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Fotos 8 e 9 Músicos de Rua em Amsterdam, Holanda Fotografias: Ludmila Girardi Alves, julho de 2009.

9. A PRECARIZAÇÃO DO TRABALHO NO TURISMO

9.1 Acumulação flexível, precarização e controle da força de trabalho

O contraste entre as práticas político-econômicas contemporâneas e as do período de expansão do pós-guerra são significativas para, na opinião de Harvey, tornar a hipótese de uma passagem do “Fordismo” ao que poderia ser chamado de regime de “acumulação flexível”. Segundo Harvey (2010, p. 119), a partir de 1973, iniciou-se um período de mudança, de fluidez e de incerteza, que tem como base novos sistemas de produção e de marketing, caracterizados por processos de trabalho e mercados mais flexíveis, de mobilidade geográfica e de rápidas mudanças práticas de consumo. É neste contexto que se encerra a noção contemporânea de “mundialização” ou ainda “globalização” (BENKO, 2002, p. 45), termo que designa a crescente integração de diferentes partes do mundo sob o efeito da aceleração das trocas, do impulso das novas tecnologias da informação e da comunicação e dos meios de transporte 59.

Segundo Santos (1988, p. 5), a internacionalização vem sendo longamente preparada por um projeto de “mundializar” as relações econômicas, sociais e políticas, que começou com a extensão das fronteiras do comércio, no início do século 16, e que avança, por saltos, através dos séculos de expansão capitalista, para ganhar corpo no momento em que se

59 Segundo Benko (2002, p. 45-46), o termo “globalização” foi introduzido por economistas para designar a convergência de mercados do mundo inteiro, tendo se popularizado a noção no campo da análise econômica com a ideia de que a “globalização” seria uma nova etapa no desenvolvimento das multinacionais, uma gestão em escala mundial do conjunto das atividades de uma companhia multinacional (da pesquisa e desenvolvimento até a comercialização passando pela produção). A produção de componentes em vários locais diferentes, e por diferentes empresas, estabelece uma organização mundial em “rede” dos procedimentos operacionais de uma empresa, um tipo de organização que se replica nos processos de integração empresarial aplicada às alianças estratégicas e projetos de cooperação entre redes produtivas transnacionais.

impõe uma nova revolução técnico-científica. De acordo com Lacoste (2003, pp. 3-4), para os teóricos da mundialização (e mais ainda para seus ideólogos), a recente extensão do capitalismo a todos os países, a circulação agora quase instantânea de capitais entre bolsas de valores, centros de negócios e “paraísos fiscais”, a aceleração dos transportes e a circulação de ideias pelo globo, marcarão uma etapa nova e capital no desenvolvimento da humanidade 60. Nesse momento, afirma Santos (1988, p. 5), as relações da sociedade com a natureza passam por uma reviravolta, graças aos formidáveis meios colocados nas mãos do homem, “mudanças qualitativas surpreendentes”, notadamente a possibilidade de tudo conhecer e tudo utilizar em escala planetária.

Questionando-se se essa mundialização é completa, Santos (1988, p. 6) afirma que, apesar das firmas multinacionais criarem burguesias transnacionais por toda a parte, e de existirem instituições de natureza semelhante em todos os países, as classes ainda são definidas territorialmente, assim como as aspirações e o caráter do povo ainda o são em função de heranças históricas. De acordo com Santos, os Estados, cujo número se multiplicou em função das condicionantes históricas, constituem um sistema mundial, mas individualmente eles são, ao mesmo tempo, porta de entrada e barreira para influências exógenas. A ação dos Estados, mesmo autoritária, se assenta em realidades preexistentes e, por isso, jamais induz uma mundialização completa das estruturas mais profundas das nações, mas isto não basta para impedir que se fale de globalização, já que, “hoje, o que não é mundializado é condição de mundialização” (SANTOS, 1988, p. 6).

