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TURISMO E ESTÉTICA DA MERCADORIA

3. SOBRE A CRÍTICA DA ESTÉTICA DA MERCADORIA

3.3 A inovação estética (a moda) da mercadoria e a criação dos “artigos de marca”

Segundo Mandel (1985, p. 276), a diferenciação do consumo, e a expansão do consumo de mercadorias, é resultado de uma pressão social, como a da publicidade. Entretanto, salienta Mandel, uma proporção considerável dessas mercadorias é inútil (“o kitsch na sala de visitas”), quando não prejudicial à saúde (“cigarros”). Além disso, a conversão de muitas dos antigos bens de luxo em bens de consumo de massa, geralmente leva a uma queda na qualidade desses bens. De acordo com Mandel (1985, p. 276),

As dificuldades de realização da mais-valia estimulam a tendência crescente dos monopólios em alterar perpetuamente a forma das mercadorias, muitas vezes de maneira absurda do ponto de vista do consumo racional. Nesse contexto, kay fala de uma redução do ‘período de consumo’ das mercadorias que, no caso dos bens de consumo duráveis ou semiduráveis, faz-se acompanhar da deterioração da qualidade.

O embelezamento promovido pela estética da mercadoria geralmente busca compensar diminuições quantitativas e qualitativas do valor de uso, que são empregadas para fazer o objeto durar menos e, assim, exigir novas demandas. De acordo com Lefebvre (1978, p. 106), a obsolescência foi estudada e transformada em técnica, por especialistas que conhecem a esperança de vida das coisas, e representada por médias estatísticas correlacionadas com os custos de produção e os lucros. Escritórios que organizam a produção levam em conta estas estatísticas para reduzir a esperança de vida, acelerando a rotação dos produtos e do capital.

Todavia, os objetos ainda duram muito, levando-se em conta as exigências de valorização do capital, fato que promove o efeito da inovação estética (HAUG, 1997, p. 54), uma técnica pela qual a mercadoria tem periodicamente sua aparência modificada, com o objetivo de diminuir o tempo de uso do objeto e, desse modo, antecipar a demanda. A inovação estética nada mais é do que a “moda”, uma necessidade de mudar que não aparece como redescoberta da personalidade forte, mas como obediência a um novo preconceito criado pelo mercado, que tem como sentido tomar o lugar de um preconceito envelhecido e desacreditado (SANTOS, 2007, p. 49).

No turismo, parece haver certa obsolescência dos lugares, fundada na “predominância adquirida pela administração do consumo nos processos contemporâneos de modernização” (RIBEIRO citada por SILVEIRA, 1997, p. 42). Desse modo, os lugares parecem conter uma data de validade e um calendário de uso, como afirmou Silveira (1997, p. 42):

É a psicosfera, e não a tecnosfera, que determina o momento em que um lugar turístico morre como ponto privilegiado desse universo mágico. Quando os canais da psicosfera, que promoviam um paraíso, deixam de ser percorridos por abundante publicidade, os lugares tornam-se cemitérios técnicos, olvidados pela magia do discurso. Esses pontos são rapidamente substituídos por outros. Daí o risco de vida efêmera dos lugares turísticos e, consequentemente, a guerra dos lugares pelo seu ingresso e, depois sua permanência, nos roteiros globais, em uma palavra, pela sua inserção na atual divisão territorial do trabalho.

Nessa perspectiva, faz sentido, a observação de Lefebvre (1978, p. 107) sobre a “obsolescência da necessidade”, que também deve ser considerada, pois a manipulação dos objetos para torná-los efêmeros acontece também com as motivações, envelhecendo as necessidades para que novas necessidades as substituam. É a “estratégia do desejo”, nos termos de Lefebvre, quando de um lado, contraria-se, opõe-se, implica-se a satisfação, a procura pelo “estado satisfeito”, e de outro a insatisfação, o mal-estar. Para Lefebvre, o consumo devorador, a saturação rápida e o tédio se desencadeiam numa busca de ruptura com o cotidiano que é rapidamente recuperável, como na organização do turismo de uma cidade ou de uma região pitoresca que desaparece sob o afluxo de turistas, consumidores de sua própria presença e acumulação.

