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RECURSO EXTRAORDINÁRIO POR VIOLAÇÃO DIRETA À CONSTITUIÇÃO

No documento Rafael de Oliveira Guimarao (páginas 124-128)

4 DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO

4.1 RECURSO EXTRAORDINÁRIO POR VIOLAÇÃO DIRETA À CONSTITUIÇÃO

Determina o art. 102, III, a, da CF/88 que caberá recurso extraordinário quando a parte-recorrente alegar que o acórdão recorrido “contrariou dispositivo desta Constituição”. Trata-se da hipótese mestra de cabimento do recurso extraordinário. Tal como ocorre com o recurso especial anteriormente estudado, a alínea a será alegável sempre, independentemente das outras, ou concomitantemente a elas.

A contrariedade da decisão recorrida com a Constituição é a hipótese típica de cabimento de recurso extraordinário.

Cumpre salientar que a Constituição de 1967 (com a Emenda I/1969) previa o cabimento de recurso extraordinário contra acórdão que contrariasse a Constituição, e também contra o que negasse vigência a lei federal. Por isso, com relação à discussão da legislação infraconstitucional pelos Tribunais Superiores, anteriormente a 1988 por meio de recurso extraordinário, entendia-se que era necessário uma violação qualificada, persistindo a incidência da Súmula 400 do STF, anteriormente combatida no presente estudo.

Com relação às normas constitucionais, não há a necessidade de uma violação qualificada ou mesmo de um estudo do que seria uma negativa de vigência. “Contrariar” tem um sentido bem mais amplo e “abrange toda e qualquer interpretação errônea ao texto constitucional.”330 Verifica-se a contrariedade à Constituição Federal quando o acórdão recorrido não interpretou331 da melhor forma o texto constitucional, não se admitindo nenhuma interpretação razoavelmente adequada. “A lei não admite duas exegeses diferentes, e ambas certas; uma delas estará necessariamente contrariando o mandamento da lei, que só pode ser um, e para dizê-lo existe o Superior Tribunal de Justiça.”332 Qualquer manifestação de um Tribunal de instância ordinária que seja diferente da que o Supremo Tribunal Federal entende como a melhor interpretação do texto constitucional enseja o cabimento de recurso extraordinário com base na alínea a do inc. III do art. 102 da CF/88.

330 ASSIS, Araken de. Manual dos recursos. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.p. 762.

331 Interpretação aqui sendo utilizado o conceito de Eduardo Couture, no sentido de que a exegese da norma é

revelada no seu sentido gramatical, ou seja, o reconhecimento de que a lei é expressa em palavras e que sempre é necessário começar pelo conhecimento, para depois, se passar ao processo histórico da norma, depois métogo lógico e sistemático, para depois se compreender o que o texto normativo encerra com relação à realidade.” (COUTURE, Eduardo J. Interpretação das leis processuais. Tradução Gilda Maciel Correia Meyer Russomano. 4. ed. Rio de Janeiro, 2001. p. 1-4.

332 CARNEIRO, Athos Gusmão. Do recurso especial e seus pressupostos de admissibilidade. Revista Jurídica,

Embora possa ser de fácil compreensão a exegese do dispositivo constitucional, tendo em vista as hipóteses de cabimento de recurso extraordinário e algumas questões de ordem prática, esclarecimentos complementares são de suma importância.

A Constituição brasileira, como é da essência de todas as Cartas Constitucionais, é formada por normas de maior abstração possível, com o objetivo de estabelecer regras de interpretação e criação para todas as outras legislações. Com isso, é admissível que a Constituição possua normas que estabeleçam regras para normas infraconstitucionais, de modo que, em uma eventual discussão acerca da norma constitucional, deve se levar em conta esta especificamente, e não a norma dela originada. Por exemplo, tem-se a norma constitucional que estabelece o contraditório e a ampla defesa, e uma regra infraconstitucional que obriga a manifestação da parte contrária sobre todo documento ou apontamento feito pela outra parte. Em uma possível ausência de intimação da parte contrária para se manifestar acerca de um documento, apesar de, em tese, estar sendo ferido o princípio do contraditório, primeiramente e mais diretamente, foi desrespeitada a norma infraconstitucional que previa aquela intimação específica.