Uma economia mundial existe há vários séculos, afirma Sassen (1997, p. 11), repetidamente reconstruída no tempo e, em cada fase histórica, consistindo de uma distinta combinação de áreas geográficas, atividades e estruturas institucionais. Entre as mudanças relevantes, ocorridas a partir de meados dos anos 1970, estão o aumento da mobilidade do capital, seja dentro das fronteiras nacionais, seja, particularmente, entre diversas nações (SASSEN, 1997, p. 11). Este último tipo de mobilidade do capital determina formas específicas de articulação entre diferentes áreas geográficas e transformações do papel que

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Segundo Lacoste (2003, p. 4), a mundialização é também uma maneira ocidental de se representar o mundo e que, americanos e europeus, estimam que ela é agora e já efetivamente mundial. Para Lacoste, o conjunto de fenômenos que a caracterizam (que não são somente econômicos, mas também políticos e culturais) engloba cerca de metade da população mundial e, por isso, seria possível chamar o “mundo chinês”, o “mundo indu” e o “mundo muçulmano”, pois o termo “mundo” implica a ideia de número, mas também de singularidade cultural. É por conta de singularidades culturais que esses mundos se encontram, segundo Lacoste, em posição de resistir à difusão desta hegemonia cultural ocidental, que está diretamente ligada a mundialização.

estas áreas ocupam na economia mundial 61. Para Castells (2007, p. 142), uma “economia mundial” dá passagem para uma “economia global”, no final do século 20, em função da “capacidade de funcionamento como uma unidade em tempo real, e em escala planetária”, possível por meio da nova infraestrutura de tecnologia da informação e comunicação.

Entretanto, Castells (2007, p. 142) chama a atenção para o fato de que nem todos os elementos e processos do atual sistema econômico são realmente, ou inteiramente, “globais”. Para Castells, o “capital seria de certo modo global”, na medida em que ele pode ser gerenciado 24 horas por dia em mercados financeiros globalmente integrados, enquanto que o trabalho seria global apenas para um pequeno e crescente segmento de profissionais especializados e cientistas, que poderiam ser recrutados em qualquer lugar do mundo. Crescente, mas, de todo modo insignificante, perto da grande massa de trabalhadores dos chãos das fábricas do mundo subdesenvolvido, para onde foram exportados os processos produtivos, por causa da vantagem competitiva que oferece em termos de preço da mão-de- obra, legislações trabalhistas e ambientais menos severas, incentivos e subsídios de governos locais, etc.

A economia global é fruto da expansão do sistema econômico capitalista que se apropria dos avanços da tecnologia de informação e comunicação, para formar e explorar mercados de trabalho e de consumo em todo o mundo. Atrelada a um resgate do liberalismo na economia, a globalização do espaço econômico propõe a abertura de mercados, buscando um aumento do consumo de mercadorias e serviços que possibilite a reprodução ampliada do capital. O controle da informação, possível pelo controle dos centros de pesquisa e pelo amplo acesso à ciência e tecnologia, estabelece a concentração da direção política e econômica dos processos globais nas grandes cidades do mundo desenvolvido. Comandada a partir das grandes cidades, a mundialização da produção é uma estratégia das empresas que buscam, na localização geográfica, vantagens comparativas na competição pelos mercados de consumo. Segundo Mészáros (2002, p. 96-98), as oportunidades de vida, dos indivíduos sob o sistema do

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A noção de economia global está, segundo Sassen (1997, p. 10), enraizada profundamente no âmbito da política e da mídia em todo o mundo. As suas imagens dominantes (“a transferência instantânea de dinheiro de um ponto a outro da Terra, a economia da informação, a neutralização da distância por meio da telemática”) são representações parciais e, portanto, de acordo com Sassen, inadequadas para expressar o real significado que globalização e expansão da economia da informação têm para as cidades. Faltam deste modelo abstrato, diz Sassen (1997, p. 11), os processos materiais concretos, as atividades e a infraestrutura que são essenciais para a realização da globalização.

capital, são determinadas segundo o lugar, em que os grupos sociais a que pertençam, estejam situados na estrutura hierárquica de comando do capital 62.

A estrutura empresarial é disseminada por territórios em todo o globo na forma de redes, que tem geometria dinâmica na estrutura e em cada unidade produtiva individualmente. Com as potencialidades da técnica, num contexto de mundialização, há uma reorganização permanente do espaço econômico mundial, pautada por comandos centralizados e operações descentralizadas. Os centros, na escala global, concentram o capital, a pesquisa e o comando das operações que são efetuadas na escala local. A descentralização produtiva está no contexto das estratégias de sobrevivência empresarial e capitalista, sobretudo entre 1973 e 1975, em uma situação de deflação (VASAPOLLO, 2004, p. 17) 63.

