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ESTÉTICA DA MERCADORIA, TRABALHO E A PRODUÇÃO DE UM ESPAÇO DO TURISMO NO SUL DA BAHIA

10. DA FORMAÇÃO REGIONAL À PRODUÇÃO DE UMA ZONA TURÍSTICA

10.1 Sul da Bahia: de capitania hereditária à zona do cacau

De acordo com Mello e Silva et al (1987), uma função de “fronteira de recursos”, do território correspondente a atual região de Ilhéus-Itabuna, perdurou até o fim do século 19, quando se consolidou a lavoura cacaueira. Nos primeiros 30 anos de colonização, a porção costeira da região era muito conhecida pelos portugueses, a chamada por Bueno (1999) de a “Costa do Pau-Brasil”, pois era dessa parte do litoral brasileiro que os colonizadores extraíam madeira, diretamente ou arrendando, para comercializar na Europa. Em 1534, com a criação das capitanias hereditárias, uma faixa de terras de 50 léguas de largura, entre o barra do rio Jequiriça, ao norte, e a foz do Jequitinhonha, ao sul, foi doada pelo rei de Portugal, Dom João III, à Jorge Figueiredo Correia (MELLO e SILVA et al, 1987) 69.

Depois de apaziguados os conflitos com os índios tupinambás, nos primeiros anos de colonização, os portugueses investiram na lavoura canavieira e iniciando assim o povoamento da capitania, que chegou a possuir oito engenhos de açúcar, em 1546 (BUENO, 1999). Entretanto, a ocorrência de doenças desconhecidas dos europeus e a resistência de alguns povos indígenas dificultaram o desenvolvimento da cana em Ilhéus. Para Donato (1996, p. 74), depois tornado governador geral do Brasil, em 1557, Mem de Sá entendeu ser

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Fidalgo do “el-rei” e escrivão da sua “Real Fazenda”, o donatário, “em razão de seu ofício, não podendo ir pessoalmente povoá-la, mandou em seu lugar um cavalheiro castelhano chamado Francisco Rameiro, entregando-lhe o controle da Armada, que aprestara com tudo o necessário” (AYRES de CASAL, 1817, p. 226). O preposto Rameiro (ou Romero) primeiro se instalou na Ilha de Tinharé, onde se situa Morro de São Paulo, mas pouco depois, desgostoso com o sítio, veio com os colonos para a baía do então rio dos “Ilhéos” (atual baía do Pontal, do rio Cachoeira), onde fundaram a vila sede da capitania, em 1535, dando-lhe o nome de “São Jorge dos Ilhéus”, uma homenagem ao santo do donatário e às ilhas que se encontram na frente a vila (SOUB, 2005, p. 13).

parte de seu trabalho consolidar o domínio português onde houvesse contestação indígena, movendo rígidas campanhas de guerra no Espírito Santo e na Bahia, em 1558 e 1559 70.

De acordo com Ribeiro (1995, p. 92), quando da chegada de Mem de Sá como governador, a situação era crítica na Bahia, assolada por epidemias e fome, estando os índios rebelados contra os colonos, se negando a plantar, acossados cada vez mais para o interior. Mem de Sá, aconselhado pelos jesuítas, apelou simultaneamente para a guerra contra os índios vizinhos e para a paz do vencedor, ou seja, os missionários a quem entregava os índios vencidos. Segundo Ribeiro (1995, p. 92), nesses tempos, foram agrupados aproximadamente 34 mil índios em onze paróquias sob a direção dos jesuítas, dando origem às missões, povoações que se tornaram vilas, como a de São Miguel da Barra do Rio de Contas, a atual cidade de Itacaré.

Nestas povoações missionárias, a vida indígena era regulada para grupos por sexo e por idade, que tinham tarefas prescritas a cumprir, da madrugada ao anoitecer, em horários assinalados por sinos: hora de trabalhar na roça, na caça, na pesca, na fiação, na tecelagem e, inclusive, com “hora de ler, hora de rezar e hora de ‘fornicar’, porque a população diminuía visivelmente”. (RIBEIRO, 1995, p. 93). Depois de proclamar guerra aos Caetés, desencadeou-se uma “dissídia”, nos termos de Ribeiro, porque os colonos, ao invés de atacar aqueles índios em suas aldeias longínquas, foram caçar os já pacificados que viviam dentro das missões jesuíticas, que se despovoavam rapidamente.

