• Nenhum resultado encontrado

DO PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO

No documento Rafael de Oliveira Guimarao (páginas 33-42)

A decisão judicial é o fim do processo dialético gerado pela iniciativa das partes, seja ela uma decisão interlocutória seja uma sentença. É a manifestação judicial proferida, em regra, depois de ventilados os argumentos dos dois polos em litígio.

Mesmo seguindo esse caminho considerado correto, um pronunciamento judicial pode conter vícios intrínsecos, de ordem íntima do julgador, irregularidades quanto ao procedimento (error in procedendo) e vícios atinentes à própria opinião do operador do direito ou desconhecimento de um posicionamento mais adequado acerca da matéria a ser decidida (error in judicando). Por tais motivos, aos litigantes deve ser dado o direito a uma revisão, para dar legitimidade ao pronunciamento do magistrado, ou sua anulação ou reforma, no caso de error in procedendo ou error in judicando.

Para tanto, vige no processo civil pátrio o princípio do duplo grau de jurisdição, com o objetivo de dar legitimidade à decisão judicial e pacificar entendimentos acerca das matérias submetidas ao Judiciário. É corriqueiro, na praxe forense, o surgimento de nova legislação ou

82 “Não há o efeito translativo nos recursos excepcionais (extraordinário, especial e embargos de divergência)

porque seus regimes jurídicos estão no texto constitucional que diz serem cabíveis das causas decididas pelos tribunais inferiores (arts. 102, n. III, e 105, n. III, CF).” (NERY JUNIOR, Nelson. Princípios fundamentais: Teoria geral dos recursos. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 416).

83 “São considerados recursos extraordinários: o recurso extraordinário, destinado a corrigir a afronta à

Constituição Federal (art. 102, III, da CF/88); o recursos especial, que tem cabimento para os casos de ofensa à lei infraconstitucional (art. 105, III, da CF/88); e os embargos de divergência, destinados a obter do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, o seu real entendimento (art. 546 do CPC).” (JORGE, Flávio Cheim. Teoria geral dos recursos cíveis. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 45).

84 Inadequação de interpretação de dispositivo constitucional no caso de embargos apresentados no STF, e

nova questão de direito que, num primeiro momento, enseja diversas soluções normativas dadas pelos órgãos monocráticos do Poder Judiciário. Os recursos, e consequentemente a participação dos Tribunais locais, funcionam como um harmonizador de tais entendimentos, visando assegurar a previsibilidade das decisões judiciais na medida em que fixa posicionamento. Por isso, tradicionalmente se estabeleceu uma correlação entre recursos e o princípio do duplo grau de jurisdição, segundo o qual as lides ajuizadas devem se submeter a sucessivos exames, a fim de garantir que a melhor solução seja dada.85

Os princípios jurídicos são alicerces do sistema jurídico e podem não ter previsão expressa no ordenamento. Podem ser concebidos de uma interpretação sistemática e, ainda assim, ter papel vital, seja no nascimento de novas normas, seja na própria operatividade do direito.

O princípio do duplo grau de jurisdição é um desses princípios basilares para o ordenamento, mas, assim como o princípio da segurança jurídica e da fungibilidade, não abriga previsão expressa; aflora de uma interpretação sistemática e da própria necessidade de organização do processo civil.

O referido princípio é evidenciado na própria previsão constitucional dos recursos, tal como ocorre no ordenamento jurídico português,86 pela relação entre juízes de primeiro grau e o Tribunal a que são submetidos,87 e também pela função atribuída exclusivamente aos Tribunais para julgarem determinados recursos.88 Alcides de Mendonça Lima89, já há tempos,

85 Cf. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil. 16. ed. Rio de Janeiro:

Forense, 2011. v. V. p. 237.

86 “Deve, porém, chamar-se a atenção para a circunstância de a nossa Constituição considerar, entre as várias

categorias de tribunais, a existência dos tribunais de recurso na ordem dos tribunais judiciais” (MENDES, Armindo Ribeiro. Recursos em processo civil. 2. ed. Lisboa: Lex, 1994. p. 100).

87 “Art. 92. São órgãos do Poder Judiciário: I – o Supremo Tribunal Federal; I-A – o Conselho Nacional de

Justiça; II – o Superior Tribunal de Justiça; III – os Tribunais Regionais Federais e Juízes Federais; IV – osTribunais e Juízes do Trabalho; V – os Tribunais e Juízes Eleitorais; VI – os Tribunais e Juízes Militares; VII – os Tribunais e Juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios.”