Por isso, para que se discuta a contrariedade de uma norma constitucional por meio de recurso extraordinário, a discussão deve ser unicamente sobre ela, jamais necessitando da análise de um dispositivo infraconstitucional. Assim, se diz que a contrariedade à Constituição deve ser direta e não reflexa – necessitando de uma norma chamada “de permeio”333 para solucionar a questão de direito. Considera-se direta “a ofensa que atinge diretamente o preceito constitucional, independentemente de interpretação de norma infraconstitucional”.334

Fredie Didier Junior e Leonardo José Carneiro da Cunha335 estabelecem que o método para detectar se a infração é reflexa ou direta é examinar a ordem de verificação das normas. Se a verificação for conjunta, há a infração às duas normas (infraconstitucional e constitucional), inclusive atraindo a incidência da Súmula 126 do STJ. Já do contrário, se primeiramente for necessária a verificação da norma infraconstitucional, será essa a norma violada frontalmente. Em outras palavras, se, para demonstrar a contrariedade a dispositivo constitucional, é preciso, antes, demonstrar a ofensa à norma infraconstitucional, então foi

333 “Quando é o próprio texto constitucional que resultou ferido, sem “lei federal” de permeio, ainda que esta

última por ventura também tenha sido violada.” (MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário

e recurso especial. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 223).

334 BARIONI, Rodrigo. Ação rescisória e recursos para os tribunais superiores. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2010. p. 204.

335 Cf. DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da.Curso de direito processual civil. Meios de

essa que se contrariou, e não aquela. Não importa, portanto, o recurso extraordinário, cabendo, nesse caso, sim, o recurso especial para o STJ. A hipótese de que é possível o manejo unicamente de recurso extraordinário, ocorre quando a infração a dispositivo constitucional puder ser avaliada interpretando-se somente tal dispositivo.

Não é por outra razão que o enunciado 636 do STF tem o seguinte teor: “Não cabe recurso extraordinário por contrariedade ao princípio constitucional da legalidade, quando a sua verificação pressuponha rever a interpretação dada a normas infraconstitucionais pela decisão recorrida”.336 No mesmo sentido, opina Sérgio Rizzi337.

Questão interessante e complexa ocorre quando as normas constitucionais e infraconstitucionais têm exatamente o mesmo texto. Em tese, ante o fato da lei ordinária poder solucionar a controvérsia, a infração seria à norma infraconstitucional, constatando-se desse modo uma infração reflexa à Constituição, sendo desnecessária a análise da norma constitucional. Por outro lado, para Araken de Assis, “consistindo a norma federal questionada em mera repetição do texto constitucional, há ofensa direta, e não reflexa”338, ou seja, há a infração à norma constitucional, ensejando Recurso Extraordinário.

Embora o Superior Tribunal de Justiça tenha reconhecido o cabimento e provimento do recurso especial em alguns casos como no exemplificado339, e, segundo Eduardo Ribeiro de Oliveira340, seria caso de cabimento de ambos os recursos, tendo em vista a dificuldade de se dissociar as questões, verifica-se que a questão é tecnicamente constitucional341.

Rodolfo de Camargo Mancuso traz justamente um exemplo disso, enfatizando:

[...] hipótese instigante, e não rara, dá-se quando um texto de lei federal configura, em verdade, reprodução de dispositivo constitucional, como, por exemplo, pode acontecer em relação aos temas concernentes à Administração Pública, constantes dos incisos do art. 37 da CF, caso em que

336 DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da.Curso de direito processual civil. Meios de

impugnação às decisões judiciais e processo nos Tribunais. 5. ed. Salvador: Podivm, 2008. v. 3.p. 308.

337 “Não podemos alegar a contrariedade à Constituição colocando ao meio a lei federal. Precisa ser uma

alegação dirigida, sem intermediação da lei, à Constituição Federal.” (RIZZI, Sérgio. Do recurso extraordinário. Revista do Advogado, n. 27. São Paulo: AASP, 1989. p. 43).

338 ASSIS, Araken de. Manual dos recursos. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.p. 747.

339 Cf. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 1ª Turma, REsp n. 619.896, rel. Min. Teori Zavascki, DJe

17.05.2007.

340 “Parece-nos que perfeitamente possível sejam admissíveis tanto o recurso extraordinário quanto o especial

nas hipóteses em que Constituição e lei contemplem normas de mesmo conteúdo.” (OLIVEIRA, Eduardo Ribeiro de. Norma constitucional e infraconstitucional de igual conteúdo – Recurso especial e extraordinário. In: MEDINA, José Miguel Garcia et al. (coords.) Os poderes do juiz e o controle das decisões judiciais. Estudos em homenagem à Profa. Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 910).

341 Embora que, por cautela, aconselha-se sempre que na mínima dúvida em se saber se questão é

emimentemente constitucional ou não, opte o recorrente pela apresentação tanto de recurso extraordinário como recurso especial ante a inteligênica da Súmula 126 do e. STJ.

o STJ tem reconhecido uma sorte de vis attractiva em prol do STF, o que nos parece correto.342

O Superior Tribunal de Justiça, ao constatar a similaridade do art. 36, § 6.º, da CF/88, com o art. 15 do Código Civil, chegou à conclusão de que a questão é eminentemente constitucional343.