O artifício da moda faz com que as coisas fiquem as mesmas, embora parecendo que houve uma transformação, apenas para impor os mesmos produtos, aparentemente novos, aos consumidores. Enquanto objetos iguais, mas esteticamente diferentes vão se sucedendo, os compradores, tocados pela estética da mercadoria, vivenciam a inovação estética como destino inevitável e fascinante. De acordo com Haug (1997, p. 55),

Na inovação estética, as mercadorias deslocam-se em sua manifestação como que por si mesmas mostrando-se como objetos sensíveis-suprassensíveis. O que aparece aqui refletido nas mudanças no invólucro e no corpo da mercadoria é o seu caráter de fetiche na singularização do capitalismo monopolista. A aparência preservada significa que as coisas como tais modificam-se por si mesmas. (...) As gerações de mercadorias diferenciadas esteticamente substituem-se naturalmente, como uma estação à outra.

Santos (2007, p. 50) afirma que outro caráter da moda é a sua “uniformidade”, pois ele faz com que cada consumidor se torne semelhante aos outros, atingindo suas próprias imagens junto com as alterações das gerações de mercadorias. Haug (1997, p. 56) cita a “fetichização da juventude” e a “obrigatoriedade de ser jovem”, como exemplos de padronizações da sensualidade criadas pela inovação estética, pois partes da subcultura da juventude, muitas vezes, fornecem fundamentos para a estética da mercadoria. A maximização da aparência atraente implica em tendências de padronização da sensualidade humana, como acontece com a promoção do “encanto juvenil”, que se encontra frequentemente a serviço da estética da mercadoria. O mundo da mercadoria irradia o encanto juvenil de volta para o público, reforçando uma padronização da sensualidade orientada de acordo com a juventude.

Segundo Ortega y Gasset (2002, p. 358), a juventude vivia preocupada com a madureza, admirava os maiores, recebia deles as normas (em arte, ciência, política, usos e regime de vida), esperava sua aprovação e temia seu enfado, sendo que, só se entregava a si mesma, ao que é peculiar a tal idade, sub-repticiamente e como à margem. Os jovens sentiam sua juventude como uma transgressão do que é devido, objetivamente isso se manifestava no fato de que a vida social não estava organizada para eles, ao contrário, os costumes, os prazeres públicos eram ajustados ao tipo de vida próprio das pessoas maduras e, os jovens, contentavam-se com os restos que lhe deixavam ou lançavam-se a extravagâncias. De acordo com Ortega y Gasset (2002, p, 358),

Até no vestir viam-se forçados a imitar os velhos: as modas estavam inspiradas na convivência da gente maior. As moças sonhavam com o momento em que se vestiriam ‘à vontade’, quer dizer, em que adotariam o traje de suas mães. Em suma, a juventude vivia a serviço da madureza.

A mudança operada nesse ponto é fantástica, afirma Ortega y Gasset, pois a juventude parece dona indiscutível da situação e todos os seus movimentos se fazem saturados de domínio. “Mudaram-se as tornas”, com homens e mulheres maduras vivem aos sobressaltos, com a vaga impressão de que não tem direito a existir, chegando ao ponto de imitar os jovens desde o trajar. Para Ortega y Gasset (2002, p. 359),

As modas atuais estão pensadas para os corpos juvenis, e é tragicômica a situação de pais e mães que se veem obrigados a imitar seus filhos e filhas na indumentária. Os que já andamos na curva descendente da vida vemo-nos na inaudita necessidade de desandar um pouco o caminho percorrido, como se o houvéssemos errado, e fazer-nos (de grado ou não) mais jovens do que somos. Não se trata de fingir uma mocidade que se ausenta de nossa pessoa, mas que o módulo adotado pela vida objetiva é o juvenil e nos força a sua adoção. Como com o vestir, acontece com tudo o resto. Os usos, prazeres, costumes, modos, estão talhados à medida dos efebos.

Haug (1980, p. 115) mostra interesse em dois aspectos da “subcultura” dos jovens: sua “rebelde autoconfiança” e sua “resistência contra a cultura dominante”, tratando particularmente da cultura da juventude que, segundo ele, se presta a interpretação de uma cultura de “insubordinação”. Muitos jovens, afirma Haug, reagem contra a estranha determinação da estética da mercadoria, tentando demonstrar a autodeterminação na forma de se vestir, acaba servindo à apresentação estética da mercadoria. Mais do isso, de acordo com Haug (1997, p. 126),

São os jovens que desenvolvem novas formas e estilos, proporcionando ao capital continuar extraindo o material para renovar a moda e oferecer mercadorias enquanto formas de manifestação da juventude almejada. As mercadorias se oferecem como meio de apresentar a própria aparência de modo que ela estimule, nos outros, o desejo voltado para a juvenilidade, ou pelo menos não se abale com o sinal da velhice.

