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RAÍZES HISTÓRICAS E DE DIREITO COMPARADO

No documento Rafael de Oliveira Guimarao (páginas 158-163)

5 DOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA

5.2 RAÍZES HISTÓRICAS E DE DIREITO COMPARADO

Os embargos de divergência ou, pelo menos, o meio de provocar a manifestação do órgão de cúpula de um Tribunal Superior, acerca da correta interpretação de tese jurídica ante a discrepância entre dois órgãos fracionários, já existia no Código Filipino434. No Brasil, mais precisamente, a legislação previu a figura dos “embargos” na Lei n. 319/37, e posteriormente no art. 6.º, II, b, do Dec.-Lei 6/1937, contra as decisões de turmas que apresentassem divergência com aquelas de outra Turma ou do Pleno do STF435.

O Código de Processo Civil de 1939, quanto ao termo “embargos”, somente previa, em seu art. 833, o recurso contra decisões não unânimes que houvessem reformado a sentença, o que se assemelha muito mais aos embargos infringentes. Porém, em seu art. 853, previu o recurso de revista, assim dispondo:

Conceder-se-á recurso de revista nos casos em que divergem, em suas decisões finais, duas ou mais câmaras, turmas ou grupo de câmaras, entre si, quanto ao modo de interpretar o direito em tese. Nos demais casos, será o recurso extensivo à decisão final de qualquer das câmaras, turmas ou grupos de câmaras, que contrariar outro julgado, também final, das câmaras cíveis reunidas.

431 Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel. Efeito vinculante das decisões judiciais. In: Fundamentos do Processo Civil Moderno. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 1226. apud ABDO, Helena Najjar. Embargos de

Divergência: aspectos históricos, procedimentais, polêmicos e de direito comparado. In: NERY JUNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coords.). Aspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos Cíveis. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. v. 9.p. 231.

432 Cf. HART, Herbert Lionel Adolphus. The concept of Law. 2. ed. Norfolk: Oxford University Press, 1994. p.

115. No mesmo sentido: RAZ, Joseph. O conceito de sistema jurídico. Uma introdução à teoria dos sistemas jurídicos. São Paulo: Martins Fontes, 2012. p. 44.

433 Cf. ASSIS, Araken de. Manual dos recursos. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.p. 669. 434 Título 95, Livro 3 do Código Filipino.

435 Preconizava o mencionado artigo que seriam admissíveis: “embargos para o Tribunal Pleno dos julgamentos

das turmas: (...) II – quando, embora não se verifique unanimidade no julgamento, o acórdão embargado (...) b) estiver em manifesta divergência com a jurisprudência do Tribunal Pleno ou de outr turma.”

Ou seja, a previsão do recurso de revista não estava adstrita somente ao STF, mas a todos os Tribunais, pois tratava expressamente do órgão “câmaras reunidas”, órgão exclusivo dos tribunais locais.

O Supremo Tribunal Federal, por conta desse entendimento de que o recurso de revista era cabível em qualquer recurso, e em qualquer Tribunal, desde que houvesse divergência entre o resultado de um recurso/ação originária e um julgado acerca da mesma questão, passou a entender que o recurso de revista não era cabível dentro da Corte Suprema436. Diante de tal impasse, a Lei n. 623/49 instituiu o parágrafo único ao art. 833, determinando o cabimento do recurso de revista também no âmbito do Supremo, nomeando-o, porém, de embargos. Assim previa tal dispositivo; “além de outros casos admitidos em lei, são embargáveis no STF, as decisões das Turmas, quando divirjam, entre si, ou de decisão tomada pelo Tribunal Pleno”.

O Código de Processo Civil de 1939 não trazia nenhum procedimento para os mencionados embargos, como, aliás, não fazia para a maioria dos recursos, o que provocou o Supremo Tribunal Federal a prever em seu Regimento Interno toda a sistemática do recurso (cf. arts. 330 a 336).

O Código de Processo Civil de 1973 previu originariamente, em seu art. 546, que o procedimento do recurso extraordinário seria delimitado pelo Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Em seu parágrafo único, estabeleceu que, “além dos casos admitidos em lei, é embargável, no Supremo Tribunal Federal, a decisão da turma que, em recurso extraordinário ou agravo de instrumento, divergir do julgamento de outra turma ou do plenário”. Vê-se que, a partir de 1973, o antigo recurso de revista, até o citado momento nomeado simplesmente de “embargos”, não era mais permitido em todos os recursos, ações originárias, ou mesmo em todos os Tribunais regionais.

A partir de 1973, o mencionado recurso passou a ser admitido somente no Supremo Tribunal Federal, entendendo o legislador que unicamente a igualdade de interpretação de teses jurídicas no Supremo é que merecia a guarida recursal. No mais, houve também a restrição do recurso para exclusivamente poder ser manejado para impugnar acórdãos de recurso extraordinário ou agravo de instrumento. Tal mudança, provavelmente, ocorreu para adequar o Código de Processo Civil ao Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, que previu o recurso desta forma em seu art. 317, conforme muito bem observou Helena Najjar

436 Cf. DELGADO, José Augusto. Aspectos gerais dos embargos de divergência. Disponível em:

Abdo437. Além de quê, foi a primeira vez que o recurso passou a ser nomeado como embargos de divergência por uma lei federal (art. 496, VIII, do CPC). Anteriormente, tal nomenclatura era utilizada somente pelos Regimentos Internos.