88 “Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

[...] III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituição; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição; d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal. [...] Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: [...] II – julgar, em recurso ordinário: a) os habeas corpus decididos em única ou última instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão for denegatória; b) os mandados de segurança decididos em única instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando denegatória a decisão; c) as causas em que forem partes Estado estrangeiro ou organismo internacional, de um lado, e, do outro, Município ou pessoa residente ou domiciliada no País; III – julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida: a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência; b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal; c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.”

preceitua a existência do duplo exame na Constituição Federal pela própria previsão dos Tribunais locais, com a função de revisar as decisões judiciais. Hodiernamente, vozes da doutrina, como Oreste Laspro90, Luiz Guilherme Marinoni91 e Sérgio Arenhart argumentam a inexistência de previsão constitucional para o referido princípio. Com essa divisão da doutrina, têm-se, além dessa, algumas questões que pretende o presente estudo emitir posicionamento: (a) se há previsão constitucional do referido princípio;(b) se a revisão deve ser feita necessariamente por Tribunal hierarquicamente superior; (c) qual o alcance do princípio, se permite mais de uma revisão ou, mesmo, se obriga a revisão de todas as decisões judiciais; (d) se o princípio do duplo grau de jurisdição é somente um princípio, ou uma garantia constitucional.

Com relação à constitucionalidade do preceito, vários ordenamentos do mundo discutem a celeuma. Na Itália, tanto doutrinadores mais tradicionais, como Gian Franco Ricci92, Michele Taruffo 93 e Luigi Paolo Comoglio94, quanto alguns mais de vanguarda, como Cesare Montali e Sandro Corona95, são enfáticos ao opinar que a Constituição não acolhe o princípio do duplo grau de jurisdição justamente pela inexistência de previsão

89 “A Constituição do Império Brasileiro, de 1824, no art. 158, referia-se às ‘Relações’ (que correspondiam aos

nossos atuais Tribunais de Justiça) com competência ‘para julgar as causas em segunda instância’. Onde havia uma ‘segunda’, tinha que existir, então, logicamente, uma primeira instância, ou, agora, primeiro grau.” (LIMA, Alcides de Mendonça. Introdução aos recursos cíveis. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976. p. 141).

90 “Assim, efetivamente, o duplo grau de jurisdição não é garantido no Direito Brasileiro a nível constitucional,

estando somente regulado a nível ordinário.” (LASPRO, Oreste Nestor de Souza. Duplo grau de jurisdição

no direito processual civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 159).

91 “Em conclusão, é correto afirmar que o legislador infraconstitucional não está obrigado a estabelecer, para

toda e qualquer causa, uma dupla revisão em relação ao mérito, principalmente porque a própria Constituição Federal, em seu art. 5.º, LXXVIII, garante a todos o direito à tutela jurisdicional tempestiva, direito este que não pode deixar de ser levado em consideração quando se pensa em ‘garantir’ a segurança da parte através da instituição da ‘dupla revisão’” (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de

conhecimento. Curso de processo civil.7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. v. 2. p. 505).

92 “Va tenuto ben fermo che il principio di legalità non ha nulla a che fare com il principio del doppio grado di

giurisdizione che consiste nella possibilità di un riesame pieno della decisione e che quindi si estende anche al merito: cioè al controllo della ‘giustizia’ della pronuncia giudiziale, oltre che a quello della ‘legalità’ della stessa. Il principio del doppio grado (che individua il giudice superiore nel giudice d’appello) è previsto dallalegge ordinária per i tipi di processo (civile, penale, amministrativo, tributário), ma non dalla Costituzione (non è un principio costituzionale)” (RICCI, Gian Franco. Principi di diritto processuale

generale. 3. ed. Torino: Giappicheli, 2001. p. 26).

93 “Il doppio grado di giurisdizione non è elevato a rango di principio constituzionale, ma, se è cosi, possono

riprendere vigore i ricorrenti tentativi di critica, che, muovendo da incertezze circa la stessa opportunità di conservarei ll mezzo di impugnzione, sono diretti a porne in luce struturali manchevolezze” (COMOGLIO, Luigi Paolo; FERRI, Corrado; TARUFFO, Michele. Lezione sul processo civile. 4. ed. Bologna: Il Mulino, 2006. p. 613).

