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ESTÉTICA DA MERCADORIA, TRABALHO E A PRODUÇÃO DE UM ESPAÇO DO TURISMO NO SUL DA BAHIA

10. DA FORMAÇÃO REGIONAL À PRODUÇÃO DE UMA ZONA TURÍSTICA

10.3 Costa do cacau: de região produtora à zona turística

É no contexto da recente decadência da economia cacaueira, de muito menos emprego nas fazendas e de incremento da urbanização, que o turismo chega à microrregião de Ilhéus-Itabuna, de modo notável a partir dos anos 1990, como uma política pública de desenvolvimento econômico. Legitimado por uma espécie de governança, que envolve o poder público em suas três esferas, a iniciativa privada, comunidades locais e Organizações Não Governamentais (ONGs), o PRODETUR I se propôs como “instrumento de intervenção governamental de caráter multisetorial que busca convergir ações nas áreas de infraestrutura pública, promoção e educação para o turismo nas regiões prioritárias” (BAHIA, 2005, p. 42).

O PRODETUR foi criado na Bahia, em 1991, reproduzindo as diretrizes neoliberais do Plano Nacional de Turismo (PLANTUR), ou seja, disciplinar a atividade econômica do turismo tanto no setor privado, com subsídios ao planejamento e a execução, quanto no público, por meio da remodelação dos produtos turísticos visando uma diversificação da oferta. As ações do governo estadual na atividade turística foram reforçadas a partir da efetivação e da integração da Bahia no PRODETUR/NE, em 1995. De acordo com Chiapetti (2009, p. 141), foi nesse momento que o investimento em infraestrutura pôs à disposição de investidores privados, um território instrumentalizado para uso de grandes empresas turísticas. Além da melhoria das vias de circulação (estradas, aeroportos), o Estado promoveu uma normatização ambiental, garantindo a natureza ‘protegida’ e recuperando o patrimônio histórico.

Na primeira metade da década de 1990, enquanto os investimentos em infraestrutura se concentraram em Salvador, no litoral Norte e em Porto Seguro, as ações do estado promoveram a criação de uma política ambiental que criou inúmeras unidades de conservação de uso sustentável, bem como implantou um marketing para vender a Bahia como mercadoria do turismo. De acordo com BAHIA (2005, p. 45), a estratégia original do programa se fundamenta em quatro vertentes, “principais e complementares, quais sejam: infraestrutura turística, proteção ambiental, marketing turístico e educação para o turismo”. À estratégia original do PRODETUR I, foram incorporadas as políticas de preservação, resgate e proteção do patrimônio cultural do Estado. “Considerada patrimônio da Bahia e de sua gente e uma força vigorosa capaz de promover o Estado,

nacional e internacionalmente, a cultura tem sido vista como instrumento de diferenciação da oferta turística baiana” (BAHIA, 2005. p. 45).

Para diferenciar a “oferta turística”, a cultura se junta à natureza para definir o “potencial turístico de cada região”, matéria para a produção estética da mercadoria do turismo na Bahia 75. Para as políticas do PRODETUR, é possível fazer de um subespaço litorâneo da região cacaueira uma “zona turística prioritária”, atribuindo-lhe uma identidade pitoresca, a “Costa do Cacau”, que abrangeria o litoral de Canavieiras, Una, Ilhéus, Uruçuca e Itacaré, além da cidade de Itabuna 76. A zona turística tem Ilhéus (por via aérea), Itabuna e Itacaré (por via terrestre) como portas de entrada, para turistas que possam consumir o litoral por meio da rodovia BA-001. Segundo o PRODETUR I, o conjunto de atrativos e diferenciais dos municípios da Costa do Cacau sugere o desenvolvimento de cinco categorias de turismo: o ecoturismo (vinculado ou não a esportes de aventura), o turismo de lazer em resorts, o turismo de pesca, o turismo histórico-cultural e o turismo de negócios, congressos e eventos para o eixo Ilhéus-Itabuna.

