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15.3.1 CONCEPÇÕES, CARACTERÍSTICAS E DISTINÇÕES

A coisa julgada é um instituto do direito processual que tem estreita ligação com a segurança jurídica. Trata-se de uma garantia constitucional prevista expressamente no art. 5º, inc. XXXVI, da Constituição Federal.

Há três principais concepções para definir coisa julgada:77

1ª) coisa julgada é um efeito da sentença (do elemento declaratório, sendo que apenas ele faria coisa julgada). É defendida por Pontes de Miranda, Ovídio Baptista e Araken de Assis, dentre outros.

2ª) coisa julgada é a imutabilidade dos efeitos da sentença. São partidários desse entendimento Liebman e a maior parte da doutrina tradicional brasileira, como Cândido Rangel Dinamarco, Ada Pellegrini Grinover, Moacyr Amaral Santos, Tereza Arruda Alvim Wambier, José Miguel Garcia Medina, dentre outros.

3ª) coisa julgada é uma qualidade do conteúdo da sentença. É a corrente defendida por José Carlos Barbosa Moreria, Fredie Didier Jr., Rafael Oliveira, Paula Sarno Braga, dentre outros.

A par dessas concepções, a coisa julgada representa a indiscutibilidade da nova situação jurídica criada pela sentença, decorrente da inviabilidade recursal. A coisa julgada é um instituto jurídico criado para concretizar a segurança jurídica, impedindo que as causas sejam rediscutidas indefinidamente. É, inclusive, um direito oponível contra o Estado.

A coisa julgada não se confunde com a sua eficácia nem com a sua autoridade.

A autoridade representa a imposição, perante todos,de um ato de império do Estado. A autoridade da coisa julgada é justificada por dois fundamentos: a) um de natureza política ou filosófica, que representa uma opção, feita pelo Estado, de que, a partir de determinado momento, a sentença deverá se tornar indiscutível, conferindo-se estabilidade a determinada relação jurídica posta à apreciação do Poder Judiciário; b) o outro fundamento é de natureza jurídica, segundo o qual a sentença vincula as partes não porque é expressão da verdade ou da justiça – embora deva sê-lo ‒, mas porque o legislador atribui à sentença transitada em julgado o caráter de escolha definitiva e vinculativa.78

A eficácia é, por sua vez, a qualidade do que é eficaz. A eficácia é a capacidade da sentença de produzir efeitos, através de seus comandos.79

15.3.2 CLASSIFICAÇÃO: COISA JULGADA FORMAL E COISA

JULGADA MATERIAL

A coisa julgada é classificada em coisa julgada formal e coisa julgada material.

A coisa julgada formal torna a sentença indiscutível no processo em que foi proferida. Ocorre coisa julgada formal quando não cabe mais recurso. Trata-se de um fenômeno endoprocessual, isto é, produz efeitos apenas dentro de determinado processo.

A ocorrência de coisa julgada material impede que se discuta aquela demanda julgada tanto no processo em que foi proferida a sentença como também em todo e qualquer processo. Por isso, diz-se que a coisa julgada material produz efeitos endo e panprocessuais.

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Essa divergência de concepções está bem exposta na obra: DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito

Processual Civil: direito probatório, decisão judicial, cumprimento e liquidação da sentença e coisa julgada. v. 2. Salvador : Jus Podivm,

2007. p. 482-486.

78 PORTO, Sérgio Gilberto. Coisa julgada civil. 3. ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2006. p. 53.

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A coisa julgada formal é um requisito para a coisa julgada material. Por isso, dizer-se que são degraus do mesmo fenômeno.

A sentença terminativa – a que extingue o processo sem resolução do mérito – faz apenas coisa julgada formal. Assim, projeta efeitos somente para dentro do processo (efeitos endoprocessuais).

A sentença definitiva – a que resolve o mérito – faz coisa julgada material. Por conseguinte, projeta seus efeitos para fora do processo (efeitos panprocessuais).

Para fazer coisa julgada material, é preciso que estejam presentes quatro requisitos: a) que se trate de decisão judicial;

b) tenha ocorrido coisa julgada formal;

c) a decisão seja de mérito (sentença definitiva);

d) a decisão tenha sido proferida em cognição exauriente.