Thomaz Júnior (2004, p. 9) afirma que, se recuarmos à década de 1970, podemos melhor precisar a crise estrutural do capitalismo que marcou, no cenário internacional, uma relativa estagnação econômica, abarcando primeiro o então núcleo do sistema (Estados Unidos, Japão e Europa Ocidental), mais a China e os emergentes países do sudeste asiático. Esta crise se caracterizou, segundo Thomaz Júnior, por baixas taxas de crescimento, quedas nos investimentos e estagnação de amplas porções da periferia do planeta, especialmente, por conta da crise das dívidas externas, o que foi decisivo para a não integração, nesse primeiro momento, dessa porção do planeta ao chamado processo de globalização. Thomaz Júnior (2004,

62 Para Mészáros, o capital é uma “forma incomensurável de controle sociometabólico”, uma estrutura “totalizadora” de controle à qual tudo, inclusive os seres humanos, deve se ajustar, e assim provar sua “viabilidade produtiva”, ou perecer, caso não consiga se adaptar. De acordo com Mészáros (2002, p. 97-98), esta característica de controle totalizador torna dinâmico o sistema, entretanto, o preço a ser pago por esse incomensurável dinamismo é, “paradoxalmente”, a perda de controle sobre os processos de tomada de decisão. Perda de controle óbvia para os trabalhadores, mas também para os capitalistas mais ricos, pois, não importa quantas ações controladoras eles possuam na companhia ou nas companhias de que legalmente são donos como indivíduos particulares, seu poder de controle no conjunto do sistema absoluto do capital é absolutamente insignificante.

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De acordo com Vasapollo, a deflação, ocorrida entre os anos 1973 e 1975, é consequência da crise desencadeada pela perda de importância da união entre o sistema produtivo “fordista” e os modelos “keynesianos” de ação do Estado, que agia num contexto geral de mediação, regulação e compreensão do conflito social. “Desde então, iniciaram-se as inovações nas formas de organização das indústrias, a intensificação da inovação tecnológica e dos modelos de automação, os processos de descentralização produtiva, os grandes planos de aquisição e de fusão empresarial para acelerar o tempo de rotação do capital” (VASAPOLLO, 2004, p. 18). A “crise fordista” foi identificada por uma “inflexibilidade” dos investimentos e da inovação tecnológica, por uma rigidez dos mercados de monopolização e de consumo. O deslocamento da indústria fordista para novos mercados, especialmente o do sudeste asiático, aumentou a competição internacional principalmente com os Estados Unidos. “Em 1973, o primeiro choque petrolífero e as políticas de controle da inflação prenunciam as dificuldades financeiras e um excedente da capacidade produtiva, deixando em crise nos países do capitalismo avançado, os processos de acumulação capitalista do Fordismo” (VASAPOLLO, 2004, p. 18).

p. 9) explica que, num cenário de crise prolongada, o capital engendrou um conjunto de modificações estruturais com impactos que, nos dias de hoje, atingem frontalmente o processo de trabalho e a organização do trabalho, de forma diferenciada tanto em profundidade quanto em magnitude, países, regiões, atividades econômicas, setores e empresas, etc. 64.

De acordo com Andrade (1997, p. 18), o que caracteriza os primeiros anos do século 21 (iniciado nos anos 1990, com a queda do Muro de Berlin), é o agravamento da questão social, provocado pela preocupação, hoje primordial, com o aumento do lucro das empresas e com a minimização dos direitos sociais, criando ou intensificando o desemprego. Em posição monopolista, o capitalismo passou a exercer o controle de todo o espaço terrestre, bem como a procurar maximizar a exploração de recursos e da mão-de-obra, dentro de uma doutrinação midiática, feita com o máximo de tecnologia, sobre a “necessidade” de mundializar ou globalizar a economia (ANDRADE, 1997, p. 20). Com o “globalismo”, nos termos de Andrade (1997), ou o domínio da globalização, os capitais internacionais tendem a concentrar sua ação em regiões de mais rápido retorno aos investimentos, notadamente onde possam explorar a mão-de-obra sem garantir a permanência de trabalhadores no emprego ou, mesmo, o apoio e assistência depois de uma demissão.

