• Nenhum resultado encontrado

EXISTÊNCIA DE JULGAMENTO DE TRIBUNAL DECLARANDO VÁLIDO ATO DE GOVERNO LOCAL EM DETRIMENTO DE LEI FEDERAL O ART 105, III, B,

No documento Rafael de Oliveira Guimarao (páginas 104-109)

3 DO RECURSO ESPECIAL

3.2 EXISTÊNCIA DE JULGAMENTO DE TRIBUNAL DECLARANDO VÁLIDO ATO DE GOVERNO LOCAL EM DETRIMENTO DE LEI FEDERAL O ART 105, III, B,

DA CF/88

A alínea b do inc. III do art. 105 da Constituição Federal traz uma hipótese de cabimento pouco vista no cotidiano forense, qual seja a interposição de recurso especial alegando que o acórdão recorrido “julgou válido ato de governo local contestado em face de lei federal”.

Raramente se veem recursos especiais interpostos com fundamento em tal hipótese, a qual, de certa forma, é dispensável, bastando à alegação de violação a lei federal (hipótese da alínea a), seja ela em virtude de declaração de validade seja em virtude de invalidade de ato de governo local. Assim, se mostra desnecessária a existência da alínea b do inc. III do art. 105 da CF/88, uma vez que ela já está contemplada na alínea anterior do referido artigo. Nelson Luiz Pinto281 bem salienta:

[...] na verdade, a ocorrência da hipótese de cabimento prevista na alínea “b” do art. 105, III, pode encartar-se também na hipótese de cabimento prevista na aliena “a” do mesmo dispositivo, que se refere a contrariar ou negar vigência a lei federal. Com efeito, se o Tribunal a quo aplica uma lei ou ato de governo local desrespeitando norma de direito federal, está-se diante de uma contrariedade à lei federal, hipótese, pois, já prevista na alínea “a”, acima referida.

Preliminarmente, antes de esclarecer o âmbito de cabimento do recurso especial com base no art. 105, III, b, da CF/88, imprescindível se torna fazer um pequeno cotejo histórico- legislativo recente sobre a mencionada hipótese de cabimento.

Anteriormente à Emenda Constitucional 45/2004, a redação da alínea b do inc. III do art. 105 da CF era a seguinte: “julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face de lei federal.” Assim, de acordo com uma interpretação gramatical da lei, todas as vezes que se

281 PINTO, Nelson Luiz. Manual dos recursos cíveis. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 200. No mesmo

sentido: OLIVEIRA, Gleydson Kleber Lopes de. Recurso especial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 239.

tivesse o embate entre uma lei local e uma lei federal, o recurso especial seria o recurso excepcional cabível para recorrer de tal acórdão.

Ocorre que os Tribunais foram desenvolvendo a tese de que muitas vezes seria necessário analisar a competência legislativa (derivada da Constituição Federal) para verificar a validade da norma jurídica no caso, para, posteriormente, concluir se prevaleceria a lei federal ou estadual. Sendo assim, muitas vezes a hipótese não seria de recurso especial, mas sim de extraordinário, com base na alínea c do inc. III do art. 102 da CF/88 a qual determina o cabimento de recurso extraordinário quando o acórdão recorrido “julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição”.

Com esse entendimento, ainda antes da Emenda Constitucional n. 45, já se adotava a tese segundo a qual, quando o acórdão recorrido confrontasse norma local x norma federal, haveria duas hipóteses: (a) no caso de discutir a validade de lei local em detrimento de lei federal, ou seja, qual norma deveria prevalecer, ou ainda, a quem a Constituição atribuiu competência legislativa para tanto, a hipótese seria de recurso extraordinário com base na citada alínea c do inc. III do art. 102 da CF/88; (b) caso ambas as leis tivessem validade perante a Constituição, estar-se-ia diante de competência legislativa concorrente, portanto o recurso excepcional deveria analisar se a lei local estaria ou não violando a lei federal (hierarquicamente superior), e neste caso seria cabível recurso especial.

