baudrillard), mas nenhuma expressão ganhou tanta aceitação quanto o conceito de “não lugar” apresentado pelo antropólogo Marc Augé. De acordo com Coriolano (2006, p. 45), o livro “Place and placelessness” de Edward Relph, publicado em 1976, foi um pioneiro na introdução da ideia do turismo como produtor dos chamados “não lugares”, partindo do fato de que, muitas vezes, as forças produtivas negam o “local” e, assim, degradam as culturas para maximizar os lucros.

Para Coriolano (2006, p. 45), as cidades são vendidas aos turistas como produtos abstratos, destituídas de seu conteúdo social, são os “espaços-fantasia” dos cartões-postais. Carlos (2006) afirma que “o espaço produzido pela indústria do turismo perde o sentido, é o presente sem espessura, quer dizer, sem história, sem identidade; neste sentido é o espaço do vazio; ausência; não lugar” (p. 28). Nessa perspectiva, os lugares estariam se transfigurando com o objetivo de atrair turistas, provocando um sentimento de estranhamento em seus habitantes, já que, se transformando em destino turístico, tudo no lugar se torna espetáculo e o turista em um espectador passivo.

De acordo com Lacoste (1988, p. 34), a “geografia se tornou espetáculo”, na medida em que a representação das paisagens se tornou uma inesgotável fonte de inspiração, não somente para pintores, mas também para um grande número de pessoas. A representação da paisagem invade filmes, revistas e cartazes, seja para procuras estéticas ou para publicidade, bem como “nunca se comprou tantos cartões postais, nem se tirou tantas fotografias de paisagens como durante essas férias, feitas de guias nas mãos” (LACOSTE, 1988, p. 34). Para Lacoste, a “ideologia do turismo” faz da geografia umas das formas de consumo de massa, a partir do momento em que multidões, cada vez mais numerosas, são tomadas por uma verdadeira “vertigem faminta de paisagens”, fontes de emoções estéticas mais ou menos codificadas.

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De acordo com Urry e Crawshaw (1995, p. 54), em sua análise do turismo moderno, MacCannell notou precisamente a “autenticidade encenada” de muitos locais turísticos, que diz respeito ao olhar do turista como uma intromissão clara na vida das pessoas. Este tipo de olhar do turista faz com que, aqueles que vivem sob a pressão desse olhar, bem como os promotores turísticos, acabem por construir, de modo artificial e forjado, um espaço de bastidores, longe do olhar dos turistas. A “autenticidade encenada” é o produto das relações sociais construídas em torno das tentativas dos visitantes para consumir, por um lado, visualmente lugares e gentes “autênticos” e, por outro, formar resistências a tais tentativas por parte dos autóctones.

Há uma reprodução de certos tipos de “imagens-paisagens”, diz Lacoste (1988), na fotografia, no cinema que, “se olharmos de perto”, são “como mensagens, como discursos mudos, dificilmente decodificáveis, como raciocínios que, por serem furtivamente induzidos pelo jogo das conotações, não são menos imperativos” (p. 34). Uma impregnação das imagens-paisagens se impõe por meio da “mass media”, que nos coloca em posição passiva de contemplação estética, repelindo para ainda mais longe a “ideia de que alguns podem analisar o espaço segundo certos métodos a fim de estarem em condições de aí desdobrar novas estratégias para enganar o adversário, e vencê-lo” (LACOSTE, 1988, p. 34).

Todavia, os processos de produção turística do espaço afetam muito mais que as dimensões simbólicas dos lugares, pois o turismo representa uma atividade em expansão e que, de um ponto de vista físico-territorial, é consumidora, produtora e transformadora de espaços (CARA, 2001, p. 86). Para que o consumo do turismo se realize, o espaço deve possuir equipamentos de infraestrutura, oferecer serviços específicos e, antes de tudo, ter as qualidades materiais e imateriais que interessem os turistas. Qualidades exigidas do espaço que vão além do sistema de objetos específicos, das formas naturais ou construídas que o compõem, mas, sobretudo, de um sistema de ações capaz de dinamizar o espaço em sua função turística, como é o caso dos serviços que dão suporte aos turistas.

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