A mesma similaridade de texto foi constatada pelo STJ em outras duas situações: a repetição, pelos arts. 77 e 78 do CTN, do art. 145 da CF/88344; e a repetição, pelo art. 3º, do DL 406/68, do consignado no art. 155, § 2º, I, da CF/88345. Nos dois casos, devido ao fato do exato texto da Constituição ter sido contrariado, afirmou o Tribunal Superior ser hipótese de recurso extraordinário.

Por fim, conforme leciona José Miguel Garcia Medina346, cabe esclarecer que a contrariedade ao dispositivo constitucional não necessita ser uma contrariedade stricto sensu

342 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial. 11. ed. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2010.p. 304.

343 “O renomado processualista Theotônio Negrão, em seu Código de Processo Civil e Legislação Processual em

Vigor, 28ª edição, pg. 1242, registra: ‘Se o dispositivo legal tido como violado não passa de mera reprodução de norma constitucional, que o absorve totalmente, é do Supremo Tribunal a competência exclusiva para dispor sobre a temática controvertida’. (STJ-RT 698/198). O mesmo ocorre se o preceito de lei ordinária não passa de repetição mitigada do texto constitucional, como, por exemplo, o art. 15 do CC, em relação ao art. 36, § 6º, da CF. 3 - Agravo regimental improvido.” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 1ª Turma, AgRg no REsp 201.184/SP, rel. Min. José Delgado, j. 18.05.1999, DJe 16.08.1999. p. 52). Questão diversa ocorrem quando a norma constitucional depende de lei infraconstitucional para a compreensão da questão jurídica no caso concreto. Segundo Eduardo Ribeiro, o intérprete do direito deve analisar primeiramente como é o mandamento constitucinal, e, ao mesmo tempo, analisar se a norma infraconstitucional está em obediência ao preceito constitucional no caso. Por isso, será cabível ambos os recursos excepcionais nesse caso. Cf. OLIVEIRA, Eduardo Ribeiro de. Norma constitucional e infraconstitucional de igual conteúdo – Recurso especial e extraordinário. In: MEDINA, José Miguel Garcia et al. (coords.) Os poderes do juiz e o controle

das decisões judiciais. Estudos em homenagem à Profa. Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 2008.p. 907.

344 “Os artigos 77 e 78, do CTN, reproduzem preceito constitucional (art. 145, da Constituição Federal de 1988).

2. Dessa forma, sendo tais dispositivos, indicados nas razões do recurso especial, reprodução de texto constitucional, não compete a esta Corte Superior a sua análise, porquanto implicaria, de forma reflexa, verificar a constitucionalidade dos regramentos e usurpar a competência do Pretório Excelso. Precedentes.” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 1ª Turma, REsp n. 1127180/ES, rel. Min. Benedito Gonçalves, j. 15.09.2009, DJe 23.09.2009).

345 “É de se homenagear decisão que obstou seguimento a recurso especial quando o acórdão se funda em

respeito ao Princípio Constitucional da Não-cumulatividade do ICMS. Esse princípio encontra-se definido, em seus aspectos especificados, no art. 3º, do DL 406/68, repetindo o consignado no art. 155, § 2º, I, da CF. A apontada violação a tal dispositivo federal não pode ser apreciada quando vinculada ao comando constitucional, conforme procedeu o Tribunal de segundo grau e a própria recorrente nas razões do especial.” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, 1ª Turma, AgRg no REsp 201.184/SP, rel. Min. José Delgado, j. 18.05.1999, DJe 16.08.1999. p. 52).

346 “Observe-se que contra a decisão que contrariar tratado ou convenção internacional sobre direitos humanos,

aprovado de acordo com o que estabelece o art. 5.º, § 3.º, da Constituição Federal (inserido pela Emenda Constitucional 45/2004), será cabível recurso extraordinário já que estará diante de norma equivalente a emenda constitucional, consoante estabelece o referido dispositivo constitucional. Ao recurso especial tocará a violação a tratado ou convenção internacional que não seja abrangido pelo disposto no art. 5.º, § 3.º, da Constituição Federal.” (MEDINA, José Miguel Garcia. Prequestionamento e repercussão geral. E outras

somente a dispositivo da Constituição Federal. Isto porque, ao preceituar o art. 5.º, § 3º, da Constituição Federal, que os Tratados sobre direitos humanos aprovados conforme o procedimento das emendas constitucionais serão equiparados a estas347, passou a ser cabível recurso extraordinário em face de decisões contrárias à Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência e a seu Protocolo Facultativo, assinado em Nova York, em 2007, o qual é o único tratado ratificado nos termos do dispositivo constitucional ora ventilado.

4.2 RECURSO EXTRAORDINÁRIO VISANDO IMPUGNAR ACÓRDÃO QUE

No documento Rafael de Oliveira Guimarao (páginas 124-128)

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