Neste contexto, entendia-se que, em nosso sistema federativo, não havia apenas a repartição horizontal de competência, mas também a vertical, na qual pode existir confronto entre lei estadual e federal, sem que isto implique, necessariamente, a análise de constitucionalidade de qualquer delas282. Neste caso, estaria evidenciado o cabimento de recurso especial. Perseu Gentil Negrão encarta em sua obra, exemplos em que ambas as normas (local e federal) possuiriam validade perante a Constituição, restando apenas examinar se a norma local viola ou não a lei federal e, assim, subsistiria o cabimento do recurso especial como opção283.

282 NEGRÃO, Perseu Gentil. Recurso especial. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 34.

283 “Estabelece a Constituição que, a propósito de determinadas matérias, a União e Estados legislam

concorrentemente. A primeira deverá cingir-se às normas gerais, cabendo aos últimos a legislação suplementar. Atuando todos estritamente dentro das respectivas esferas, poderá ocorrer, entretanto, que a legislação estadual não se compadeça com a federal, a respeito do mesmo tema. E tratando-se de normas gerais, haverão de ser obedecidas pelo legislador local. Assim, por exemplo, União e Estados legislam, concorrentemente, sobre ‘procedimentos em matéria processual’. Prazos para recursos constitui matéria de natureza procedimental. Estabelecendo norma geral, a União poderia dispor que, para todos os recursos, do primeiro para o segundo grau, os prazos haveriam de ser iguais. A lei estadual fixaria quais seriam, mas não lhe seria dado estatuir que o prazo para o agravo seria outro que não o previsto para a apelação. Se o fizesse, estaria contrariando a lei federal e haveria lugar para o especial, pela letra b. Não se estaria diante de violação

O Supremo Tribunal Federal também adotava esse entendimento, segundo o qual, quando o conflito entre norma local e federal implicasse a queatão da validade daquela, caberia recurso extraordinário. De outro lado, quando no conflito de normas não fosse questionada a validade da lei local, mas somente sua compatibilidade material com a norma federal, seria a hipótese de cabimento de recurso especial284.

Visando esclarecer em qual circunstância de conflito entre normas caberia recurso especial, e em qual se visualizaria o extraordinário, foi editada a Emenda Constitucional n. 45/2004. Devido a tal emenda, a redação da alínea b do inc. III do art. 105 da CF passou de: “julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face de lei federal” para “julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal”. Desse modo, denota-se que a emenda tão somente extraiu o termo “lei” do dispositivo constitucional.

Na mesma reforma constitucional, foi inserida a alínea d no inc. III do art. 102 da CF passando a ter cabimento o recurso extraordinário quando o acórdão recorrido julgasse “válida lei local contestada em face de lei federal.”

A reforma dos dispositivos constitucionais (arts. 102, III, e 105, III, da CF) veio a suprir a crítica da doutrina e jurisprudência no sentido de que, na maioria das vezes, para avaliar a incompatibilidade entre a lei local e a federal, dever-se-ia socorrer à regra da hierarquia das normas e da competência legislativa constitucionalmente estabelecida. José Miguel Garcia Medina afirma:

[...] em verdade, a disputa diz respeito à distribuição constitucional de competência para legislar: se a lei local está sendo contestada em face de lei federal, é porque se sustenta que ela tratou de matéria que, por determinação constitucional, haveria de ser disciplinada pelo legislador federal.285

Ocorre que, por uma leitura superficial das atuais redações das alíneas b do inc. III do art. 105 e d do inc. III do art. 102, ambos da CF/88, caberá recurso extraordinário quando

da Constituição mas de descompasso entre a lei federal e a estadual.” (NEGRÃO, Perseu Gentil. Recurso

especial. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 35).

284 “Se, entre uma lei federal e uma lei estadual ou municipal, a decisão optar pela aplicação da última por

entender que a norma central regulou matéria de competência local, e evidente que a terá considerado inconstitucional, o que basta a admissão do recurso extraordinário pela letra b do art. 102, III, da Constituição. Ao recurso especial (art. 105, III, b), coerentemente com a sua destinação, tocará a outra hipótese, a do cotejo entre a lei federal e a lei local, sem que se questione a validade da primeira, mas apenas a compatibilidade material com ela, a lei federal, de norma abstrata ou de ato concreto estadual ou municipal.” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Pleno, RE n. 117.809/PR, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 14.06.1989, DJU 04.08.1989).

