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entrevista concedida à autora, em 28 de dezembro de 2000 74 supra, p 139-140.

No documento Casanova - República Mundial das Letras (páginas 98-101)

O prêmio do universal

73. entrevista concedida à autora, em 28 de dezembro de 2000 74 supra, p 139-140.

75. Gao Xingjian, 1995. [Ed. bras.: A montanhadaalma.

característica de uma história e de um meio chinês contemporâneo, o comitê do prêmio Nobel privilegiou uma obra verdadeiramente au- tônoma que, embora tendo integrado as normas da modemidade lite- rária (inevitavelmente ocidental, tendo em vista a configuração da correlação de forças literárias hoje em dia), trabalha para reelaborar, na própria língua chinesa, as formas de uma outra literatura chinesa. Por isso não se pode dizer de forma alguma que se trata, por parte do comitê, de uma escolha política ou diplomática, mas, pelo contrário, de uma decisão verdadeiramente livre, literária, e literariamente co- rajosa.

Todos esses critérios não se sucedem nem se revezam realmente no tempo. Podem coexistir, evoluir aos poucos, voltar com forçaquando se acreditava que estivessem afastados, no momento de defender uma obra particular. A primeira definição do universal impõe-se a partir de 1945, no momento em que a Academia exibe sua ambição de fazer figurar no quadro de honra os "pioneiros da arte literária". Derruba-se o critério do grande público para instaurar um critério autônomo e inaugurar uma espécie de panteão da vanguarda ou dos "clássicos do futuro". Começa então a magisiral atividade crítica dos jurados do Nobel. Tudo ocorre de fato como se, após uma reflexão sobre a inovação em matéria literária, a universalidade decretada e sustentada pelos suecos se construísse contra a conservadora das academias nacionais e contra as con- cepções mais niveladoras do universal literário. T. S. Eliot será assim eleito em 1948 "por ter renovado de maneira notável a poesia

obterá o prêmio em 1950, porque é reconhecido como "o maior expenmentador de nosso século no campo da arte

, quando é ainda bem pouco conhecido do grande público e

mente desconhecido em seu país. Samuel Beckett recebe-o em 1969 por uma obra então longe de estar concluída, E deveria-se acrescentar ain- da: Pablo que foi laureado em 1971, Eugenio Montale em 1975, Jaroslav em 1984, Claude Simon em 1985, Fo em 1997, etc. Essa autonomia consegue afirmar-se graças à

do Nobel com o poder de consagração de Paris. Em sua atividade autônoma, a Academia ou reafirmará, de 76. K. op. p. 139

77. p.

certa forma, os veredictos de Paris e fundamentará as decisões da capital literária "de direito", ou seja, segundo a lei explícita da autonomia literá- ria: operando uma espécie de oficialização e de legalização das

gens de Paris, a Academia sueca, pelo menos até os anos 60, vinha na maioria das vezes confirmar, ratificar e tomar público o veredicto parisiense, consagrar uma descoberta das instâncias críticas e editoriais da capital da literatura. Prova disso é a grande presença de escritores no quadro de honra do prêmio: a França continua sendo a nação mais regularmente consagrada, com doze prêmios (quatorze, se incluirmos Beckett, oficialmente contabilizado como irlandês, e Gao Xingjian, escritor de chinesa naturalizado francês em 1998). Prova disso são sobretudo os prêmios atribuídos a Hemingway, Márquez inicialmente descobertos e festejados na França. Daí, durante muito tempo, a consagração parisiense - ein riva- lidade, é claro, com as instâncias londrinas que conseguiram o reconhe- cimento de grande número de seus próprios consagrados: Kipling,

B. Yeats, B. Shaw, etc. -ser uma das primeiras etapas para pos- tular o prêmio mais nobre, que é também o mais internacional. Arecusa de em aceitar o Nobel é mais um sinal do caráter "redundante" do reconhecimento parisiense e da consagração sueca. Ele era provavel- mente um dos únicos protagonistas do espaço literário mundial que, cen- tral nos processos de consagração, extraordinariamente consagrado ele próprio, podia dispensar um prêmio que só reafirmava sua posição eminente.

Etnocentrismo

Mas essa atividade das instâncias consagradoras é uma operação ambigua, ao mesmo tempo positiva e negativa. De fato, o poder de avaliar e transmutar um texto em literatura também se exerce, de modo quase inevitável, segundo as normas daquele que "julga". Trata-se inseparavelmente de uma celebração e de uma anexação, portanto, de uma espécie de "parisianização", isto é, de uma universalização por negação de diferença. Os grandes consagradores reduzem de fato às suas próprias categorias de percepção, constituídas em normas univer- sais, obras literárias vindas de outras partes, esquecendo tudo do

MUNDO

texto - histórico, cultural, político e sobretudo literário

-

que per- mitiria comnreendê-las sem reduzi-las. As grandes nações literárias fazem assim com que se pague a outorga de uma autorização de circula- ção universal. Por isso, a história das celebrações literárias é também uma longa série de mal-entendidos e de desdém se encon- tram no etnocentrismo dos dominadores literários (principalmente dos e no mecanismo de anexação (nas categorias estéticas, históricas, políticas, formais) que se realiza no próprio ato de reconhe- cimento Nesse sentido, a tradução é também uma operação ambígua: meio de acesso à República das Letras oferecido pelas ins- tâncias específicas e sua abertura constitutiva para a internacional lite- rária, é igualmente um mecanismo de anexação sistemática às categorias estéticas centrais, fonte de desvios, de mal-entendidos, de contra-sensos ou até de imposições autoritárias de sentido. O universal é de certa forma uma das invenções mais diabólicas do centro: em nome de uma negação da estrutura antagonista e hierárquica do mundo, sob o pre- texto de igualdade de todos em literatura, os detentores do monopólio do universal convocam a humanidade inteira a se dobrar à sua lei. O uni- versal é o que declaram adquirido e acessível a todos, contanto que se pareça com eles.