Tendo em vista a criação do Superior Tribunal de Justiça, com a Constituição Federal de 1988, e o deslocamento da competência para o referido Tribunal Superior no que tange à guarda da interpretação da legislação infraconstitucional pela via do recurso especial, fez-se necessária a criação dos “embargos” também para o Superior Tribunal de Justiça.

A chamada “1.ª Lei de Recursos”, a Lei n. 8.038/90, que estabeleceu o regramento de alguns recursos e ações originárias para ambos os Tribunais Superiores, preceituou, em seu art. 29, que “é embargável, no prazo de quinze dias, a decisão da turma que, em recurso especial, divergir do julgamento de outra turma, da seção ou do órgão especial, observando-se o procedimento estabelecido no regimento interno”. Como muito bem salientado por Nelson Nery Junior, tratou-se de “cochilo” do legislador438, ao regrar o cabimento dos embargos, revogando assim a disposição do Código de Processo Civil de 1939, e não se referindo ao cabimento dos embargos para impugnar acórdão de recurso extraordinário, mas somente o recurso especial.

O Supremo Tribunal Federal, porém, continuou a admitir os embargos mesmo diante da falha legislativa, uma vez que esses possuíam previsão no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal439. Ocorre que tal previsão carecia de validade, por flagrante inconstitucionalidade na competência legislativa (cf. art. 22, I da CF/88), já que não poderia um recurso ser previsto por Regimento Interno, tão somente por Lei de iniciativa da União Federal.

Devido a este vício de inconstitucionalidade, quanto ao cabimento do recurso em estudo para impugnar acórdão de recurso extraordinário, com total acerto os processualistas Gilson Delgado Miranda e Patrícia Miranda Pizzol440 entendem que o recurso de embargos de divergência passou a não ser cabível no âmbito do STF. Isso porque diante da previsão do recurso de embargos de divergência pelo art. 29 da Lei 8.038/90 – que previa o recurso

437 Cf. ABDO, Helena Najjar. Embargos de Divergência: aspectos históricos, procedimentais, polêmicos e de

direito comparado. In: NERY JUNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coords.). Aspectos

Polêmicos e Atuais dos Recursos Cíveis. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. v. 9. p. 227.

438 Cf. NERY JUNIOR, Nelson. Atualidades sobre o Processo Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,

1996.p. 187.

439 Cf. BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Pleno, ERE n. 121.957-2, rel. Min. Sepúlveda Pertencej. 20.06.91, RT 682/244; Cf. MIRANDA, Gilson Delgado; PIZZOL, Patrícia Miranda. Recursos no Processo Civil. 5. ed.

São Paulo: Atlas, 2007.p. 163.

440 Cf. MIRANDA, Gilson Delgado; PIZZOL, Patrícia Miranda. Recursos no Processo Civil. 5. ed. São Paulo:

somente para impugnar acórdão de recurso especial –, o art. 546 do CPC, que previa a impugnação via embargos para os acórdãos de recurso extraordinário, foi revogado.

Felizmente, tal polêmica foi solucionada pela Lei n. 8.950/94, que incluiu o cabimento dos embargos de divergência para impugnar acórdão de recurso extraordinário novamente no art. 546 do CPC, preceituando que “é embargável a decisão da turma que: I – em recurso especial, divergir do julgamento de outra turma, da seção ou do órgão especial; II – em recurso extraordinário, divergir do julgamento da outra turma ou do plenário”. Salienta-se que o parágrafo único do mencionado artigo novamente remete o processamento dos embargos de divergência para os Regimentos Internos (arts. 330 a 336 no RISTF; arts. 266 e 267 do RISTJ).

O importante dessa nova previsão dos embargos de divergência no Código de Processo Civil, é que ela restringiu ainda mais o cabimento do mencionado recurso. No CPC de 1939, o cabimento era de acórdão de recurso extraordinário ou agravo de instrumento. Jjá o CPC de 1973, previu o cabimento dos embargos somente no caso de recurso excepcional – especial ou extraordinário.

No direito estrangeiro, o recurso de embargos de divergência não é detentor de tal nomenclatura, tampouco regramento idêntico ao do direito brasileiro, porém, no direito comparado, encontram-se recursos com a mesma finalidade, ou seja, eliminar a discrepância de entendimentos dentro dos Tribunais Superiores.

O CPC Português, por exemplo, conforme adverte Rodrigo da Cunha Lima Freire441, traz o recurso para o Tribunal Pleno quando uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça, desde que ainda não transitada em julgado, divergir de outra já transitada quanto à interpretação de norma jurídica vigente ou tese jurídica.