Nessa situação de despovoamento, ocorrem epidemias de varíola (1562-1563) que não atingiam só os portugueses, mas também índios, fazendo com que missões de 12 mil “almas” virem-se, em pouco tempo, reduzidas a mil (RIBEIRO, 1995, p. 93). Dados de José de Anchieta, em sua “Informação dos primeiros aldeamentos”, citados por Ribeiro, registram que a população indígena dos arredores da Bahia, avaliada em 80 mil, se viu reduzida a menos de 10 mil. Para Ribeiro (1995, p. 94),

70 Segundo Ayres de Casal (1817, p. 227), “caindo sobre os povoadores os desalmados aimborés (aimorés?), que mataram muitos, e obrigaram outros a retirar-se da Bahia, tudo andou para trás. Mem de Sá foi pessoalmente socorrer os oprimidos, e fez estrago naquele malfazejo gentio pelos anos de mil quinhentos e sessenta”. Aires de Casal faz referência à “batalha dos nadadores”, ocorrida em Ilhéus, em 1559, quando a esquadra de Mem de Sá, então governador-geral do Brasil, perseguiu os tupiniquins, destruiu aldeias e massacrou os índios na praia do Cururupe (Rio de sangue em tupi-guarani). Manuel Ayres de Casal foi o autor de “Corografia Brazilica” ou “Relação historico-geografica do Reino do Brazil” (1817), um compêndio descritivo que inaugurou a edição de livros no Brasil. Dedicado à D. João VI que trouxe consigo a Imprensa Régia quando da transferência da Corte portuguesa ao Brasil, o livro foi publicado em dois volumes que trazem à relação de cada Província e, para cada uma, referências às vilas nela existentes, com descrições de elementos geográficos (naturais, da formação espacial, das “gentes”, das produções).

Ao tempo de Mem de Sá foi que mais se assanharam as três pragas do homem branco, representadas pelas pestes, pela guerra e pela escravidão, que se abateram mortais sobre os Tupinambá. Ao final, vencidos, seus remanescentes foram compelidos até a pagar tributos na reconstrução de fortalezas ou de engenhos. Um novo inimigo surge aí: os Aimoré e outros Tapuia que, até então contidos pelos Tupinambá, começam a atacar os colonos, despovoando áreas antes prósperas, como Ilhéus.

Segundo Melo e Silva et al (1987), entre 1536 e 1570, ciclos de prosperidade e decadência da economia canavieira se sucederam, mobilizando breves movimentos migratórios de atração e repulsão. As dificuldades econômicas de Ilhéus foram ao encontro das estratégias da Coroa Portuguesa, já que a capitania despovoada tornou-se uma barreira a evasão de ouro pelo norte de Minas Gerais ou pelo sudoeste baiano, quando a mineração foi largamente explorada nos século 17 e 18. As estratégias portuguesas incluiam ainda a proibição do comércio entre as capitanias, pelo receio de evasão de capital, bem como para evitar laços de solidariedade que pudessem ameaçar o poder real (MELLO e SILVA et al, 1987).

Ayres de Casal (1817, p. 227) descreveu a “comarca de Ilhéus”, do início do século 19, como um “país” montuoso, abundante em águas, quase coberto por matas, onde existem diversas madeiras para construção, marcenaria e tinturaria. Além disso, Casal afirmou que, na comarca de Ilhéus, quase não haviam sítios onde não prosperassem a mandioca, o café, o arroz, o milho, a cana-de-açúcar ou o algodão e que, culturas como as do anil e do cacau poderiam ser “lucrosas”. De acordo com Casal (1817), o porto de Ilhéus é “capaz de grandes sumacas, e defendido por alguns fortins. Exporta-se daqui farinha, arroz, café, aguardente, madeira, e algum cacau” (p. 231).

A introdução do cacau (theobroma cacao) aconteceu em meados do século 18, quando sementes trazidas do Pará foram plantadas nas margens do rio Pardo, numa fazenda em Canavieiras (Garcez e Freitas, 1979), município localizado no litoral sul da região. De Canavieiras, o cacau foi levado em 1752 para Ilhéus (VIRGENS FILHO, 1993), e segundo Campos citado por Mello e Silva et al, 1987), por volta de 1799, a sua difusão já alcançara a Barra do Rio de Contas, a atual Itacaré, localizada no norte da região. De acordo com Dean (1996, p. 148),

O cacau era colhido na selva em seu vale nativo amazonense quando Alexandre Rodrigues Ferreira constatou essa prática extremamente trabalhosa. Além do mais, o cacau, cultivado em seu hábitat nativo, era vulnerável a parasitas co-evoluídos. Sua transferência e cultivos, oficialmente estimulados, na floresta litorânea do sul da Bahia nos anos de 1780 podem ser contabilizados como uma conquista do período. Mesmo assim, levaria mais de um século e meio para se tornar produto de exportação significativa.

Antes de haver ferrovias e estradas, as iniciativas do plantio de cacau no interior da região, em geral, eram feitas por pequenos lavradores que se valiam, primeiro do lombo dos burros, e depois dos rios para transportar a produção até um porto na desembocadura dos rios. Dos pequenos portos das antigas vilas coloniais, as amêndoas de cacau eram enviadas para Salvador e, de lá, exportadas para os Estados Unidos e Europa. Em 1834, se inicia o fornecimento regular de amêndoas de cacau para o exterior, estabelecendo a partir de então uma nova fase da economia cacaueira regional, caracterizada pela “ruralização” da produção e da população (MELLO e SILVA et al, 1987, p. 77) 71.

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