Toda a ambigüidade da operação de consagração é magnificamente condensada na história do reconhecimento de Joyce por Valery Larbaud. Enquanto os meios literários ingleses e americanos acompanhavam com atenção as etapas da ascensão de Joyce à categoria de escritor reconhe- cido pelas altas instâncias literárias, um crítico irlandês, Emest Boyd, atacou com violência Larbaud em nome de sua "ignorância colossal da literatura irlandesa", de sua "ignorância completa dos grandes escri- tores anglo-irlandeses", entre os quais cita Synge,

Citando a conferência de 1921 em que Larbaud afirmava que "escrever em irlandês seria como se um autor francês contemporâneo escrevesse em bretão Boyd sublinha o desconhecimento do crítico francês - de fato explícito a esse respeito

-

e interpreta esse texto

78. Nesse sentido, lembramos a polêmica de Étiemble o e seu em favor das literaturas "exóticas", "marginais", "pequenas". Cf. de

Paris, Gallimard. 1974; ver Paris, Gallimard. 1963.

79. V. Larbaud, p. 234.

como um ataaue contra a identidade e a da literatura irlandesa dentro das literaturas Larbaud reagirá principal- mente a essa reivindicação nacional: "Não é de forma alguma por acaso ou por capricho ou por um entusiasmo irrefletido que, tendo penetrado nessa sala cheia de tesouros, me impus como dever

à elite dos literatos franceses meu único mérito foi ter sido o primeiro fora do domínio inglês a dizer sem nenhuma hesitação que James Joyce era um grande escritor, e um livro importantíssimo, e isso em um momento em que ninguém ainda o tinha dito na

Vemos aí em ato por meio de um de seus confrontos dire- tos, a luta entre a visão literária nacional e a des-historicização, por- tanto, a anexação operada pela consagração francesa que decerto enobrece, internacionaliza, universaliza, mas ignora tudo daquilo que permitiu a emergência de tal obra. A capital desnacionalizada da lite- ratura desnacionaliza, por sua vez, os textos, des-historiciza-os para adequá-los às suas próprias concepções da arte literária.

Da mesma forma, interpretando Kafka em termos metafísicos, psicanalíticos, estéticos, religiosos, sociais, políticos, a crítica central (e em grande parte parisiense) comprova sua cegueira específica: por ignorância quase deliberada da história, comete anacronismos que não são nada além da manifestação de seu etnocentrismo estrutural. Marthe Robert, uma das primeiras a propor uma leitura histórica da obra de Franz resumiu de maneira magnífica os mecanismos da historicização sistemática operada pela parisiense: "Como parecia isento de qualquer determinação geográfica e histórica, não se hesitou em adotá-lo, eu diria quase em 'naturalizá-lo' e, com isso, tratava-se de fato nesse caso de uma espécie de procedimento de natu- ralização de onde nascia um francês, mais próximo de nós com certeza, mas tendo apenas umarelação distante com o verdadeiro Na ausência de informações precisas sobre as condições nas quais vivera, ausência à qual, de resto, todos se adaptavam muito bem, tirou-se des- sa situação pouco habitual a idéia de um exílio absoluto Como

80. Emest Boyd duas vezes: em seu livro

e em um do New York Herald de 15 de junho de 1924. Citado por

Valery Larbaud, 1998, p. 81. V. Larbaud, proposde James Joyce et de Emest

não conservasse nenhum vestígio de suas origens, nada so- brava de qualquer pertença terrestre, chegou-se com toda

de a reconhecer-lhe uma espécie de direito de extraterritorialidade, graças ao que sua pessoa e sua obra, é verdade que em troca de sua existência real, viram-se outorgar a perfeição e a pureza da qual só as coisas abstratas conseguem se beneficiar. Esse direito de

rialidade era no fundo um privilégio celeste. Vindo de parte alguma e pertencendo a todos, Kafka simplesmente dava a impressão de ter caído do céu, mesmo para os escritores e críticos franceses menos inclinados a tomar o céu como

Nessa mesma lógica, a consagração central opera uma

zação sistemática

-

a bênção crítica da qual foram objeto os roman- cistas martiniquenses do "crioulismo" Patrick Chamoiseau e

Confiant é uma prova manifesta disso -, uma des-historicização de princípio que corta de uma vez por todas qualquer reivindicação polí- tica, ou político-nacional dos escritores dominados politicamente. Em outras palavras, para todos o reconhecimento central é ao mesmo tem- po uma forma de autonomia necessária e uma forma de anexação cêntrica que nega a existência histórica dos consagrados. O romancista

Chinua Achebe insurgia-se assim contra crítico americano que pretendia poder outorgar o título de universal a um ro- mance da Gâmbia pelo simples motivo de que este poderia facilmente passar por obra americana com algumas transformações: "Passaria pela cabeça dos da literatura africana mudar os nomes dos perso- nagens e dos lugares de um romance americano, por exemplo, de Philip Roth ou de John Updike, e substituí-10s por nomes africanos sim- plesmente para ver como isso funciona? Claro que não. Eles jamais pensariam em colocar em dúvida a universalidade da literatura dos americanos. Nem é preciso dizer que a obra de um escritor ocidental é automaticamente investida de universalidade. Só os outros precisam lutar para conquistá-la Gostaria que a palavra universal fosse ba- nida das discussões sobre a literatura africana até que se deixasse de utilizá-la como sinônimo de particularismo mesquinho e interessado

82. Marthe Robert, en France", Le de Paris, Centre Pompidou, 1984, p. 15-16.

No documento Casanova - República Mundial das Letras (páginas 98-101)

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