94 Cf. COMOGLIO, Luigi Paolo. Il doppio grado di giudizio nelle prospettive di revisione costituzionale. Rivista di Diritto Processuale, v. 54, n. 2. Bologna: Cedam, apr./giu. 1999. p. 333.

95 “Com l’appello si attua cosi Il principio del doppio grado di giurisdizione (principio peraltro non

constituzionalizzato), in forza del quale ogni controversia deve poter passare attraverso due gradi di esame in fatto e in diritto.” (MONTALI, Cesare; CORONA, Sandro. L’appello civile. Padova: Cedam, 2007. p. 2).

expressa. Contudo, os próprios doutrinadores italianos defendem que isso torna o sistema deficiente, e que não é salutar ao sistema a mitigação do referido princípio.

Em Portugal, a doutrina perfilha o mesmo sentido. Fernando Amâncio Ferreira96 preceitua a inexistência de duplo grau de jurisdição na Constituição da República de Portugal. Entende o processualista português que o referido princípio é fundamental para o sistema jurídico97.

O duplo grau de jurisdição guarda relação íntima com a própria existência dos recursos. O referido princípio é defendido como existente, justamente pela presença da competência recursal dos Tribunais para julgar os recursos, e encarta dois objetivos principais: a) uniformizar entendimento sobre as questões de fato e de direito; b) evitar o autoritarismo judicial. Na Inglaterra, em estudo sobre os Tribunais de apelação (Tribunais locais), Gavin Drewry98, até com certa hipérbole, enfatiza que impossibilitar o recurso significa viver um sistema jurídico desorganizado.

Doutrinadores como Teresa Arruda Alvim Wambier, Luiz Rodrigues Wambier e José Miguel Garcia Medina99 entendem que, ante a previsão de alguns recursos na Constituição Federal, apesar de esta não fazer menção expressa ao princípio do duplo grau de jurisdição, ele está nela presente como meio próprio para evitar as subtrações do legislador

96 “A CRP não se refere à garantia do duplo grau de jurisdição ou sequer à existência de recursos. [...] Não se

encontrando o duplo grau de jurisdição elevado à categoria de princípio constitucional, não deixa, contudo, de ser reconhecido pela nossa norma fundamental.” (FERREIRA, Fernando Amâncio. Manual dos recursos

em processo civil. 3. ed. Coimbra: Almedina, 2002. p. 68).

97 Sistema jurídico como o conjunto de fontes de aplicação e de compreensão do Direito para se formar o que

Canaris entende como uma unidade de uma ordem jurídica. O sistema busca “a adequação interna e a unidade de uma ordem jurídica.” (CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento sistemático e conceito de sistema

na ciência do Direito. Tradução de Antônio Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro. 2. ed., Lisboa: Calouste

Gulbenkian, 1996, p. 25). Ideias parecidas já tinham sido propostas por Kant conforme adverte Vandick Nóbrega de Araújo: “Porém, entendo por sistema a unidade de diversos conhecimentos debaixo de uma ideia. É este o conceito racional da forma de um todo, a condição de que mediante ele, determinem-se a priori, tanto o âmbito do múltiplo, como a posição das partes entre si”(ARAÚJO, Vandyck Nóbrega de. Idéia de

sistema e de ordenamento no direito. Porto Alegre: Fabris, 1986. p 31.) João Batista Lopes traz que tal

unidade necessita aind de uma integração para ser qualificado como sitema: “Sistema não é apenas a reunião de elementos, mas também as relações que entre eles se estabelecem, ou seja, a interação.” (LOPES, João Batista. Curso de Direito Processual Civil. São Paulo: Atlas, 2005, v. 01, p. 3)

98 “If no appeal were possible... This would not be a desirable country to live in.” (DREWRY, Gavin; BLOM-

COOPER, Louis; BLAKE, Charles. The Court of Appeal. Oxford: Hart, 2007. p. 66).

99 “A Constituição Federal descreve a estrutura do Poder Judiciário e cria Tribunais, cuja função,

preponderantíssimamente, é a de julgar recursos. Não está, de fato, expresso na Constituição o princípio do duplo grau de jurisdição (o que não é óbice a que seja considerado princípio constitucional) e se sabe que a lei ordinária cria, como acabou de criar, ‘exceções’ a esse princípio (o que também não conflita com a natureza de princípio constitucional que tem esta regra). Consideramos ser o princípio do duplo grau de jurisdição um princípio constitucional por estar indubitavelmente ligado à noção que hoje temos de Estado de Direito” (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; WAMBIER, Luiz Rodrigues; MEDINA, José Miguel Garcia.

