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Fumaroli, loc cit., p 917 16 p 921.

No documento Casanova - República Mundial das Letras (páginas 39-43)

Como "devorar" o latim

M. Fumaroli, loc cit., p 917 16 p 921.

17. Cf. Bautier, Chartes, et de

de Genebra, e Paris, Champion, et

documents de des 1990.

vulgar começa a adquirir uma incontestável legitimidade tanto no pla- no político

-

a célebre ordem de Villers-Cotterêts (1539). que pres- creve enunciar os mandados de justiça em francês e não mais em latim, testemunha isso

-

quanto no literário: é então que aparecem gramáti- cas, léxicos e tratados de ortografia.

Se os poetas da Plêiade engajam-se ao lado da corte do rei

-

e sua primeira vitória será a escolha de da nova escola, como preceptor dos filhos do rei Henrique -, é porque se trata para eles de uma escolha tanto política quanto estética. Assim tomar partido, como faz Du Bellay em A defesa e i l u s t r a ç ã o , contra os gêneros poéticos reco- nhecidos e praticados nas poderosas cortes feudais do reino da França ("abandono todas essas velhas poesias francesas dos Jogos Florais de Thoulouze no Puv de Rouan: como rondós, baladas, cantos reais, canções outros condimentos que corrompem o gosto de nossa Língua, só servem para testemunhar nossa ignorância"'"), é declarar- se explicitamente, ao mesmo 'tempo, no plano político, contra os particularismos feudais e, no plano literário, contra os adeptos da "se- gunda retórica", eles também partidários do uso poético da língua vulgar, mas concebido como um conjunto de formas poéticas

do rei só se distinguia então das outras cortes feudais pelo seu estatuto de primus i n t e r Ora, é nesse momento que a coroa francesa

conquista vitórias decisivas contra os particularismos feudais. Retoma das cortes feudais a hegemonia que elas exerciam no campo cultural. Em 1530, Francisco I funda o Colégio dos Leitores Reais; ordena a

ção de bibliotecas, a compra de quadros e encomenda traduções de obras da Antiguidade seguindo o modelo das cortes humanistas italianas.

18. Du Bellay, de Chamard

Paris, Librairie Marcel Didier, 1970, p.

* Em francês arcaico no original: "me toutes ces poesies Françoyses aux Jeux Floraux de Puv de Rouan: rondeaux. vvrelaiz.

chantz royaux, chansons, goust de nostre

Langue. servent sinon à de notre ignorance."

19. Cf. ou hétéronomie: France et en

4, 1992, p. 12.

20. Cf. "Der Kampf der Moderne in Frankreich 1554)" [O combate dos modernos literários Euro-

MUNDO

Essa política da língua permite desencadear o processo de acumu- lação inicial de recursos políticos, e literários graças ao qual é possível se instaurar (e se proclamar) a "competição", a partir daquele momento, entre a "língua do rei" (da França), a língua dupla- mente sagrada de Roma, e o (muito literário) Deve-se acres- centar que esse programa, podia então parecer desmedido e fora de alcance, era também favorecido pela doutrina da translatio imperii

et studii: segundo essa crença francesa, a França e seu rei estavam

predestinados a exercer o imperium, deixado por Roma sem herdeiros e retomado por Carlos Magnoz1.

A defesa e ilustração da língua francesa (em parte traduzida de

diálogo do italiano Sperone Speroni) é um dos testemunhos explícitos dessa luta declarada, melhor, é uma declaração de guerra específica contra o domínio do latim. Decerto, os debates em tomo da questão das línguas "vulgares", da preeminência de uma ou de outra, de suas rela- ções complexas e conflituais com o latim, não eram novidade. Come- çam com Dante (que, como veremos, fracassou no empreendimento) na no século e prosseguem na França, principalmente com Christophe de Longueil e depois com Jean de Belges em

Concorde des (15 13). O tratado de de Relges,

porém, longe de inaugurar uma concorrência entre o francês, o latim e o associa em uma "feliz igualdade", para repetir os termos de Marc as duas irmãs vulgares, francesa e filhas e her- deiras do latim: o autor recusa escolher, e a querela entre as línguas termina por uma conciliação. portanto, defesa marca uma

nessa história, é porque inaugura uma nova era, não de concórdia e sere- nidade lingüísticas, mas de luta aberta, de competição com o latim.

