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Yeats, a invenção da tradição

No documento Casanova - República Mundial das Letras (páginas 186-188)

O Renascimento irlandês (The Irish revival) "inventan2 a Irlanda entre 1890 e 1930. Revisitando a herança romântica que desig- nara aos escritores a tarefa de exumar o popular e nacional e constituir a literatura como expressão da "alma popular", um grupo de intelectuais, na

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W. B. Yeats,

Edward Martyn, George a princípio; em seguida George Russell (conhecido como A. E.), Padraic Colum, John Millington Synge (que Yeats conheceu em Paris), James Stephens

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empenha-se em um empreendimento de "fabricação" de uma literatura nacional a partir de práticas orais: coletam, transcrevem, traduzem, reescrevem contos e lendas celtas. Literarizando e enobrecendo, por meio da poesia ou do teatro, narrativas ou lendas populares, seu empreendimento coletivo orientava-se para duas direções principais: a exumação e a apresenta- ção dos heróis dos grandes ciclos narrativos da gaélica elevados categoria de encarnação do povo irlandês, e a evocação conjunta de camponeses idílicos, conservatório da "alma nacional" e

de uma mística gaélica. Cuchulain ou Deirdre encarnaram, cada qual

por sua vez, a grandeza do povo ou da nação irlandesa. A obra precur- sora de Standish sobretudo, publicada em Londres entre 1878 e 1880, History of Heroic Period, serviu de primeiro repertó- rio lendário aos escritores "revivalistas" por meio de grande número de reproduções e adaptações teatrais ou narrativas3: essa versão da lenda de Cuchulain foi objeto de muitas repetições literárias, constituin- do assim esse personagem em modelo do heroísmo nacional.

Os primeiros textos de Yeats são, de início, narrativas populares que restituem uma espécie de idade de ouro gaélica. Fairy and Folk of the Irish Peasantry (1888) contribui em muito para difundir e enobrecer o gênero da narrativa popular na Irlanda; The Wanderings of

é publicado em 1889; The Countess Kathleen and Various and Lyrics, seguida pelo célebre Celtic Twilight, coletânea de ensaios, narrativas e descrições (que datam respectivamente de 1892 e 1893) seguem ainda a mesma inspiração. Vê-se que se confirma aqui nossa hipótese segundo a qual, nos espaços desprovidos de qualquer recurso literário, a primeira reação dos escritores, a partir da difusão das teorias herderianas, é voltar-se para uma definição popular da lite- ratura e coletar as práticas culturais populares para convertê-las em capital específico. A literatura é definida em primeiro lugar como um conservatório de lendas, de contos e de tradições populares.

Yeats logo orienta-se para o teatro - como todos os intelectuais preocupados com a fundação de uma literatura e de um repertório nacio- nal e também zeloso da formação do público em um país pobre: em 1899 e 1911, empenha-se em criar um teatro irlandês - concebido ao mesmo tempo como o instrumento privilegiado do estabelecimento da literatura "nacional" e como instrumento pedagógico destinado ao povo irlandês. O Irish Literary Theatre que agrupa, em tomo de Yeats, Edward Martyn e George é fundado em 1899. Em 1902 apresentará a famosa Cathleen de Yeats; em seguida, Yeats e George trabalharão na adaptação teatral de uma história do ciclo ossiânico, e Grania. Em 1904, o Irish National Theatre vai se instalar

no Abbey Theatre e mostrará peças de Synge, Lady Padraic que participam todos da elaboração proclamada da literatura irlandesa; assim, Synge utiliza a linguagem das ilhas e Lady Gregory - com quem Yeats colaborou por um tempo - escreve peças em dialeto Aintenção explícita, pelo menos nos primeros tem- pos, dessa criação literária coletiva, é fundar uma nova literatura irlan- desa nacional que possa se dirigir ao povo. movimento", escreve Yeats em 1902, "é um retomo ao povo, como o movimento do inicio dos anos 70"; e, em Celtic Twilight, escreve: " A arte popular é na verdade a mais antiga das aristocracias do pensamento É o solo em que qualquer grande arte se

Após essa primeira fase de elaboração amplamente coletiva de um literário nacional, Yeats toma-se uma espécie de encamação da poesia nacional em Dublim. É o promotor e o do Renasciinento literário irlandês e o fundador do The Abbey Theatre, que se toma rapidamente uma instituição nacional e oficial: é por seu gesto literá- rio inaugural, isto é, graças a essa primeira acumulação literária, que a Irlanda pôde pretender uma existência literária própria. Mais tarde, em 1923, como para confirmar sua "oficialidade" fundadora, e sobretudo o reconhecimento de uma "diferença" - isto é, de uma existência - literária, Yeats receberá o prêmio Nobel de literatura.

Porém, sua moderação e sua reticência políticas, pelo menos após o levante de 1916, fazem dele uma figura ambivalente, pai fundador de uma literatura irlandesa e ao mesmo tempo escritor próximo dos meios literários londrinos que logo o consagraram. A partir de 1903, o jovem Irish National Theatre apresentava em Londres seu repertório de cinco peças recém-encenado em Dublim. A consagração unânime da critica e a ajuda de um inglês permitiram que Yeats adqui- risse uma notoriedade que a crítica de Dublim sozinha não poderia Mas assinalava dessa forma sua dependência de um cen- tro do qual pretendia ao mesmo teinpo se distanciar.

3. Lady publicará seu Cuchulain em 1902. A lenda de Deirdre foi adaptada para a teatro por Yeats, A. E. e Synge; James Stephens deu-lhe uma versão narrativa.

4. Que associava a figura lendária de Cathleen. símbolo da Irlanda, e a lembrança do desembarque francês em em 1798.

5 . O é a fala dos camponeses do condado de onde Lady mora-

va. E um - . conserva ou assim conio for-

mas subjacentes. Kathleen "Yeats et i i i W. B. Yeats,

NO Paris, 1994.

E

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