Assim, por exemplo, a tutela antecipada e a tutela cautelar não fazem coisa julgada, pois são tutelas provisórias, marcadas pela precariedade e provisoriedade, proferidas com base em juízo de cognição sumária.

15.3.3 EFEITOS DA COISA JULGADA

A coisa julgada produz efeitos positivos, negativos e preclusivos (eficácia preclusiva).

O efeito positivo vincula a decisão pretendida à outra já proferida. Vale dizer, quando ocorre a coisa julgada da sentença e esta é utilizada em outro pleito, a nova sentença que decidir esse segundo pleito deverá respeitar a coisa julgada. Por exemplo, a sentença de uma ação de alimentos terá de respeitar a coisa julgada produzida na ação investigatória de paternidade.

O efeito negativo se caracteriza como uma vedação, um impedimento de que seja proferida uma nova decisão ou rediscutido aquilo que já foi decidido.

O efeito preclusivo (ou eficácia preclusiva) impõe que, se as partes não deduzirem as alegações no momento próprio e a decisão final fizer coisa julgada material, tais alegações não poderão mais ser levantadas para modificar essa decisão. Com efeito, o art. 508 do Novo CPC prevê que “transitada em

julgado a decisão de mérito, considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do pedido”.

Assim, transitada em julgado a sentença, a parte vencida não poderá ajuizar nova ação ou se opor em impugnação ao cumprimento de sentença para alegar questões que poderia ter alegado, mas não o fez.

Por exemplo, se transitou em julgado a sentença que julgou procedente o pedido de repetição de indébito, o réu não poderá ajuizar nova ação ou apresentar impugnação ao cumprimento de sentença para alegar prescrição, a fim de se eximir de cumprir aquela sentença.80

Somente poderá fazer o mesmo pedido, se houver alegações que embasem outra causa de pedir.

15.3.4 LIMITES OBJETIVOS E SUBJETIVOS DA COISA JULGADA

A coisa julgada possui limites objetivos e subjetivos.

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15.3.4.1 LIMITES OBJETIVOS

Em razão dos limites objetivos impostos à coisa julgada, somente o dispositivo transita em julgado. Isto é, a fundamentação não transita em julgado.

Com efeito, o art. 504 do Novo CPC dispõe que não fazem coisa julgada “I - os motivos, ainda que

importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença; Il - a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença”.

Vale apontar uma importante alteração trazida pelo Novo Código em relação Código de 1973. Neste, o art. 469 trazia ainda um terceiro inciso, que afirmava não fazer coisa julgada a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentalmente no processo. Como já se estudou em tópico anterior, o Novo CPC passou a estabelecer, no art. 503, § 1º, que a questão prejudicial decidida de forma incidental passa a fazer coisa julgada, desde que (i) da resolução dessa questão prejudicial depender o julgamento do mérito; (ii) a seu espeito tiver havido contraditório prévio e efetivo, não se aplicando no caso de revelia; e (iii) o juízo tiver competência em razão da matéria e da pessoa para resolvê-la como questão principal. Vale lembrar que essa possibilidade só era cabível antes com a apresentação ação declaratória incidental, não mais existente no novo diploma processual.

15.3.4.2 LIMITES SUBJETIVOS DA COISA JULGADA

Segundo os limites subjetivos da coisa julgada, a sentença faz coisa julgada apenas inter partes. Todavia, a sentença também atinge os seus sucessores.

No caso das ações coletivas, a coisa julgada pode também ser ultra partes ou erga omnes. Quando a ação coletiva versar sobre direito difuso ou direito individual homogêneo, a sentença fará coisa julgada erga omnes.

De outro lado, quando a ação coletiva veicular direito coletivo em sentido estrito, a sentença fará coisa julgada ultra partes, limitadamente à categoria, grupo ou classe.

A coisa julgada nas ações coletivas será estudada de forma aprofundada no item Ação Civil Pública.

15.3.5 MODOS DE PRODUÇÃO DE COISA JULGADA: PRO ET

CONTRA, SECUNDUM EVENTUM LITIS E SECUNDUMEVENTUM

PROBATIONIS

A coisa julgada pode produzir efeitos pro et contra, secundum eventum litis ou secundum

eventum probationis.

