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Kafka ou "a conexão com a política"

No documento Casanova - República Mundial das Letras (páginas 126-131)

Graças à extraordinária complexidade da situação lingüística, na- cional, política, cultural e estética que tem de enfrentar, mas também ao refinamento das controvérsias intelectuais que suscita, Kafka é pro- vavelmente um dos primeiros a compreender que todas as "pequenas" literaturas podem (e devem) ser pensadas de acordo com os mesmos esquemas, que uma mesma teoria de sua posição e de suas dificulda- des específicas pode não apenas esclarecer, graças aos traços recorren- tes de uma, o que não se percebera na outra, como também as questões resolvidas de uma podem ajudar a encontrar uma solução estética e nacional para a outra. Como intelectual judeu vivendo em Praga no final do século Kafka estava no centro dos questionamentos e dos conflitos nacionais do império austríaco. Longe de ser esse escritor fora do tempo e da história que em geral se quis descrever, tomou-se, de certa forma, um teórico espontâneo do que chamou precisamente as "pequenas" descrevendo o que observava na prática na 59. E não as literaturas "menores": a palavra provém de uma tradução de Robett que outro tradutor de Kafka, Bernard Lortholary, julga "inexata e tendenciosa"

Checoslováquia nascente e nos movimentos politicos e literários ídiches, ou seja, os mecanismos complexos pelos quais todas as novas literaturas nacionais conseguem emergir. A questão nacional é não apenas a preocupação política principal em todo o império austríaco entre 1850 e 1918, como impregna igualmente todas as problemáticas intelectuais e estéticas. Assim, quando em 25 de dezembro de 191 1, na

véspera da guerra e da independência da Checoslováquia, trata de descrever em seu Diário as "pequenas" literaturas para revelar os mecanismos gerais da emergência das jovens literaturas nacionais, começa por um paralelo explícito entre as literaturas idiche e checa. Maravilhado, acabara de descobrir o teatro a um grupo de teatro de Varsóvia dirigido por Lowy. É isto, escreve, "o que aprendi com Lowy da literatura judaica atual em Varsóvia, e o que me revelam alguns esboços em parte pessoais sobre a literatura checa

É até seu conhecimento íntimo e apaixonado da emergência da literatura nacional checa nesses anos

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Brod precisa que Kafka acompanhava a literatura checa "em seus mínimos detalhesn6' - que permite compreender os traços "nacionais" dos textos e peças ídiches. Assim, é conduzido a descrever a posição necessariamente políti- ca dos escritores dos países em formação

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o que chama, no quadro analítico que resume suas posições, "a conexão com a

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e procede a uma longa enumeração de todos os fenômenos politicos que acompanham o nascimento de uma literatura nacional: "o movimento dos espíritos; uma solidariedade dentro da consciência nacional o orgulho e o apoio proporcionado por uma literatura diante de si mesma e diante do mundo hostil que a Insiste no nascimento e no desenvolvimento paralelos de uma imprensa nacional e de um comércio de livros, mas sobretudo na politização e na importância politica da literatura, evocando "o desenvolvimento do respeito pelas

"Le testament de jeúneur et Paris, 1993, p. 35). Kafka empregamais simplesmente apalavra (pequeno).

60. 25 de

de Pleiade", 1976, p. 194. Belo Horizonte,

Brod, Kafka. Paris, 1945, p. 175. 62. Kafka, op. p. 198.

pessoas com uma atividade literária o fato de os acontecimentos serem aceitos nas preocupações Nesses peque- nos países, os próprios textos literários são escritos, explica Kafka, em uma proximidade inevitável com a política: "o caso individual", escreve, toma-se rapidamente coletivo, "atinge-se bem mais a fronteira que o separa da política, chega-se até ao esforço de percebê-lo antes que seja evidente e de encontrar por toda parte essa fronteira estreitando-se". Em outras palavras, todos os textos têm um caráter político (coletivo), pois se tenta politizar (isto é, "nacionalizar"), reduzir a fronteira que separa o subjetivo (campo do literário nas "grandes" literaturas) do coletivo. Porém, acrescenta Kafka, "sua ligação [da literatura] com a política não é perigosa em decorrência da autonomia intema da literatura Tudo isso conduz", escreve adiante, "à difusão da litera- tura em todo o país, onde ela se agarra aos Em suma, para Kafka, que pode observar esses fenômenos em Praga e a quem Lowy conta em detalhes tudo o que ocorre em Varsóvia no cam- po da literatura ídiche e dos combates políticos ídiches, uma literatura estreante só existe por sua reivindicação nacional. Sua principal carac- terística, sua própria "animação" são o produto desse emaranhado cons- tante e constitutivo de duas ordens que contribuem para se fundamentar mutuamente. O "combate nacional que determina todas as obras" da literatura ídiche de Varsóvia, como ele o compreendeu algum tempo antes, define também todos os empreendimentos literários dos países "pequenos".

