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INTERNACIONALISMO COMERCIAL ? do poder literário: pode-se apenas observar que, com a generalização

No documento Casanova - República Mundial das Letras (páginas 108-110)

Ibsen na Inglaterra e na França

INTERNACIONALISMO COMERCIAL ? do poder literário: pode-se apenas observar que, com a generalização

do modelo comercial e o aumento de poder do pólo econômico, as duas capitais tendem a adquirir cada vez mais peso no universo literário. Não se deve, contudo, opor Paris a Nova Iorque e a Londres ou a França aos Estados Unidos de forma exageradamente esquematizada e sempre segundo um modelo político. A produção literária (romanes- ca) americana também divide-se entre dois pólos distintos. Por um lado todos os textos pertencentes ao que Bourdieu chama "o campo restrito"'" é, a produção autônoma e de "vanguarda", mantida fora dos circuitos de grande difusão editorial. Eles beneficiam- se na França de grande atenção crítica e editorial. A importante tradi- ção americanista francesa que desde Larbaud, Coindreau,

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permitiu consagrar Faulkner e Dos Passos, editar Lolita de Nabokov,

perpetua-se atualmente graças aos grandes críticos, tradutores, histori- adores e diretores de coleção como Maurice Nadeau, Marc Chénetier, Denis Pierre-Yves Pétillon, Bernard Hoepffner e alguns ou- tros. Por meio de suas antologias críticas, prefácios, traduções, seu imenso trabalho de decodificação e descoberta, continuam sendo os interlocutores privilegiados da literatura americana mais autônoma: John Hawkes, Philip Roth, John Edgar Wideman, Don Robert Coover, William H. Gass, Paul Auster, Coleman Dowell, William Gaddis

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Já a produção romanesca comercial, aliada aos circuitos edi- toriais menos autônomos do espaço francês, é hoje tanto mais podero- sa quanto consegue imitar as aquisições de uma certa modernidade criativa. Conseguindo sem problemas fazer produtos de consumo co- mum passar por literatura dita internacional, a produção de grande difusão, americana ou americanizada, ameaça bastante a autonomia de todo o espaço. O que hoje está em jogo no espaço literário mundial não é o confronto ou a rivalidade entre a França e os Estados Unidos ou a Grã-Bretanha. É a luta entre o pólo comercial, que tenta se impor como novo detentor da legitimidade literária por meio da difusão de uma literatura que imita as aquisições da autonomia (e que existe tanto nos Estados Unidos quanto na França), e o pólo autônomo, cada vez mais ameaçado nos Estados Unidos e na França, e em toda a Europa,

11. P. Bourdieu, "Le de vue de I'auteur. Quelques propnétés des

de Les de op. p.

pelo poder do comércio da edição internacional. A vanguarda ameri- cana está atualmente tão quanto a vanguarda européia.

A estrutura do espaço literário mundial de nosso tempo é de fato mais complexa que a descrita para o século e aprimeira metade do século Não se pode reduzir as zonas dependentes apenas aos espa- ços nacionais desprovidos literariamente. A esses espaços recém- nacionalizados que conciliam literatura e política - e que continuam numerosos - devem-se acrescentar o surgimento e a consolidação em todos os campos nacionais, inclusive nos mais antigos e autônomos, de um pólo comercial cada vez mais poderoso que, com a transforma- ção das estruturas comerciais e das estratégias das editoras, provoca uma reviravolta não somente nas de distribuição, mas tam- bém nas escolhas dos livros e até de seu conteúdo.

Ora, é observar que, em cada espaço nacional, o pólo comercial é uma simples transformação do pólo nacional ou simples- mente um de seus avatares. O best-seller nacional, por seu tema (tradi-

ção ou histórias nacionais) e por sua forma (acadêmica), é conforme às expectativas e às exigências do sucesso comercial. Segundo Larbaud, os escritores nacionais caracterizam-se por grandes vendas em seu país de origem, mas também pelo fato de serem ignorados pelos letrados dos outros o romancista nacional é aquele que trabalha para o mercado nacional e de acordo com os cânones comerciais. A existên- cia de novos romances de sucesso é provavelmente o produto cruzado da generalização do modelo comercial no setor da edição e da universalização dos cânones populares americanos. O do- mínio econômico dos Estados Unidos, sobretudo nos campos do cine- ma e da edição, permite-lhes romances populares nacionais (cujo paradigma seria, por exemplo, E o vento levou com base na familiaridade com a cultura hollywoodiana.

Observa-se atualmente uma transformação da atividade editorial no mundo inteiro: não apenas existe um movimento constante de con- centração, que tende a uniformizar a produção e eliminar dos circuitos os pequenos editores mais inovadores, mas sobretudo a diluição do setor da edição na indústria da "comunicação" contribui para mudar as

regras do jogo. André Schiffrin, célebre editor independente americano, descreveu a paisagem editorial dos Estados insistindo no pamento da indústria dos meios de comunicação de massa, mas também no crescimento da concentração que conduziu a um aumento espeta- cular dos lucros. Enquanto, segundo ele, o lucro médio de todas as edi- toras (tanto na Europa quanto nos Estados Unidos) sempre girou em tomo de nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha "os novos

insistem", escreve, "para que a taxa de lucro do ramo da edição de livros seja semelhante ao que exigem de suas outras filiais -imprensa, televisão a cabo e cinema. O objetivo foi fixado portanto entre 12% e 15%. Por isso mudança radical da natureza dos livros

dos de satisfazer a objetivos de rentabilidade a curto

Na Europa, embora a situação ainda não seja tão edi- tores visam cada vez mais a rentabilidade a curto prazo pela importa- ção do modelo econômico americano. A aceleração da rotatividade dos estoques e o aumento contínuo do número de títulosL6 prevalecem

sobre as políticas de investimento a longo prazo que caracterizavam a economia das grandes editoras". Trata-se de produzir mais títulos, com tiragens menores, disponíveis por menos tempo e vendidos um pouco mais caro, mudanças que se estabelecem por meio de uma tripla . .

