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TURISMO E ESTÉTICA DA MERCADORIA

6. LUGARES COMO ARTIGOS DE MARCA E CERTIFICADOS AMBIENTAIS NO TURISMO

A produção contemporânea do turismo transforma espaços em todo mundo, em função de valorizações resultantes do desenvolvimento científico, bem como das inovações tecnológicas em informação e comunicação. Entretanto, os lugares se distinguem pela diferente capacidade de oferecer rentabilidade aos investimentos em serviços, pois cada lugar tem uma combinação própria de fatores atrativos e, portanto, não são capazes de rentabilizar do mesmo modo os investimentos em turismo. Assim, é possível falar de uma “produtividade espacial” ou “produtividade geográfica”, nos termos de Santos (2002, p. 248), noção que se aplica a um lugar em função de uma determinada atividade ou conjunto de atividades.

Esta rentabilidade varia de um lugar a outro em função das condições locais de ordem técnica (equipamentos, infraestrutura, acessibilidade) e de ordem organizacional (legislação local, taxas, relações e tradições de trabalho), como explicou Santos (2002b, p. 88):

Na verdade, se o mundo tornou possível, com as técnicas contemporâneas, multiplicar a produtividade, somente o fez porque os lugares, conhecidos em sua realidade material e política, distinguem-se exatamente pela diferente capacidade de oferecer às empresas uma produtividade maior ou menor. É como se o chão, por meio das técnicas e das decisões políticas que incorpora, constituísse um verdadeiro depósito de fluxos de mais-valia, transferindo valor às firmas nele sediadas. A produtividade e a competitividade deixam de ser definidas apenas devido à estrutura interna de cada corporação e passam, também, a ser um atributo dos lugares. E cada lugar entra na contabilidade das empresas com diferente valor.

Sem minimizar a importância das condições naturais, Santos afirma que a produtividade espacial se refere mais ao “trabalho” do espaço, destacando que são as condições artificialmente criadas que sobressaem enquanto expressão dos processos técnicos e dos suportes geográficos da informação. Para Santos (2002, p. 59), os lugares redefinem as técnicas, pois

Cada objeto ou ação que se instala nos lugares, se insere um em tecido preexistente e seu valor real é encontrado no funcionamento concreto do conjunto e, sua presença, também modifica os valores preexistentes. Os respectivos ‘tempos’ das técnicas ‘industriais’ e sociais presentes se cruzam, se intrometem e acomodam. Mais uma vez, todos os objetos e ações veem

modificada sua significação absoluta (ou tendencial) e ganham uma significação relativa, provisoriamente verdadeira, diferente daquela anterior e impossível em outro lugar. (...) Essa situação relativa é resultado não apenas da produção local, mas do que é produzido no conjunto de lugares de um espaço dado, e envolve lugares próximos, e também longínquos, graças ao alargamento dos contextos tornado possível com os progressos nos transportes e nas comunicações e com a estandardização da produção.

Há assim uma especialização dos lugares, estabelecida sobre suas condições naturais e técnicas, bem como de suas vantagens de ordem política e social. Esta especialização vai ao encontro dos interesses empresariais, respondendo as exigências de segurança e rentabilidade num contexto de crescente competitividade econômica. Há uma procura não só das empresas pelos melhores lugares para se estabelecer, mas também uma procura dos lugares pelos melhores estabelecimentos. De acordo com Lanfant (2004, p. 373), como os fluxos turísticos internacionais são contabilizados como receita, os governos fazem com que os países se engajem numa concorrência feroz para receber, em seus territórios, o máximo de turistas estrangeiros. Desenvolver o turismo, afirma Lanfant, assume um valor de “axioma”, ou seja, de princípio evidente admitido como norma.

No sentido do desenvolvimento do turismo, a ideia ou a imagem que as pessoas fazem dos lugares tem um papel importante na atração de investimentos e consumidores, tanto quanto o sítio ou a posição que apresentam suas localizações geográficas. Por meio de planos de comunicação, produzem-se ideias positivas para os lugares que, reproduzindo imagens simbólicas, reforçam-se (e forjam-se) identidades e, inclusive, criam-se “marcas” para os destinos turísticos, dentro de uma estratégia aplicada ao mercado. Os destinos turísticos são apresentados como lugares ideais para a satisfação das necessidades dos visitantes, bem como para rentabilizar a aplicação de investimentos empresariais.

Sob a égide da produção flexível, a publicidade do turismo volta-se também para estratégias de segmentação, que tem como objetivo alcançar o maior número possível de consumidores, independente da motivação de viagem que estes possam ter. Assim, muitas vezes para um mesmo destino, a publicidade encoraja o consumo de turistas que podem ter motivações diferentes de viagem e, até mesmo, segmenta o mercado com base em pesquisas de mercado sobre perfis psicológicos e culturais dos turistas, sempre com o objetivo de se incrementar as vendas.