285 MEDINA, José Miguel Garcia. Prequestionamento e repercussão geral. E outras questões relativas aos

recursos especial e extraordinário. 5. ed. rev. e atual. da obra Prequestionamento nos recursos extraordinário e especial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.p. 91.

houver conflito entre normais locais286 e normas federais, e recurso especial quando o ato do governo local for infralegal, não envolvendo legislação, mas somente atos administrativos.

Ao que parece esse é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça consolidado “pós-Emenda 45”, ou seja, em qualquer conflito entre norma local e norma federal, o recurso extraordinário é o adequado para impugnar o acórdão do Tribunal local, não importando se a incompatibilidade leva em conta a competência legislativa ou a mera incompatibilidade material entre as normas. Para o referido Tribunal Superior, somente é cabível recurso especial pela alínea b quando o ato de governo local for um ato administrativo, infralegal, tido como válido, em detrimento de uma lei federal, mas jamais uma lei local em embate com lei federal287.

Não obstante o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, o processualista José Miguel Garcia Medina288 levanta questão de extrema importância. O processualista, referindo-se à palestra proferida recentemente pela Min. Eliana Calmon, menciona o caso em que a lei estadual dispensa o pagamento de custas de um recurso em que uma norma federal o

286 Lembrando que a mera interpretação de norma local não implica de recurso excepcional algum com base na

Súmula 280 do e. STF. “Por ofensa a direito local, não cabe recurso extraordinário.”

287 “Verifica-se que pretende o requerente o exame de confronto entre lei local e lei federal (Lei Municipal nº

14.042/2005 em relação ao art. 9º, § 3º, do Decreto-Lei 406/68) hipótese que teria fulcro na alínea ‘b’ do permissivo constitucional. Ocorre que a Emenda Constitucional n. 45/04 modificou a alínea ‘b’ do art. 105, inciso III, para atribuir ao STJ apenas os casos em que se julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal, restando a competência acerca do confronto entre lei local e lei federal conferida ao Supremo Tribunal Federal (art. 102, III, ‘d’, da CF/88).” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 2ª Turma, REsp 1235885/SP, rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 21.06.2011, DJe 29.06.2011). “Ainda que ultrapassado o óbice da Súmula 280 do STF, verifica-se que, em verdade, pretende a requerente o exame de confronto entre lei local e lei federal- Decreto Estadual 51.754/07 e Lei Estadual 6.374/89, em relação ao art. 151, VI, do CTN, hipótese que teria fulcro na alínea ‘b’ do permissivo constitucional, olvidando-se que a alteração proporcionada pela Emenda Constitucional 45/2004 implicou na modificação de competência jurisdicional para apreciação desse tipo de conflito (artigo 102, III, ‘d’, da CF/88 - Supremo Tribunal Federal em sede de recurso extraordinário). Ao STJ permaneceu a competência para deslinde de recurso especial dirigido contra decisão que julgar válido ato de governo local (ato público infralegal) contestado em face de lei federal (Precedentes desta Corte: AgRg no Ag 365.208/MT, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 21.02.2008, DJ 03.03.2008; AgRg no Ag 729.541/MS, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 18.10.2007, DJ 12.11.2007; REsp 661.484/RJ, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Turma, julgado em 02.10.2007, DJ 07.11.2007; REsp 950.413/RS, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 04.09.2007, DJ 18.09.2007) 10. Agravo regimental desprovido.” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 1ª Turma, AgRg na MC n. 15.747/SP, rel. Min. Luiz Fux, j. 08.09.2009, DJe 16.10.2009. g. n.). “Deveras, no que pertine à admissibilidade de recurso especial fulcrado na alínea ‘b’, do permissivo constitucional, é certo que: por simetria, se na exegese de ‘lei federal’ - do art. 105, inciso III, alínea ‘a’, da Constituição da República - estão compreendidos os atos normativos expedidos pelo chefe do Poder Executivo com o objetivo de regulamentar a lei, no conceito de ‘lei local’ - do art. 102, inciso III, alínea ‘b’, da Lei Maior - também estão contemplados os decretos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, na medida em que se limitam a conferir densidade normativa aos correspondentes comandos legais. (REsp 194.723/PR, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 01.09.2005, DJ 03.10.2005).” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 1ª Turma, AgRg nos EDcl no REsp n. 845.067/MG, rel. Min. Luiz Fux, j. 18.12.2008, DJe 19.02.2009).