Em geral reduzido a panfleto, o texto "revolucionário" de Du Bellay em geral só é estudado em virtude das continuidades e

na temática humanista, da referência das citações e das influên- cias latinas e italianas

...

Apoesia, ligada com muito mais força que outros gêneros literários às tradições nacionais, é muitas vezes considerada, mesmo historicamente, à luz do finalismo nacional: os "acontecimen- tos" poéticos não são relacionados com uma história

21. Colette Beaune, de Paris, 1985, p. 300 e ss.

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Ora, A defesa e ilustração é uma afirmação de força e um programa de "enriquecimento" da língua; é um manifesto por uma nova literatura e um programa prático para dar aos poetas instrumentos . cíficos que Ihes permitam entrar em concorrência com a grandeza latina e seu substituto Não se trata nem de uma volta ao passado, nem de um apelo a simples imitação dos antigos, mas de uma espécie de declaração de guerra específica. Du Bellay não tenta apenas, como seus predecessores, tomar o lugar do esplendor do latim e do grego, mas dominar ao mesmo tempo o latim e o em uma rivalidade lin- güística, retórica e poética (e seria necessário acrescentar política).

A língua latina, como é lógico nesse universo que ela domina, serve de único de medida de excelência. Mas, para conseguir escapar ao duplo domínio do latim eclesiástico e do latim ciceroniano promovido pelos italianos, Du propõe proceder ao que se deve de fato denominar desvio de A solução que preconiza é uma espécie de "terceira via" genial e inesperada: ao mesmo tempo em que conserva as aquisições do humanismo latinizante, conjunto imenso de conhecimentos, de traduções e de comentários de textos latinos, desvia-os em proveito de uma língua menos "rica", como diz, e isso por um método muito simples. Em primeiro lugar, rejeita violenta- mente a tradução que, em suas categorias, não passa de uma imitação "servil", reproduzindo infinitamente os textos gregos e latinos, sem que qualquer apropriação, isto é, qualquer "enriquecimento" seja pos- sível: "O que pensam estar fazendo esses lavadores de muralhas que dia noite quebram a cabeça imitando? O que digo imitar? Mas trans- crever um Virgilio um Cícero? construindo seus poemas dos hemistiquios de um afirmando em suas prosas as palavras as sen- tenças do outro Não pensem então, imitadores, rebanho servil, chegar ao ponto de sua excelência Para "enriquecer sua

22. Du Bellay, p. 76-77 e 82.

*

Em francês arcaico no original: "Que pensent doncq' faire ces de

qui jour nuyt se teste immiter? que dy je immiter? mais un un Ciceron? leur poeme des hemystyches de jurant en proses aux sentences de Ne donques,

troupeau servil, parvenir de leur excellence 23. Ibid., p.

Du Bellay propõe "tomar emprestado de uma Língua estrangeira as sentenças as palavras, adequá-las à sua: admoesto-te portanto (ó tu, que desejas o crescimento de tua Lingua, &nela queres ser exce- lente) a não imitar sem preparação os mais famosos autores, como faz normalmente a maioria de nossos poetas franceses, coisa certa- mente tão viciosa quanto de nenhum proveito para nosso

Emprega até, para que compreendam sua vontade de apropriação, a metáfora da e compara a operação ao que os romanos fi- zeram: "imitando os melhores autores gregos, transformando-se neles, devorando-os, após bem digeri-los, convertendo-os em sangue e alimento Deve-se, é claro, considerar essa operação de "conver- são" em seu sentido econômico denegado: Du Bellay aconselha aos poetas apoderarem-se, devorarem e digerirem a herança antiga para convertê-la em "bens" literários franceses. A imitação que propõe é a transposição e a adaptação para o francês da imensa aquisição da retó- rica latina. Por ai mesmo, apresenta a candidatura da língua francesa à sucessão do latim e do grego em sua posição dominante e propõe aos "poetas franceses" um meio de afirmar sua superioridade, ou seja, sua dominação sobre apoesia européia. Rejeitando as "velhas poesias fran- cesas", remete ao passado e condena como ultrapassadas as normas poéticas que só vigoravam nos limites do reino da França, mas

24. p. 47. O grifo é meu.