Como portadora da função de reavivar a procura, a inovação estética torna-se uma instância de poder, de consequências antropológicas, isto é, “ela modifica continuamente a espécie humana em sua organização sensível: em sua organização concreta e em sua vida material, como também no tocante à percepção, à estruturação e à satisfação das necessidades” (HAUG, 1997, p. 57).

Outro efeito da estética da mercadoria, indicado por Haug (1997, p. 37), é a monopolização estética de um valor de uso por meio da criação de uma “marca” para os produtos. Consideradas como parte dos bens das empresas, as palavras se tornam marcas por meio da propaganda, que apreende e privatiza uma palavra do vocabulário e da consciência universal, com o objetivo de fazer dela um nome que caracterize apenas a própria mercadoria. Ainda assim, os aspectos externos de um determinado artigo de marca bem-sucedido podem passar para outras mercadorias, pois os traços estéticos confluem para a imagem que irradia as características de cada mercadoria. Grosso modo, Haug (1997) entende como imagem, “a impressão geral, a vivência geral de todos os objetos, serviços e instalações de uma empresa” (p. 42).

O artigo de marca bem-sucedido irradia sua imagem para outras mercadorias da mesma origem que, assim apresentadas, praticamente deixam de concorrer como valores de uso com as mercadorias correspondentes de outras empresas. A concorrência entre produtos desloca-se consideravelmente para o plano da imagem, o que faz com que sejam as imagens que concorram entre si. Apesar de impregnadas com imagens que as distinguem esteticamente, as mercadorias ainda possuem o seu valor de uso original, mas não cumprem quase nada daquilo que a estética da mercadoria promete. Haug (1997, p. 47) compara a situação do consumidor, que tem seu comportamento determinado pela estética da mercadoria, com a de Tântalo, um rei da mitologia grega que, punido pelos deuses, era

permanentemente ludibriado pelas belas ilusões de suas necessidades, pois ao tentar agarrá-las, elas desapareciam 22.

A composição de uma mercadoria como um artigo de marca emprega formas de comunicação que utilizam meios estéticos para caracterizar um nome, envolvendo-o numa auréola de reconhecimento, ou seja, a marca. Entretanto, a marca e as promessas de valor de uso não precisam necessariamente referir-se às características particulares da mercadoria designada por ela. Para Haug (1997, p. 38), “a característica particular do artigo de marca baseia-se obrigatória e unicamente na sua imagem, que por sua vez torna o fundamento do preço dado pelo monopólio”. Segundo Harvey (2010, p. 259), a publicidade não parte apenas da ideia de informar ou promover no sentido comum, mas volta-se cada vez mais para a manipulação dos desejos e gostos mediante imagens que podem ou não ter relação com o produto a ser vendido. “A imagem se torna importantíssima na concorrência, não somente em torno do reconhecimento da marca, como em termos de diversas associações com esta – respeitabilidade, qualidade, prestígio, confiabilidade e inovação” (HARVEY, 2010, p. 260).

A ideia de criação de uma marca parte da concepção de que um produto torna-se mais valioso, porque é atrelado a um nome reconhecido e a uma promessa da autenticidade. De acordo com Baudrillard (2006, p. 199), a marca é um conceito cardeal da publicidade, que tem como função primeira indicar o produto e como função segunda mobilizar as conotações afetivas. Para ilustrar sua afirmação, Baudrillard apresenta a seguinte citação de Martineau:

Na nossa economia fortemente competitiva, poucos produtos conservam por longo tempo uma superioridade técnica. É preciso lhes dar ressonâncias que os individualizem, dotar-lhes de associações e de imagens, dar-lhes significações em numerosos níveis, se quisermos que se vendam bem e suscitem apegos afetivos expressos pela fidelidade a uma marca.

22 De acordo com Bauman (2003, p. 13), segundo a mitologia grega, Tântalo, que era filho de Zeus e de Plutó, tinha excelentes relações com os deuses, que sempre lhe convidavam para beber e comer em companhia deles em festas no Olimpo. Conta Bauman que, um dia, Tântalo cometeu um crime (cuja natureza é discordante entre vários narradores da história) que os deuses não quiseram ou não puderam perdoar. Os deuses puniram Tântalo mergulhando-o até o pescoço num regato, onde sempre que tentava abaixar a cabeça para saciar a sede, a água desaparecia. Sobre sua cabeça, estavam penduradas frutas, mas quando Tântalo estendia a mão para alcançá-las, um golpe de vento carregava as frutas para longe dele. “Daí que, quando as coisas desaparecem no momento em que nos parecia que as tínhamos, afinal, ao alcance, nos lamentamos por termos sidos ‘tantalizados’ por sua ‘tantalizante’ proximidade” (BAUMAN, 2003, p. 14).

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