288 Cf. MEDINA, José Miguel Garcia. Prequestionamento e repercussão geral. E outras questões relativas aos

recursos especial e extraordinário. 5. ed. rev. e atual. da obra Prequestionamento nos recursos extraordinário e especial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 93.

impõe. Considerando que não se discutia a validade de lei estadual – uma vez que esta pode legislar sobre custas dos serviços forenses, conforme art. 24, IV, da Constituição – a questão girava em torno do âmbito de aplicação da norma federal. Nesse caso, a questão seria meramente federal, e deveria ser julgada pelo Superior Tribunal de Justiça, pois não se questiona a validade de lei local.

Desse modo, no caso de não estar sendo analisada a validade da norma local – se o órgão local é constitucionalmente competente para editar tal norma –, mas somente se esta está se contrapondo à norma federal - incompatibilidade material –, estaria o recurso especial apreciando adequadamente a interpretação de uma norma federal infraconstitucional.

Para o presente estudo, na situação de conflito entre norma local e federal, em que se analisa somente a compatibilidade material entre elas, a hipótese continua sendo de cabimento de recurso especial, porém com uma ressalva. Embora a questão central seja a compatibilidade material entre as normas, e para se interpretar tal assunto deva-se dizer o sentido da norma federal, antes disso é necessário analisar se realmente elas não se conflitam em razão da competência legislativa. Neste sentido, antes de se examinar a compatibilidade material entre as normas supostamente em conflito, deve-se analisar se realmente é caso de competência legislativa concorrente, portanto, primeiramente faz-se necessário examinar a questão à luz do art. 24 da Constituição. Neste caso, haverá questão constitucional e federal a se decidir, cabendo recurso extraordinário e especial289, conforme disposto na súmula 126 do STJ290.

Para que haja cabimento de recurso especial exclusivamente com base na alínea b do inc. III da CF/88, só resta a hipótese de ato local (infralegal) que for contestado em face de lei federal. Fredie Didier Junior e Leonardo José Carneiro da Cunha291 entendem desta forma:

[...] a expressão julgar válido remete à necessidade de um contraste entre o ato do governo local e a norma federal. Nesse caso, se o ato do governo local for julgado válido, significa que a lei federal restou afrontada. Entre a lei federal e o ato de governo local, o acórdão recorrido optou por este último, quedando por possivelmente violar a lei federal.

Significa que o ato administrativo pode ter violado a lei federal. Ao julgar válido o ato administrativo, o acórdão restou, igualmente, por violar a lei federal, cabendo recurso especial.

289 Nesse sentido: MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial. 11. ed. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.p. 270.

290 “É inadmissível recurso especial quando o acórdão recorrido assenta em fundamentos constitucional e

infraconstitucional, qualquer deles suficiente, por si só, para mantê-lo, e a parte vencida não manifesta recurso extraordinário.”

291 DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da.Curso de direito processual civil. Meios de

Do exposto, quando se discutir a compatibilidade material da lei local com a lei federal, em face da competência legislativa concorrente, caberá recurso especial e recurso extraordinário. De outro lado, caberá somente recurso especial quando o acórdão recorrido julgar válido um ato administrativo local que seja tido como violador da legislação infraconstitucional, conforme previsto na alínea b do inc. III do art. 105 da CF/88.

3.3 RECURSO ESPECIAL POR DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. A ALÍNEA C DO

No documento Rafael de Oliveira Guimarao (páginas 104-109)

Outline

Documentos relacionados