É claro que essas "pequenas" literaturas só são denominadas as- sim a partir da comparação implícita com a literatura central por exce- lência no universo de Kafka, ou seja, a literatura alemã. Esta não é apenas caracterizada pelo fato de que seria "rica em grandes talentos" -maneira muito clara de dar nome ao patrimõnio literário alemão -,

mas também pelo abordar temas "nobres", maneira de designar a autonomia literária. De fato, Kafka observa - e sublinha, prova de sua rara clarividência - que as novas literaturas nacionais também são literaturas populares. A ausência de "meio" literário, de tradições específicas e de autonomia das questões próprias à literatura explica

efetivamente que, como diz, "a literatura é menos um problema da história literária que do Enunciando assim explicitamente a diferença fundamental entre as "grandes" literaturas, caracterizadas por seu ou seja, sua história acumulada, e as "pequenas" literaturas, definidas por sua cultura popular, Kafka confirma a luta travada entre os dois tipos de legitimidade descritos acima. Por isso, "o que, nas grandes literaturas, ocorre embaixo e constitui uma adega não indispensável do edifício, aqui ocorre em plena A inver- são do "alto" e do "baixo" na hierarquia dos gêneros, dos níveis da linguagem e das obras é uma marca essencial, segundo ele, das "pe- quenas" literaturas ("Em toda parte encontra-se a alegria de tratar lite- rariamente temas menores

Kafka aborda finalmente a relação complexa e obrigatória de todo escritor de um pequeno país com sua literatura nacional: "as exigências que a consciência nacional coloca para o indivíduo em um pequeno país acarretam essa conseqüência de que todos devem sempre estar prontos para conhecer a parcela de literatura que Ihes pertence, para sustentá-la e para lutar por ela, para lutar em todo caso, mesmo que não a conheçam, nem Assim, os escritores não podem decretar uma autonomia que não dominam: são forçados a "lutar" para defender "a parcela de literatura que [lhes] pertence".

Esse texto obscuro e difícil não é uma verdadeira teoria articulada. Não passa de uma série de anotações no papel que formam as primeiras reflexões de Kafka sobre esse assunto que sem dúvida se tomará, como demonstraremos adiante, central na elaboração de toda a sua obra. Porém, o verdadeiro interesse desse texto deve-se à posi- ção que Kafka ocupa: nesse caso, é ao mesmo tempo testemunha e ator. Tem, em outras palavras, pelo seu interesse apaixonado pelo movi- mento de nacionalismo cultural idichista que o faz desco- brir, uma postura muito rara e preciosa: dá ao mesmo tempo o ponto de vista teórico e o ponto de vista prático. Sua postura de observador

66. Ibid., p. 196. 67. Ibid. 68. Ibid. 69. Ibid, p. 206. 64. Ibid., p. 195. 65. Ibid., p. 197.

PEQUENAS LITERATURAS

entusiasta faz com que se compreenda de dentro, portanto de um modo sensível, os termos nos quais se sente a experiência literária da domina- ção, ao mesmo tempo em que fornece uma tentativa de explicitação e generalização. Por isso suas intuições podem servir de exemplo "que prova", de certa forma, na prática, a análise teórica. Vale dizer também que é possível explicar plenamente esse famoso texto do Diário de 25 de dezembro de 1911, longamente comentado, como se sabe, por Deleuze e Guattari, munido do modelo geral da estrutura hierárquica do universo literário. Kafka confirma que se deve falar de "pequenas" literaturas, ou seja, de universos literários que só existem em sua rela- ção estrutural e desigual com as "grandes" literaturas; descreve-as como universos a priori politizados e insiste no caráter político inevitável e dos textos literários que ali se escrevem e isso, não para deplorá-lo ou desvalorizar as produções literárias saídas desses uni- versos, mas, ao contrário, para tentar compreender sua natureza, o in- teresse ("a alegria") e os mecanismos que as geram e as tornam necessárias.