441 “Artigo 763. (Fundamento do Recurso). 1. Se, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de

Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão fundamental de direito, assentem sobre soluções opostas, pode recorrer-se para o Tribunal Pleno de acórdão proferido em último lugar. 2. Os acórdãos consideram-se preteridos no domínio da mesma legislação sempre que, durante o intervalo de sua publicação não tenha sido introduzido qualquer modificação legislativa que interfira, direta ou indiretamente, na resolução de questão de direito controvertida. 3. Os acórdãos opostos hão de ser proferidos em processos diferentes ou em incidentes diferentes do mesmo processo: neste último caso, porém, se o primeiro acórdão constituir caso julgado para as partes, o recurso não é admissível, devendo observar-se o disposto no artigo 675. 4. Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior com trânsito julgado; mas presume-se o trânsito, salvo se o recorrido alegar que o acórdão não transitou”. (FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Embargos de Divergência em Recurso Especial e em Recurso Extraordinário. São Paulo, 2004, 334 f. Tese (Doutorado em Direito) – Pós-graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação do Prof. José Manoel de Arruda Alvim Netto. p. 61).

Conforme salientado por Helena Najjar Abdo442, o Dec-Lei 329-A, de 12-12-1995, revogou tal disposição, transpondo a essência desse recurso para o art. 732-A, na seção intitulada “julgamento ampliado da revista”. Ou seja, ainda há a possibilidade de o recorrente provocar a revisão da decisão quando esta divergir de outra decisão do mesmo Tribunal, porém o rol dos legitimados não se restringe às partes, mas está ampliado ao Ministério Público, relator e demais julgadores do caso. Assim, vê-se que o julgamento ampliado da revista no direito português é uma mescla de embargos de divergência com incidente de uniformização de jurisprudência do direito brasileiro. Este último, em que o próprio relator determina o envio dos autos ao órgão superior para julgamento.

A diferença é que, no Direito português, também os outros julgadores podem requerer o envio dos autos para corrigir a divergência. Deste modo, a legislação portuguesa contempla, em um único incidente, um rol mais ampliado de legitimados para seu processamento do que os embargos de divergência e incidente de uniformização contemplam juntos no Brasil.

Na Itália, como modelo de sistema europeu, o recurso excepcional é somente um: o ricorso per cassazione, já tratado neste trabalho, para assegurar a exata observância da lei, sua interpretação uniforme e a unidade do direito nacional. Na Itália, não existe algo semelhante aos embargos de divergência, mas sim semelhante à Reclamação do direito brasileiro. Está previsto, no art. 374 do CPC Italiano, que o Presidente do Tribunal pode remeter os autos ao Plenário se houver a manutenção da decisão do Tribunal inferior e esta estiver em desacordo com o entendimento do Tribunal de Cassação. Nesse caso, o Presidente remete os autos ao Plenário para impugnar a decisão do Tribunal inferior, e não a decisão da Corte de Cassação que a manteve, e, no caso de provimento, os autos são remetidos ao Tribunal de origem para a aplicação do direito estabelecido pela Corte de Cassação ao caso concreto.

Na França, o sistema é parecido com o italiano, tanto na função da Corte de Cassação quanto no modo de solucionar as divergências jurisprudenciais, não cabendo recurso de decisões da própria Corte, somente os incidentes provocados pelos próprios julgadores, conforme previsto no art. 640 do CPC francês.

Na Espanha há uma disposição bem interessante. O recurso de casación também é admitido aos Tribunais Superiores, conforme art. 478 da Ley de Enjunciamento Civil. Porém, contra a decisão dos Tribunais Superiores, somente são legitimados para apresentar, no prazo de um ano, ao Tribunal Supremo, o recurso em interes de la ley quando a decisão de alguma

442 ABDO, Helena Najjar. Embargos de Divergência: aspectos históricos, procedimentais, polêmicos e de direito

comparado. In: NERY JUNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coords.). Aspectos Polêmicos e

Câmara da Corte de Cassação divergir de decisão de outra, o Ministerio Fiscal, o Defensor Del Pueblo e algumas pessoas jurídicas de direito público, na forma do art. 491. No caso de provimento do recurso, o decidido pelo Tribunal Supremo passa obrigatoriamente a integrar o ordenamento segundo o art. 493 do Diploma Processual Civil Espanhol443.

Na Argentina se encontra outra peculiaridade. O Código Processual Civil y Comercial de la Nación preceitua, em seu art. 288, o cabimento de recurso de inaplicabilidad de ley para o Plenário do Tribunal, quando houver sentença definitiva que contrariar entendimento acerca da mesma tese jurídica exteriorizado nos últimos dez anos.

Há uma semelhança grande com os embargos de divergência brasileiros quando se exige a demonstração, de forma analítica, do dissenso jurisprudencial (art. 292), porém, na Argentina, o resultado do julgamento obriga a câmara que o proferiu a sempre seguir o entendimento do Plenário, o que também ocorre com todos os juízes de primeiro grau, ou seja, possui força vinculante.

No documento Rafael de Oliveira Guimarao (páginas 158-163)

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