* Em francês arcaico no original: Langue

approprier à sienne: Je t'amoneste donques (o toy, desires de ta Langue, veux exceller en de immiter à pié plus fameux aucteurs que font ordinairement plus de poetes Francoys, chose certes vicieuse, de à

25. Metáfora que se encontrará quase nos mesmos termos nos românticos alemães no momento da elaboração de seu "programa de traduçãoi

', e no manifesto

dos modernistas brasileiros da década de 1920. Cf. Rivas, et

dans Mário de Andrade, edição critica

Rivas Paris, Stock-Unesco, latino-américaines du

1996. O Bastide comparou o empreendimento da Plêiade a da antro- pofagia modernista brasileira: visto por um francês", Revista do Arquivo

Municipal, 106, São Paulo, janeiro de 1946. 26. Du Bellay, op. p. 42. O grifo é meu.

Em francês arcaico no original: Grecz, se

en eux, apres bien sang et

tudo formas que, por sua falta de referência à modernidade humanista (isto é, paradoxalmente, à poesia latina), não podiam pretender entrar na concorrência européia.

Com A defesa e a ilustração da francesa, Du Bellay lança portanto os alicerces do espaço literário europeu. A concorrência in- ternacional que instaura marca o início do processo da unificação do espaço internacional. Pela rivalidade que inaugura, cria o primeiro es- boço de um campo literário transnacional. É o que Marc Fumaroli chama de "grande campeonato europeu, do qual os antigos são os trei- nadores e árbitros e no qual os franceses vêem como obrigação vencer todas as provas esse zelo vai dar [à língua francesa] a vitória sobre suas rivais romanas, o italiano e o espanhol. A candidatura do inglês ainda está longe de ser Nesse espaço em que é domi- nado, Du Bellay, e com ele toda a Escola da Plêiade, investe como instrumento de luta o capital existente - a língua francesa

-

a fim de "enriquecê-la". O "desvio de herança" ao qual procede vai permitir em um século e meio inverter a relação de força: graças a um "enrique- cimento" específico, o espaço literário francês conseguirá impor seu domínio, e por muito tempo, ao espaço europeu das lutas literárias.

A esse primeiro núcleo toscano-francês virão juntar-se aos pou- cos a Espanha e depois a Inglaterra, que a princípio formarão as três potências literárias, dotadas ao mesmo tempo de "grandes línguas" literárias e de um patrimônio literário importante. Mas, após a grande criatividade do Século de Ouro, a Espanha passa, a partir de meados do século a um período de lento declínio, também

ravelmente literário e político. "Esse vasto desabamento, esse guíssimo naufrágio" da Espanhaz8 vai abrir uma brecha cada vez maior entre o espaço literário espanhol distanciado e "atrasado" e os que se tornaram os universos literários centrais mais poderosos da Europa: o francês e o inglês.

27. M. Fumaroli, p. 929.

28. François de du Siècle d'oi'.

2 ,

DA LITERATURA

A Itália: uma prova a contrario

O caso da Itália é uma das provas a contrario do vínculo necessá- rio entre a fundação de um Estado e a formação de uma "língua co- mum" (e depois de uma literatura). Onde não há processo de emergência nacional, tarnpouco há uma língua vulgar em via de legitimação, nem literatura específica que possa ser estabelecida: na desde o século Dante quis, como criar condições de uma libera- ção linguística. Foi o primeiro a optar em seu Convivio (1304-1307) pela língua vulgar a fim de atingir um público mais vasto. Em seu De vulgari eloquentia, propusera a fundação de um "vulgar ilustre", língua poética literária e científica que seria criada a partir de muitos dialetos toscanos. Sua influência foi determinante na França (para os poetas da Plêiade) e na Espanha, para impor a língua vulgar como expressão literária e, portanto, nacional.