Relendo esse texto, Deleuze e Guattari operaram uma redução da especificidade literária, aplicando à literatura

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principalmente a par- tir da noção muito ambígua de "literatura esquemas políti- cos brutos e anacrônicos que deformam seu sentido. Em

une littérature mineure, afirmam assim que Kafka "é um autor políti- co" ("Tudo é político", escrevem, "a começar pelas cartas a

contentando-se em repetir as anotações de Kafka nesse texto do Diá- rio, com data de 25 de dezembro de 1911. Se é verdade que Kafka tinha preocupações políticas, o que foi demonstrado por seu biógrafo Klaus Wagenbach7', poderiam ser as que Deleuze e Guattari lhe atribuem. Sua concepção anacrônica da política os conduz a erros his- tóricos. Projetam sobre Kafka sua visão da política como subversão ou "luta subversiva", quando ela se identifica para o autor, na Praga do início do século unicamente à questão nacional: a glória de tal literatura ser menor", escrevem eles, "ou seja, ser revolucionária para

70. Paris, Éditions de 1975, p. 75-77.

71. Klaus Wagenbach, de Paris, de

France. 1967.

qualquer "o 'menor' não qualifica mais algumas literatu- ras, mas as condições revolucionárias de qualquer literatura dentro da- quela que se chama grande (ou Em outras palavras, Kafka seria um autor político sem verdadeiras preocupações políticas, que não se preocuparia com as questões políticas candentes de seu tempo.

Por não definir precisamente o conteúdo que Kafka dá à noção de "política", Deleuze e Guattari são obrigados a voltar a uma concepção muito arcaica do escritor parajustificar suaposição: afirmamque Kafka é político, mas de maneira profética; falaria de política, mas para o futuro, como se pressentisse e descrevesse acontecimentos vindouros: "Do começo ao fim é um autor político, adivinho do mundo

nele, "a linha de fuga criadora carrega consigo toda a política, toda a economia, toda a burocracia e a jurisdição; suga-as, como um vampi- ro, para Ihes fazer emitir sons ainda desconhecidos que pertencem ao futuro próximo - fascismo, stalinismo, americanismo, as potências diabólicas que batem à porta. Pois a expressão precede o conteúdo e o arrasta "A máquina literária substitui assim uma máquina revolu- cionária que Desse modo, evocando a figura do poeta, profeta e adivinho, capaz de pressentir e anunciar acontecimentos vindouros, voltam simplesmente à mais arcaica das mitologias poéticas. O ana- cronismo é uma das formas do etnocentrismo literário dos centros, que aplicam aos textos suas próprias categorias estéticas e políticas. Não podendo nem mesmo imaginar que, para Kafka e em suas categorias, o nacionalismo é uma das grandes convicções políticas, Deleuze e Guattari inventam por atribuindo-a a Kafka, uma palavra de ordem política e crítica: as "literaturas menores".

72. G. Deleuze, E Guattari, op. p. 73. Ibid., p. 33.

74. Ibid., p. 75. 75. Ibid., p.74. 76. Ibid., p. 32.

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Os assimilados

"Com muito pouca idade

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em toda a miséria e penúria de Trinidad, longe de tudo, em uma população de meio milhão de habitantes - foi-me dada a ambição de escrever livros Mas os livros não se criam apenas na cabeça. Os livros são objetos materiais. Para inscrever seu nome na capa do objeto material cria- do, você precisa de editoras e editores, desenhistas, tipógrafos, encadernadores e naturalmente de compradores e leitores Esse gênero de sociedade não existia em Trinidad. Se quisesse ser escritor e viver de meus livros, deveria, conseqiientemente, ir em- bora [...]. Para naquela época, isso queria dizer ir para a Inglaterra. Eu viajava da periferia, da margem, rumo ao que, a meus olhos, representava o centro: e minha esperança era de que no centro haveria lugar para mim."