O governo do Estado vende o produto turístico “Costa do Cacau”, se apropriando das propriedades do espaço regional, com o objetivo de criar interesse nos turistas e agregar valor à mercadoria do turismo na Bahia. Segundo a publicidade do “Governo da Bahia – terra de todos nós”, estampada em um roteiro turístico publicado pela SETUR-BA, “a Costa do cacau já inspirou muitos romances” e que “com certeza, depois de viver a Bahia na costa do cacau, não vão faltar motivos para você escrever o seu livro também” (figura 14). O texto

75 O PRODETUR I da Bahia primeiro foi desenvolvido, e coordenado pela BAHIATURSA (Empresa de Turismo da Bahia), com a participação da Secretaria do Planejamento orientando as ações culturais. A partir de 1995, a gestão do PRODETUR I foi assumida pela recém-criada Secretaria da Cultura e Turismo do Estado (SCT), supervisionada pela Superintendência de Desenvolvimento do Turismo (SUDETUR), esta a executora estadual por força do contrato dos financiamentos com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Banco do Nordeste (BNB). As ações culturais foram criadas pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC), pela Fundação Cultural do Estado da Bahia (FUNCEB) e pela Fundação Pedro Calmon – Centro de Memória e Arquivo Público da Bahia (FPC), sob a supervisão da Superintendência de Cultura.

76 Belmonte, apesar de município da região cacaueira, foi incluído pelo PRODETUR I na “Costa do Descobrimento”, em função do acesso pelos municípios vizinhos do sul, notadamente Porto Seguro, que polariza essa zona turística. Além da Costa do Cacau e da Costa do Descobrimento, o PRODETUR I elegeu outras cinco regiões prioritárias para serem objetos de políticas do turismo: Costa dos Coqueiros, Baía de Todos os Santos (incluindo Salvador), Costa do Dendê, Costa das Baleias e Chapada Diamantina. Já sob as políticas do PRODETUR II, quatro novas zonas turísticas foram criadas: Caminhos do Oeste, Lagos do São Francisco, Vale do Jiquiriçá e Caminhos do Sertão. No anexo C desta tese, apresento uma figura representativa da distribuição espacial das zonas turísticas da Bahia definidas pelo PRODETUR II.

evoca os livros de Jorge Amado ambientados na região, alguns publicados em diversos países e adaptados para televisão e cinema, como “Gabriela, cravo e canela” 77.

Figura 14. Reprodução da capa e da contracapa do roteiro turístico Costa do Cacau.

Fonte: Revista roteiro turístico Costa do Cacau (Costa do Cacau Comunicação e Assessoria Ltda).

Da fama internacional de Jorge Amado, das florestas pseudo-sustentáveis do cacau, da cultura e da natureza regional, se apropria o turismo para vender a mercadoria “turismo na costa do cacau”. Fragmentos do texto da contracapa do roteiro turístico sugerem o que fazer, o que visitar e o que pensar enquanto se viaja pelo Sul da Bahia: O “mar de ondas perfeitas para o surf ou para a pesca do marlim azul”; “cidades que inspiraram romances de Jorge Amado”; “esta é a costa do cacau, um dos mais encantadores destinos da Bahia”.

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Nascido em Ferradas, distrito de Itabuna, registrado em Ilhéus e criado na zona do cacau, Jorge Amado escreveu muita ficção de fundo histórico, tendo como ambiente a região Sul da Bahia. Em “Terras do Sem Fim”, de 1942, por exemplo, Jorge Amado conta a história da formação regional, do desbravamento das florestas ao surgimento de cidades, em meio a uma disputa pela “mata de Sequeiro Grande” (na atual Itajuípe). Travada por coronéis nos primeiros anos do século 20, a estória conta como os fazendeiros da época conquistaram sua riqueza, quase sempre por meio do desbravamento pioneiro das florestas, violência e roubo de terras.

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