A posição de Dante foi tão inovadora e fundadora que acabou repetida bem mais tarde por certos escritores que estavam em posição homóloga. Assim, Joyce e Beckett, no final da década de 1920, reivindicaram-no como modelo e precursor em um momento em que a ascendência do inglês -pela dominação colonial da Inglaterra - podia ser, mutatis comparada latim da Dante. Preocupado em defender o projeto e linguístico de Joyce em Wake, Becketi propunha lutar contra o monopólio do inglês na Irlanda, reivindi- cando o poeta de maneira explícita como um nobre

A Itália, e singularmente a é a região em que a produção literária em língua vulgar é ao mesmo tempo a mais precoce e a mais prestigiosa: consagrados clássicos enquanto ainda vivos

-

os três gran- des toscanos, Dante, Petrarca e Boccaccio -representam o momento de acúmulo da maior riqueza literária não apenas na Itália, mas também em toda a Europa. Sua obra é investida do duplo prestígio da origem e da perfeição. Mas, na ausência da emergência concomitante de um Esta- do centralizado, de um reino italiano unificado e pela influência da Igre- ja que se exerce com mais força do que em outras partes, esse enorme capital literário original não permite a constituição de um espaço no. As cortes italianas permanecem divididas, e nenhuma é poderosa o

29. Ver p.

suficiente para adotar e autorizar plenamente o uso do "vulgar ilustre" pontificado por Dante, ou de qualquer outra língua: o latim permanece a língua comum e dominante. Petrarca divide-se, explica Marc Fumaroli, "como Boccaccio, seu discípulo, como Bembo, seu herdeiro longínquo no século entre as letras latinas, que o sacerdócio romano faz reinar com autoridade sobre e sobre a Europa cristã, e as letras italianas privadas de um apoio político central e

O debate central na Itália do século será a "questão da lín- gua", que vai opor os "vulgaristas" e os "latinistas". Pietro Bembo (1470-1547) vencerá graças à sua Prose della volgar lingua

que pontifica a volta à tradição literária e lingüística do século Essa opção "arcaica" e por um rigoroso conge- lará a dinâmica literária e freará o processo de constituição do fundo literário, ou seja, acriação, a renovação, impondo o modelo esterilizante da imitação (a partir do modelo dos latinistas humanistas). O modelo petrarquista, instituído ao mesmo tempo como modelo literário e nor- ma gramatical, contribui para a imobilização da inovação e do debate literários italianos. Durante muito tempo, os poetas permanecem iso- lados na imitação da trilogia na ausência de qualquer estrutura de Estado centralizada que poderia contribuir para a estabilização e a das línguas comuns, cabe à poesia, mitificada em seu papel de fundadora e de encarnação da perfeição, o papel de guardiã da ordem da língua e de medida de todas as coisas literárias. E pode-se dizer esquematicamente que, até a realização da unidade italiana no século os problemas poéticos, e estéticos sempre estive- ram subordinados ao debate sobre a norma linguística. Colocado na incapacidade de acumular, por meio da gramatização e da estabiliza- ção de uma comum e do apoio de uma força política de Estado, uma riqueza específica, o espaço literário italiano só se constituiu bem tarde. A herança literária só foi reapropriada na qualidade de bem na- cional

-

principalmente com a promoção de Dante como poeta nacio- nal

-

no momento da unificação italiana no século

30. M. 925.

D. faz a distinção entre e e usa

de de S. processo que conduz a descrever uma língua e a fornecer-lhe suas ferramentas com base em duas a gramática e o dicioná- rio, p. 93.

A partir de uma história e de um contexto linguísticos, políticos e literários diferentes, seria possível repetir a mesma análise para a Ale- manha que, apesar de um primeiro acúmulo precoce de recursos linguísticos e literários, não conseguiu, devido à sua desagregação política, reunir recursos literários suficientes para pretender entrar na concorrência européia antes do final do século XVIII, época na qual o primeiro despertar nacional permite-lhe reapropriar-se, na qualidade de herança nacional, dos recursos literários em língua alemã. Quanto à

não iniciará o processo de acúmulo de seus bens literários an- tes do início do século

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