A coisa julgada pro et contra é a regra. Ocorre a coisa julgada independentemente do resultado da ação, isto é, sendo a ação procedente, parcialmente procedente ou improcedente. Está presente nas ações individuais comuns.

A coisa julgada secundum eventum litis é a que, diante de determinadas peculiaridades do direito veiculado, somente ocorre (a coisa julgada) nos casos de procedência. É o caso, por exemplo, da coisa julgada nas ações coletivas que versem sobre direitos individuais homogêneos (art. 103, § 3º, Código de Defesa do Consumidor).

A coisa julgada secundum eventum probationis é aquela que somente ocorre se houver exaurimento de prova. Assim, a improcedência por falta de provas não faz coisa julgada. É o caso, por

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exemplo, da coisa julgada nas ações coletivas que versam sobre direitos difusos e coletivos em sentido estrito (art. 103, I e II, CDC).

15.3.6 RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA

O ordenamento jurídico brasileiro prevê expressamente a possiblidade de relativização da coisa julgada em algumas hipóteses legalmente definidas.

O art. 966 do Novo CPC disciplina que a coisa julgada pode ser desconstituída pela via da ação rescisória, em hipóteses excepcionais, que expressamente elenca.

O art. 525, § 12º, e o art. 535, § 5º, do Novo CPC, estabelecem a inexigibilidade de sentença fundada em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo STF, no controle concentrado ou difuso. Assim, observa-se que tais dispositivos atribuíram à impugnação ao cumprimento de sentença e aos embargos à execução força rescisória das sentenças inconstitucionais que estão sendo executadas.81 Assim, a sentença inconstitucional (ou coisa julgada inconstitucional) é ineficaz, podendo ser objeto de impugnação ao cumprimento de sentença ou de embargos.

De outro lado, há divergência sobre a possibilidade de relativizar a coisa julgada fora dessas hipóteses.

Alguns autores passaram a admitir a relativização da coisa julgada, diante de uma injustiça manifesta, considerando a ponderação entre os direitos fundamentais em jogo.

No entanto, existe ampla divergência doutrinária a respeito, havendo duas correntes bem definidas:82

1ª corrente) É possível a relativização da coisa julgada. São defensores dessa corrente Cândido Rangel Dinamarco, Humberto Theodoro Jr., dentre outros.

2ª corrente) A relativização da coisa julgada não pode ocorrer enquanto não houver uma redefinição da ação rescisória no plano legislativo. São partidários desse entendimento José Carlos Barbosa Moreira, Gisele Góes, Nelson Nery Jr., Ovídio A. Baptista da Silva, Luiz Guilherme Marinoni, dentre outros.

Segundo a jurisprudência majoritária dos tribunais pátrios, tem que se relativizar a coisa julgada nas ações investigatórias de paternidade, quando, na época do julgamento, não havia exame de DNA.83

O Supremo Tribunal Federal entende que é possível relativizar a coisa julgada no caso de ação investigatória de paternidade em que não foi realizado o exame de DNA, mesmo que, na época da ação, já fosse possível a realização desse exame.84

15.3.7 COISA JULGADA NAS SENTENÇAS DETERMINATIVAS

As relações jurídicas continuativas são aquelas que dizem respeito a obrigações que se protraem no tempo.

81

STJ, REsp 1265409/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/02/2012, DJe 14/02/2012.

82 Essas duas correntes doutrinárias estão bem expostas na obra: DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de

Direito Processual Civil: direito probatório, decisão judicial, cumprimento e liquidação da sentença e coisa julgada. v. 2. Salvador : Jus

Podivm, 2007. p. 507. Para aprofundar sobre o tema, é imprescindível a consulta ao seguinte livro específico sobre a temática: DIDIER JR., Fredie (Org.). Relativização da coisa julgada: enfoque jurídico. Salvador : Jus podivm, 2004.

83

TJDFT, Acórdão n. 538401, 20110020101768AGI, Relator CARMELITA BRASIL, 2ª Turma Cível, julgado em 28/09/2011, DJ 30/09/2011 p. 122.

84 STF, RE 363889, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 02/06/2011, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO

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