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O JUÍZO DE CASSAÇÃO E O JUÍZO DE REVISÃO NA FRANÇA

No documento Rafael de Oliveira Guimarao (páginas 186-189)

5 DOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA

6 O JUÍZO DE MÉRITO DOS RECURSOS EXCEPCIONAIS JUÍZO DE CASSAÇÃO E JUÍZO DE REVISÃO

6.2 O JUÍZO DE CASSAÇÃO E O JUÍZO DE REVISÃO NA FRANÇA

O sistema francês, onde surgiu a nomenclatura e muitas características do recurso de cassação, possui até os dias de hoje uma característica marcante que facilita a distinção entre os juízos de cassação e revisão. Na França, provavelmente com o objetivo de adequar a função do Tribunal ao recurso, e assim deixando o recurso de cassação com a função exclusivamente nomofilática, ao menos por lei, a competência dos juízos de cassação e revisão é dividida. Ou seja, na França o Tribunal de Cassação possui uma função predominantemente nomofilática, sendo os magistrados deste Tribunal somente intérpretes de questões de direito e declaram se o Tribunal local apreciou corretamente a questão de direito ou não. No Tribunal francês, caso haja um juízo de cassação positivo, o Tribunal de Cassação, que tem a função nomofilática exclusiva, somente “cassa” a decisão do Tribunal local e remete a causa a um Tribunal local.

Nos dizeres de Roger Perrot498, no caso de uma decisão recorrida não ter aplicado corretamente um preceito normativo, o Tribunal de Cassação anula a decisão com a expressão “decisão cassada” e, segundo o mesmo processualista francês499, remete a causa a outra Corte

498 “La Cour de Cassation n’est pas de statute sur les pretentions des parties pour les départager: son seul role est

de rechercher si le juge a correctement appliqué la règle de droit et d’annuler son jugement (de le ‘casser’) s’il appraît que la loi n’a pás été respectée. C’est tout.” (PERROT, Roger. Institutions judiciaires. 12. ed. Paris: Montchrestien, 2006. p. 179).

499 “[…] que l’on appelle la ‘juridiction de renvoi’ laquelle, pour échapper à tout prejudge, sera différente de

celle dont la decision a été cassée.” (PERROT, Roger. Institutions judiciaires. 12. ed. Paris: Montchrestien, 2006. p. 179).

de Apelação para que esta aplique aquela solução jurídica nos limites estabelecidos pelo Tribunal de Cassação ao caso500, o que os franceses chamam de la regle de droit.

Observa-se que, no direito francês, é dada grande importância ao formalismo. Diferenciam-se bem as funções de: (a) apreciar o direito objetivo, atividade nomofilática exclusiva de jurisdição extraordinária, portanto da Corte de Cassação, que, como órgão de superposição, somente realiza tal ato com o fim de resguardar a correta aplicação do Direito; (b) apreciar o direito subjetivo da parte, que consiste desde o primeiro julgamento da causa, como também na aplicação da solução jurídica dada pela Corte de Cassação para o caso, pois somente um órgão de jurisdição ordinária poderia ter acesso ao direito subjetivo da parte, atividade típica da jurisdição ordinária e, assim, aplicar a solução jurídica num caso concreto.

Está-se tratando, nesse caso, de um sistema eminentemente puro, em que o Tribunal de Apelação é órgão de revisão em segundo grau de jurisdição, e tem a função constitucional de revisar a causa em seu todo e resguardar o direito subjetivo do cidadão. No caso de recurso de cassação para o Tribunal correspondente, este somente pode apreciar a questão de direito envolvida e declarar se o Tribunal de Apelação a aplicou corretamente. Em ocorrendo o error in judicando do Tribunal local, como o Tribunal de Cassação não pode ter contato com o direito subjetivo da parte, envia a causa para outro Tribunal de Apelação, que vai aplicar a solução jurídica dada pelo Tribunal de Cassação aos fatos apreciados pelo primeiro Tribunal de Apelação que originarimante julgou a causa.

As razões para tanto são apontadas pelo Conselheiro Honorário da Corte de Cassação, Yves Chatrier501. Este afirma que há uma razão teórica, sendo esta o fato de que o Tribunal de Cassação somente resguarda a unificação da aplicação do Direito, e não o caso concreto, e também uma razão prática, pois aplicar a lei, no caso concreto, seria função do juízo de fato, ou seja, dos Tribunais locais que são os Tribunais de instância ordinária e podem conhecer do direito subjetivo das partes.

A Corte de Cassação francesa, em casos raríssimos, não aprecia somente a questão jurídica levantada pela parte-recorrente, como aplicada erroneamente pelo Tribunal local. Uma dessas exceções é o contido do artigo 620 do CPC francês502. O mencionado dispositivo

500 “La cassation, on le sait, s’accompagne normalement d’un renvoi de le cause devant une jurisdiction du

meme rang que celle qui a rendu la decision cassée qui rejugera l’affaire dans les limites de la cassation intervenue.” (BACHELLIER, Xavier; JOBARD-BACHELLIER, Marie-Nöelle. La technique de cassation: pourvois et arrest en matière civile. 7. ed. Paris: Dalloz, 2010. p. 18).