tração também descrita por André Schiffrin para os Estados Unidos: concentração das editoras, dos circuitos de distribuição e das redes de varejo. Por isso observa-se a importância crescente do papel dos técnicos e do setor comercial nas decisões sobre as publicações. A

dissociação da lógica intelectual e da lógica editorial conduz crise da

André Schiffrin. de Revue

des livres, 29, dezembro de 1996, p.

André inclui nesta análise tanto as casas comerciais quanta as que buscaram manter um entre as necessidades do e as Ibid., p. 2

15. 3

Jean-Marie Bouvaist cita assim M. Snyder Richard, editor americano que dizia: melhor publicar qualquer coisa do que não publicar nada." Crise

de livre, Cad. especial 3, de Culture et de Francophonie, 1993. p. 7.

Cf. Bourdieu, "Le des biens Règles de

p. 202-210.

Cf. Jean-Marie Bouvaist, p. 400.

Essa nova organização da produção e da distribuição e a valoriza- ção dos critérios de rentabilidade imediata favorecem a circulação nacional dos produtos editoriais concebidos para o mercado de massa. É claro que sempre houve circulação de populares. A no- vidade atual, porém, reside no surgimento e na difusão de romances de um novo tipo, destinados a circulação internacional. Nessa "world fiction" fabricada artificialmente, os produtos comerciais destinados a difusão mais ampla, segundo critérios e receitas estéticas comprova- das, tal como os romances acadêmicos de universitários internacio- nais, como os de Eco e David Lodge, ficam lado a lado com os livros neocoloniais que repetem todas comprovadas do exotismo, como os de as narrativas mitológicas e os clássicos antigos com cores novas colocam ao alcance de todos uma "sabedoria" e uma moral revisitadas, e a narrativa de viagem, o iravel writing, acoplada ao romance de aventuras, toma-se a medida de toda modernidade romanesca. Voltam moda todos os procedimentos do romance popular e do folhetim inventados no século em um mes- mo volume, pode-se assim encontrar um romance de conspiração, um romance policial, um romance de aventuras, um romance de suspense econômico e político, uma narrativa de viagem, um romance de amor, uma narrativa mitológica, um romance dos romances (pretexto de uma erudição falsamente reflexiva que toma o livro o tema proclamado do livro, efeito de modernidade forçosamente Parte dessa produção, concebida pelos próprios editores, é explicada pela mudan- ça do papel editorial. Jean-Marie Bouvaist assinala assim que o papel de seletor do editor (cuja tarefa era optar entre os manuscritos que chegavam até ele) tende a regredir em proveito de um papel de inicia- dor e daquele que concebe: parte dos livros publicados hoje são pro- duto de

19. Entendo por romance neocolonial a obra dos escritores vindos de

dos que, sob aparênciade ruptura, reproduzem o modelo narrativo do romance coloni- al o mais conservador: o protótipo do me parece ser o romance de Seth, .

A Boy [publicado na França como Garçon convenable, Paris, 1995.1

20. Cf. por exemplo Dumas ou de Paris,

Lattès, 1993. 21. Jean-Marie Bouvaist,

MUNDO

As regiões mais livres do espaço literário mundial estão portanto fortemente ameaçadas pelo poder das leis do comércio internacional que, transformando as condições de produção, modifica a forma dos próprios textos. O desenvolvimento de editoriais que imitam as aquisições da autonomia e a enorme difusão desses roman- ces de sucesso internacional, que conseguem aparentar uma produção literária das mais autônomas, colocam em perigo a própria idéia de uma literatura independente dos circuitos comerciais. Se Paris é hoje questionada como potência literária, provavelmente o é menos como produtora nacional do que como capital autônoma da produção literá- ria autônoma. A "Internacional intelectual'" cujo advento Valery Larbaud desejava nos anos 20 sob a forma de uma pequena sociedade cosmopolita, esclarecida, necessariamente autônoma e que faria calarem-se os preconceitos nacionais favorecendo a livre circulação e o reconhecimento dos grandes textos da vanguarda literária do mundo inteiro, corre o risco de se ver aniquilada pelos imperativos da difusão comercial. Hoje existe de fato uma literatura internacional, nova em sua forma e em seus efeitos, que circula com facilidade e rapidez pelo mundo inteiro por meio de traduções quase simultâneas e que faz um sucesso extraordinário porque seu conteúdo "desnacionalizado" pode ser compreendido por toda parte sem riscos de mal-entendidos, mas ai passamos do importação-exportação comercial.

PARTE

No documento Casanova - República Mundial das Letras (páginas 108-110)

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