6.1 A criação de marcas para as cidades (branding cities)

Os destinos são inventados, tornam-se moda e são consumidos em massa e é, nesse contexto de massificação, que outra estratégia da estética da mercadoria se aplica ao turismo, a criação de “marcas” para os lugares. No turismo, a criação de uma marca pretende que um destino turístico se diferencie dos demais, na tentativa de se tornar um produto exclusivo e, assim, inserir-se de modo particular no mercado turístico. Para Levitt (1980, p.86), as marcas são extensões do produto que pretendem, não só identificá-lo, mas também incorporam a ele um conjunto de valores e atributos intangíveis, que contribuem para motivar a compra da mercadoria.

Segundo HVS International (2005, p. 104), a marca de um destino turístico deve ser facilmente compreendida e refletir uma imagem vislumbrada pelos turistas atuais e potenciais. O desenvolvimento de uma imagem de sucesso, e sua eficiente utilização, requerem pesquisas detalhadas sobre os consumidores, bem como um talento criativo que potencialize a atração que o destino exerce sobre os visitantes. Com base nessas imagens construídas, a marca de um destino “deve ser usada e aceita pelos demais atores do turismo, seja no setor público ou no setor privado”, já que a criação de uma “marca forte” adiciona valor ao destino, preservando-o de uma disputa que parta apenas do atributo “preço” (HVS International, 2005, p. 104) .

“I Love NY” (Nova York) e “I Amsterdam” (Amsterdã), entre muitas outras, são marcas de cidades que buscam o reconhecimento e as associações de respeitabilidade, qualidade, prestígio confiabilidade e inovação, citadas por Harvey (2010, p. 160), principalmente no sentido da irradiação da imagem que a marca bem-sucedida pode promover, como sugeriu Haug (1997, p. 42), sobre os produtos turísticos associados a ela.

Segundo Winfield-Pfefferkorn (2005, p. 32), em 1970, o Estado de Nova York decidiu promover o turismo, em função de uma recessão econômica, contratando a agência Wells, Rich and Greene e o artista gráfico Milton Glaser para desenvolverem uma campanha publicitária. Esta campanha foi acompanhada da criação da marca “I Love New York”, uma das mais bem sucedidas na história das marcas de cidades (branding cities), tanto que ainda hoje a marca é usada para promover Nova York (figura 8).

Figura 8. Logotipo da marca “I Love NY” 40.

Já a cidade de Amsterdã, na Holanda, criou em 2005 a marca 'I Amsterdam', com a finalidade de se distinguir e de se promover internacionalmente, em função do aumento da competição entre as cidades europeias para atrair visitantes desejados, negócios e residentes (fotos 1 e 2). Segundo o website da marca “I Amsterdam”, a campanha visa demonstrar o orgulho, a confiança e a dedicação pela cidade, bem como apresentar suas qualidades empreendedoras, inovativas e criativas, que “têm sido as forças da cidade por séculos, fazendo a distinção em um nível global” 41.

No website da marca I Amsterdam, um vídeo intitulado “Olho em Amsterdã” apresenta, em um primeiro momento, elementos selecionados para caracterizar a cidade, já a distinguindo e a elaborando não apenas como destino turístico, mas também como lugar de negócios e de investimentos: “parque científico”; “multiculturalismo”; “dinamismo”; “lugar de encontro”; “aeroporto e porto”; “design”; “espírito de comércio”; “inovação”. Em seguida, o vídeo apresenta mais sete partes direcionadas a públicos distintos, que mostram algumas imagens e sons característicos da cidade, selecionados para a criação e reforço de imagens selecionadas de Amsterdam: “cidade da água”; “cultura”; “tesouros escondidos”; “cidade de negócios”; “criatividade”; “cidade das pessoas”; “eventos”.

Além de informações de nível simbólico, o website www.iamsterdam.com oferece ao turista o “Iamsterdam card”, um cartão de desconto em meios de transporte, atrações turísticas e restaurantes, que vem acompanhado por um guia de bolso. Segundo Kotler (1998, p. 619), cartões de descontos são utilizados na lógica do “marketing de relacionamento”, um conjunto de técnicas e processos de vendas, comunicação e cuidados

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Fonte: http://chronicles.visualmerc.com/tag/new-york/ em 15/10/2010. 41

com os clientes, que visa identificá-los, individual e nominalmente, no intuito de se criar relações duradouras.

Foto 1. Amsterdã: Museumplein (poses junto ao logotipo I Amsterdam).

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