501 “Raison théorique: elle se situerait, sinon, en dehors de sa missión d’unification du droit, puisque chaque

contrat est une cas particulier. Raison pratique: elle serait submergée, et ferait alors en pratique fonction de juge du fait.” (CHARTIER, Yves. La Cour de Cassation. 2. ed. Paris: Dalloz, 2001. p. 62).

502 “D’autre part, même si un moyen de fond (à l’exclusion d’un moyen de forme) est fondé, la Cour de

trata de a possibilidade da Corte de Cassação somente modificar o fundamento da decisão, o que poderia ser feito mesmo de ofício. Um exemplo seria um caso em que o Tribunal local tenha entendido pela procedência de um pedido condenatório contra um cidadão ante sua responsabilidade civil contratual. O Tribunal de Cassação, mesmo sem ser provocado, se verificar que, pelos elementos da decisão recorrida, não se trata de responsabilidade civil contratual, mas extracontratual, pode alterar o fundamento sem alterar o dispositivo da decisão.

É uma hipótese rara que pode ser entendida como mera apreciação de erro material da decisão conforme adverte Xavier Bachellier503, um caso excepcional.

Exemplificando, na França, a sistemática de juízo de cassação e juízo de revisão tem uma divisão de competência que autoriza a chamar o sistema francês de predominante puro504, em que somente a jurisdição ordinária realiza a apreciação do direito subjetivo, e a jurisdição extraordinária realiza uma função exclusivamente nomofilática (atividade de solucionar somente questões de direito, ou seja, apreciação exclusiva de direito objetivo). No caso do Tribunal de Apelação de Lyon decidir um caso concreto, e tal decisão for objeto de recurso de cassação, e, no caso de o Tribunal de Cassação entender que o Tribunal de Lyon não aplicou corretamente a lei ao caso concreto, o Tribunal de Superposição realiza um juízo de cassação positivo e cassa a decisão. Depois de cassar a decisão, o Tribunal de Cassação envia a causa para o Tribunal de Apelação de Marselha, por exemplo, para que este realize o juízo de revisão no caso. Esse último tem o dever de aplicar a solução jurídica dada pelo Tribunal de Cassação à premissa fática decidida pelo Tribunal de Apelação de Lyon. O Tribunal que realiza o juízo de revisão vai declarar como o caso concreto vai ser literalmente resolvido, de acordo com a interpretação legal dada pelo Tribunal de Cassação, sendo vedado ao Tribunal de Marselha rediscutir questão já decidada pelos Tribunais anteriores, segundo

NCPC) quand elle trouve suffisamment à prendre appui sur les seules constatations de fait de l’ârret: c’est le cas, par exemple, lorsque elle substitute une responsabilté contractuelle à une responsabilité délictuelle.” (CHARTIER, Yves. La Cour de Cassation. 2. ed. Paris: Dalloz, 2001. p. 72).

503 “La Cour de Cassation réduit la contradiction entre les motifs et le dispositive à une simple erreur matérielle

ne donnait pas ouverture à cassation mais devant être rectifée dans les condictions prèvues par l’article 462 du Code de procedure civile.” (BACHELLIER, Xavier; JOBARD-BACHELLIER, Marie-Nöelle. La

technique de cassation: pourvois et arrest en matière civile.7. ed. Paris: Dalloz, 2010.p. 184).

504 Embora o CPC francês não contenha previsão de julgamento sem reenvio. A doutrina francesa entende que

em alguns casos a Corte de Cassação pode realizar a cassação sem reenvio e solucionar o caso como um todo, com base no Código de Organização Judiciária na França, desde que não haja nenhma necessidade de nova apreciação fática. O art. 411-3, do Código de Organização Judiciária da França “elle peut est-dit, en cassant sans renvoi, mettre fin au litige lorsque les faits, tels qu’ils on été souverainement constátes et appréciés par les juges du fond, lui permettent d’appliquer la règle de droit appripriée.” (DOUCHY-OUDOT, Mélina. Prócedure civile. 3. ed., Paris: Gualino, 2008, p. 399)

Loîc Cadiet505. Sua função é exercer o juízo de revisão, declarando como a questão de solução de direito deve ser aplicada ao caso, e, segundo o art. 632 do CPC francês506, somente pode ser conhecida pelo “juízo de reenvio” questões de ordem superveniente.

Vê-se, desta forma, que no ordenamento jurídico da França é facilmente detectável a distinção entre juízo de cassação e juízo de revisão, pois, ante o fato de o sistema francês ser classificado como puro quanto à divisão entre jurisdição ordinária e extraordinária, há uma divisão de competência com relação a essas fases do mérito de um recurso de cassação, o que facilita a distinção e a identificação desses ora ventilados juízos.

No documento Rafael de Oliveira Guimarao (páginas 186-189)

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