V. S. Naipaul, Nossa civilização universal

Se tentarmos descrever a de dilemas, opções e invenções dos escritores excêntricos como um conjunto de posições definidas de modo relacional, isto é, inseparavelmente umas das outras, proporcionamo- nos os meios de colocar a questão

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recorrente - da definição e dos limites das literaturas nacionais dominadas de outra forma. Uma das conseqüências imediatamente práticas desse método é de fato reintegrar os autores exilados ou assimilados, isto é, "desaparecidos" enquanto nacio- nais. As histórias da literatura-belga (de língua francesa) mencionam primeiro os criadores nacionais e os que reivindicaram uma identidade nacional. Excluem em geral - ou resistem em incluir

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Marguerite Yourcenar ou Michaux, da mesma maneira que as histórias literá- rias irlandesas hesitam em incluir B. Shaw ou Beckett em seu panora- ma nacional, como se a pertença original a um espaço literário devesse ser feita necessariamente como positiva. Na realidade,

se compreender a formação de todo o espaço literário pela relação, mesmo antagônica, entre as duas opções, por sua rejeição mútua, pelo ódio suscitado pelo país de origem ou pelo apego que provoca.

Na mesma lógica, não se deve confundir o espaço literário nacio- nal com o temtório nacional. Levar em conta como elementos de uma totalidade coerente cada uma das posições que caracterizam um espa- ço literário, inclusive os escntores exilados, contribui por um lado para resolver as falsas questões ritualmente colocadas com respeito às "pe- quenas" literaturas: entre as posições mais nacionais, ligadas às instân- cias políticas, e a emergência de posições autônomas, necessariamente internacionais, ocupadas por escritores muitas vezes condenados a uma espécie de exílio interior, como Juan Benet ou Amo Schmidt, ou ao exílio efetivo como Joyce em Trieste e Paris, em Paris, Salman Rushdie em Londres, esboça-se toda a complexidade de um espaço literário nacional.

Hoje fala-se, por exemplo, da literatura colombiana e dos escritores colombianos, como se essa unidade político-literária fosse em si uma realidade confirmada, uma evidência tangível que permitisse um tra- balho descritivo. Ora, entre os escritores celebrados internacionalmente como Gabriel García Márquez (prêmio Nobel de 1982) e Álvaro Mutis, os escritores nacionais, eles próprios fortemente influenciados pelos modelos surgidos do reconhecimento internacional, como Germán Espinosa, os exílios múltiplos na Europa e na América Latina, a pertença

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reivindicada - ao conjunto cultural e linguístico da América Lati- na, a importância e a mediação reconhecida de Paris, o desvio

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atraen- te para García Márquez, repulsivo para Álvaro Mutis

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pelo pólo político cubano, a atração nova-iorquina, o peso dos editores e dos agentes literários de Barcelona, as temporadas na Espanha, as rivali- dades (literárias e políticas) e os grandes debates políticos entre os autores mais conhecidos de toda a América Latina saídos do boom, o espaço colombiano toma-se uma espécie de instância rebentada, que transcende as fronteiras temtoriais, laboratório invisível de uma litera- tura nacional fronteiras da nação que eles contribuem para moldar. Esse esfacelamento dos espaços literários mais afas- tados dos centros e o sistema de suas dependências múltiplas é talvez um dos maiores sinais da não-coincidência do espaço literário e da nação política, isto é, da autonomia relativa do espaço literário mundial.

Todas essas posições, aos poucos elaboradas e empregadas pelos escritores, "fazem" a história de cada literatura emergente. Nesse sentido, constroem e depois unificam progressivamente os espaços que assistem ao seu surgimento: cada uma dessas possibilidades é uma das etapas da gênese desses espaços. Mas nenhuma posição recém-criada faz caducar ou desaparecer a posição precedente; cada uma delas toma mais com- plexa a regra do jogo e a faz evoluir, rivaliza com os recursos literários e luta por eles, o que contribui para "enriquecer" o espaço. Toda a dificul- dade para descrever a forma dessas revoltas e subversões literárias é que cada "opção" pode ser descrita ao mesmo tempo como fase da gênese ou como elemento da estrutura, como movimento progressivo pelo qual a história literária se escreve ou como uma das posições contemporâ- neas que coexistem (e são rivais) num mesmo espaço literário.