Thomaz Júnior (2002, p. 7) aponta o incremento de inúmeras formas de “subproletarização” (decorrentes do trabalho parcial, temporário, domiciliar, precário, subcontratado, “terceirizado”) e a intensificação da superexploração do trabalho (através da extensão da jornada de trabalho), entre algumas das repercussões da reestruturação produtiva sobre o trabalho. Em tempos de acumulação flexível, segundo Harvey (2010), a estratégia da mais-valia absoluta, descrita por Marx é redefinida no sentido da “extensão da jornada de trabalho com relação ao salário necessário para garantir a reprodução da classe trabalhadora num dado padrão de vida” (p. 174). De acordo com Dortier (2009, p. 33), a fragilidade dos empregos é uma tendência massiva, já que o desemprego, o emprego

64 Segundo Vasapollo (2005, p. 17), encontramo-nos em um período de transição: do período da produção (do consumo maciço de sistemas de produção) ao período da distribuição flexível. Para Vasapollo, o desenvolvimento da comunicação e da linguagem, no âmbito da produção, é a expressão da mudança econômica e produtiva contemporânea que implica também em mudanças culturais, intelectuais e políticas, inclusive, nos padrões de vida a partir das relações de conflito entre capital e trabalho. Nesse quadro podem ser interpretadas as características principais do pós-fordismo, concentrado no paradigma da acumulação flexível: “especialização flexível, volatilidade dos mercados, redução substancial da função reguladora do Estado-Nação e individualização das relações trabalhistas” (VASAPOLLO, 2004, p.21).

temporário e a flexibilidade fazem com que o trabalho seja cada vez mais incerto, rompendo o ciclo precedente de uma época de estabilização e segurança da mão-de-obra 65.

Para Antunes e Silva (2004, p. 10), uma dupla e aparentemente paradoxal transformação contemporânea do trabalho atinge os seus conteúdos e as formas de emprego, em um processo duplo que corre em sentidos opostos. De um lado, há uma exigência de “estabilização”, de incorporação dos sujeitos no processo de trabalho por meio de atividades que requerem autonomia, iniciativa, responsabilidade e comunicação. Por outro lado, verifica-se um processo de “instabilização”, com a precarização dos vínculos empregatícios e a flexibilidade no uso da força de trabalho. De acordo com Castells (2007, pp. 330-331), tendências para a “flexibilidade”, motivadas pela concorrência e impulsionadas pela tecnologia, fundamentam a atual transformação dos esquemas de trabalho.

Castells (2007, p.331) apresenta alguns elementos dessa transformação diferenciados por Matin Carnoy, tais como: “jornada de trabalho flexível” (significa que o trabalho não se restringe ao modelo tradicional de 35-40 horas por semana em expediente integral) ou a “instabilidade no emprego” (trabalho flexível é regido por tarefas, não incluindo compromissos com a permanência futura no emprego). Vasapollo (2005, p. 28) afirma que a flexibilização pode ser entendida como a liberdade, por parte da empresa, para despedir uma parte de seus funcionários ou ainda de reduzir o horário de trabalho, bem como recorrer a mais horas de trabalho, repetidamente e sem aviso prévio. Além disso, continua Vasapollo, a flexibilidade também diz respeito à faculdade, por parte da empresa, de pagar salários mais baixos do que a paridade de trabalho, de subdividir a jornada de trabalho em dias e semanas de sua conveniência, de destinar parte de sua atividade a empresas externas e, até mesmo, contratar trabalhadores temporariamente.

A flexibilidade faz parte das transformações contemporâneas no mundo do trabalho que dão origem, segundo Tavares (2004, p. 148), a uma “nova informalidade”, que não elimina o sistema de assalariamento nem antigas formas de trabalho. Essa nova

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Segundo Dortier (2009, p. 33), a entrada na vida ativa acontece mais tarde do que antes, pontuada por diversas experiências de estágio, de trabalho temporário e de pequenos empregos. “O percurso profissional se anuncia mais caótico”, pois, para muitos, a vida no trabalho será feita de alternância entre períodos de atividade e inatividade (desemprego, formação, etc.). “A ideia de um plano de carreira parece obsoleta”. A fragilidade da ligação entre o indivíduo e seu emprego é, em parte, um fato ligado ao desemprego e as políticas de flexibilidade, mas resulta também de um conflito crescente entre as expectativas individuais e a realidade do emprego. Para Dortier, as causas são múltiplas: distorção entre as responsabilidades e a ausência de reconhecimento (em termos de status e de salário), intensificação do trabalho e aumento do estresse em quase todas as categorias de emprego, distanciamento entre o nível de formação e o emprego ocupado, etc.

informalidade, anunciada por Tavares (2004), diz respeito ao artifício da subcontratação de pequenas empresas, às vezes configurada por um único indivíduo e sua família, “para com isso ocultar a relação entre capital e trabalho, e na generalização mistificadora de que todo indivíduo pode se tornar um capitalista pelo seu próprio esforço, pelo seu trabalho” (p. 149).

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