Breves comentários à nova sistemática processual civil. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

p.267). No mesmo sentido: GRINOVER, Ada Pellegrini. Os princípios constitucionais e o Código de

Processo Civil. São Paulo: Bushatsky, 1975. p. 140. Em sentido contrário: MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p. 73.

infraconstitucional e proporcionar a possibilidade de o jurisdicionado ter acesso à decisão colegiada e, assim, manter o Estado de Direito.

Portanto, cumpre salientar que deve se verificar qual a legislação que preceitua pela possibilidade de recurso, o que, conforme se verifica no art. 102, e seguintes, é a Constituição Federal. Nossa Lei Maior dispôs sobre tais premissas quando: a) prevê a competência dos Tribunais regionais para revisar causas em primeiro grau de jurisdição100; b) atribui competência ao Superior Tribunal de Justiça para revisar lides que surjam nos Tribunais regionais101 e; c) atribui competência ao Supremo Tribunal Federal para revisar lides surgidas no Superior Tribunal de Justiça102. Posto isso, constata-se a presença e a função do princípio do duplo grau de jurisdição em nossa Constituição Federal, em regra em todas as lides, sejam as postuladas num juízo monocrático, sejam as postuladas no Superior Tribunal de Justiça. Sendo assim, denota-se, ainda que implicitamente, o resguardo constitucional ao duplo grau de jurisdição.

Outra questão atinente ao ora ventilado princípio há quando se estuda se ele se refere apenas à possibilidade de revisão de uma decisão, ou se a mencionada revisão deve dar-se obrigatoriamente por outro órgão jurisdicional, hierarquicamente superior à autoridade prolatora.

Em Portugal, a doutrina é clara ao preceituar que o princípio do duplo grau de jurisdição é a possibilidade de revisão de uma decisão por órgão hierarquicamente superior.103 Autores existem que se reportam a Liebman, o qual formulou projeto de lei para estabelecer o princípio do duplo grau de jurisdição no direito italiano, sendo este a possibilidade de revisão da decisão por outro Tribunal.104

100 “Art. 108. Compete aos Tribunais Regionais Federais: [...] II - julgar, em grau de recurso, as causas decididas

pelos juízes federais e pelos juízes estaduais no exercício da competência federal da área de sua jurisdição.”

101 “Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: [...] II - julgar, em recurso ordinário:

a) os ‘habeas-corpus’ decididos em única ou última instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão for denegatória; b) os mandados de segurança decididos em única instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando denegatória a decisão”

102 “Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

[...]

II - julgar, em recurso ordinário: a) o ‘habeas-corpus’, o mandado de segurança, o ‘habeas-data’ e o mandado de injunção decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão”

103 “Por duplo grau de jurisdição entende-se, no seu sentido mais restrito, a possibilidade de obter o reexame de

uma decisão jurisdicional, em sede de mérito, por um outro juiz pertencente a um grau de jurisdicional superior (instância de grau superior)” (MARCATO, Ana Cândida Menezes. O princípio do duplo grau de

jurisdição e a reforma do código de processo civil. São Paulo: Atlas, 2006. p. 25).

104 “No sistema de duplo grau de jurisdição, pelo contrário, preconizava-se, tão somente, a garantia de que

qualquer decisão judicial poderia ser reexaminada por um outro tribunal superior, tribunal de revista ou cassação. Este sistema é designado por Carnelutti como sistema da (decisão) posterior prevalente.” Não tendo entre nós acolhimento no presente o sistema da “dupla conforme”, pode dizer-se que a regulamentação de recursos cíveis comporta, de um modo geral, a garantia do duplo grau de jurisdição. Como escreve o

Muito provavelmente por influência de Liebman, na Itália, quando se trata do princípio do duplo grau de jurisdição, hodiernamente os doutrinadores estabelecem a obrigatoriedade de revisão da decisão judicial por Tribunal diverso. Essa opinião é exteriorizada por Michele Taruffo, Luigi Paolo Comoglio e Corrado Ferri.105

Já na França,106 o princípio em apreço diz respeito apenas à possibilidade de revisão da decisão, não sendo necessária sua submissão a outro órgão da jurisdição para lhe dar legitimidade.