A assimilação, por exemplo, é o "grau zero" da revolta literária, ou seja, o itinerário obrigatório de todos os aprendizes de escritores vindos de uma região desfavorecida politica literariamente quando não têm a sua disposição nenhum recurso literário e nacional - por exemplo, nas regiões colonizadas antes do surgimento de qualquer reivindicação de independência e de "diferença" nacional. Mas é tam- bém uma possibilidade para os escntores dominados, embora relativa- mente dotados de recursos específicos

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como o belga Michaux ou o irlandês George Bemard Shaw - que podem assim recusar o destino de escritor nacional, o que o polonês Kasimierz Brandyz cha- ma também "o dever patriótico" do escritor, e apropriar-se quase "clandestinamente" do patrimônio literário central. Shaw e Michaux reivindicam o direito de ter acesso direto a uma liberdade da forma e do conteúdo somente permitida pela pertença a um espaço literário central. Por isso, o exílio assimilador é ao mesmo tempo uma das po- sições dos espaços literários dominados - enquanto, jus- tamente pelo "desaparecimento" ou pela diluição dos que o adotam no espaço dominante, eles são na maioria das vezes esquecidos ou margi- nalizados nas histórias literárias nacionais - e uma das etapas (ponto zero) da constituição desses espaços desprovidos.

A assimilação política foi descrita há muito como processo de fu- são ou de integração, isto é, de desaparecimento progressivo das

ou das particularidades religiosas, culturais, lingüísticas, etc. de uma população imigrada, exilada ou dominada, em proveito das práticas dominantes. O escritor judeu inglês Zangwill (1 864-1 926) proporcionou assim, em uma de suas novelas longas

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suas Comédies ghetto

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intitulada "A anglicização", uma imagem impressionan- te, que de certa forma condensa toda a ambigüidade e dificuldade des- sa vontade assimiladora pela qual o dominado tenta fazer com que esqueçam suas origens. "Existem muitos meios", afirma o narrador, "de esconder dos ingleses a vergonha de um parentesco que o liga por umpedigree de três mil anos a Arão, o grão-sacerdote de Israel"; as- sim, Solomon Cohen, escreve Zangwill, "sempre se distinguira por sua maneira defeituosa de pronunciar o hebraico ao modo inglês e por sua insistència de só admitir na comunidade um rabino que falasse inglês e parecesse um clergyman"'.

Esse rabino com ar de clergyman poderia ser o paradigma da assi- milação literária que, como compreendeu Ramuz, também depende muitas vezes de um sotaque corrigido ou não e, para muitos escritores totalmente desprovidos de recursos literários reconhecidos, representa a única via de acesso à literatura e à existência nacional. É assim que deve ser compreendido o itinerário dos dramaturgos irlandeses que vie- ram fazer carreira em Londres antes do de um movimento de nacionalismo cultural. Sabe-se que Oscar Wilde e Bernard Shaw são os herdeiros de uma longa linhagem de dramaturgos entre os quais, no século Congreve e seus sucessores, Farquhar, Goldsmith e Sheridan, todos de origem irlandesa, que se ilustram no gênero da co- média. Para Joyce, trata-se de uma forma de dependência histórica de que se esforçará para livrar-se. Escreve assim em dos seus Ensaios críticos consagrado a Wilde: "O leque de Lady Windermere [peça de Wilde criada em fez toda Londres correr. Na boa tradição dos autores cômicos irlandeses, de Sheridan e Goldsmith a Bemard Shaw, Wilde tomou-se, como eles, o preferido dos

É também como uma rejeição violenta de qualquer forma de assi- milação que se deve compreender a célebre e genial expressão de Joyce no início de quando propõe como da arte irlandesa"

I . Israel Zangwill, Paris, Autrement, 1997, 52. Joyce, "Oscar Wilde, de op. 242.

um "espelho rachado de uma criadan3. Essa imagem é uma espécie de definição provocadora das produções artísticas e culturais de todas as

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