Por ora, tendo em vista que a existência, em si, do duplo grau de jurisdição consiste na verificação da competência recursal dos órgãos jurisdicionais hierarquicamente superiores, defende-se que a revisão da decisão judicial seja obrigatoriamente realizada por órgão hierarquicamente superior a seu prolator, sempre analisando o direito subjetivo (revisão da causa em seu todo), assim como entende John Henry Merryman107 e parte da doutrina italiana108 e inglesa109.

No Brasil, entende-se que o referido princípio se traduz na “possibilidade de reapreciação do mérito da causa, por meio do reexame da decisão final de instância original,

processualista italiano Liebman, autor de um projeto de reforma da lei processual civil italiana que não setransformou em lei, um princípio acolhido universalmente pretende que todas as controvérsias possam, depois do primeiro juízo, passar por um exame de outro órgão (em regra superior), a fim de serem julgadas uma segunda vez, numa nova fase processual que é o prosseguimento de um mesmo processo. Este segundo juízo é o juízo da apelação: o recurso (impugnazione), mais amplo, é também o mais freqüente, aquele a que, mais do que qualquer outro, está confiada a função própria dos recursos, a de apresentar um meio de controle das sentenças e uma garantia de uma melhor justiça. (LIEBMAN, Enrico Tullio. Manuale di diritto

processuale civile. 3. ed. 1976. p. 45 apud MENDES, Armindo Ribeiro. Recursos em processo civil. 2. ed.

Lisboa: Lex, 1994. p. 96-97).

105 “Il principio è quindi rispetatto in tutti i casi in cui abbia luogo piuttosto um ‘doppio invito’ delle parti al

giuidice di dicidere sulla domanda, anche senza l’effettivo esame di esso e la regola esprime la mera possibilità di riproporre ad um giudice diverso uma domanda già sottoposta al primo giudice” (COMOGLIO, Luigi Paolo; FERRI, Corrado; TARUFFO, Michele. Lezione sul processo civile. 4. ed. Bologna: Il Mulino, 2006. p. 612).

106 No direito francês, encontramos uma conceituação que relaciona o duplo grau de jurisdição com a

possibilidade de duplo exame de questões litigiosas. (COMOGLIO, Luigi Paolo; FERRI, Corrado; TARUFFO, Michele. Lezione sul processo civile. 4. ed. Bologna: Il Mulino, 2006. p. 25).

107 “Na tradição da civil Law, o direito ai duplo grau de jurisdição inclui o direito à reconsideração de questões

de fato e de direito”. (MERRYMAN, John Henry; PÉREZ-PERDOMO, Rogelio. A tradição da civil law. Uma introdução aos Sistemas Jurídicos da Europa e da América Latina. Tradução Cássio Casagrande. Porto Alegre: Fabris, 2009. p. 166.)

108 “A fortoriori, la soppressione della ‘copertura’ constituzionale del principio che assicura ‘sempre’ la

possibilita de impugnare ‘per violazione di legge’ qualsiasi ‘sentenza’ dinanzi al giudice supremo di legittimità compromette in modo serio l’effetività delle garanzie ‘soggettive’ di tutela dell’individuo, sottraendo contraddittoriamente (e paradossalmente) a tale ‘copertura’ anche Il controllo di legalità sulla piena osservanza dell’obbligo di ‘motivazione’ dei provvedimenti giurisdizionali, che Il comma dell’art. 131 si è curato precettivamente (ed opportunamente) di riaffermare.” (COMOGLIO, Luigi Paolo. Il doppio grado di giudizio nelle prospettive di revisione costituzionale. Rivista di Diritto Processuale, v. 54, n. 2. Bologna: Cedam, apr./giu. 1999. p. 333).

109 “The general principle is that an appeal lies to a judge in the next court in the hierarchy of civil courts.”

(DREWRY, Gavin; BLOM-COOPER, Louis; BLAKE, Charles. The Court of Appeal. Oxford: Hart, 2007. p. 67).

abrangendo tanto as questões de fato como as de direito, por órgão jurisdicional diverso, sendo este de hierarquia superior ou final.”110

A Lei Maior, conforme exemplos já expendidos, manifestou-se no sentido de que

No documento Rafael de Oliveira Guimarao (páginas 33-42)

Outline

Documentos relacionados