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3.2 – A Persistência da Visão, Josepth Plateau e Ann Verónica

Caleidoscópio

II. 3.2 – A Persistência da Visão, Josepth Plateau e Ann Verónica

Janssens

A importância do cientista belga Joseph Plateau (1801-1883) surge-nos associada a um conjunto de experiências decisivas que ocorreram entre 1820 e 1824, inspiradas nos estudos de Newton163 e da responsabilidade do matemático Peter Mark Roget em torno do fenómeno da persistência da visão. Roget procurava explicar a sensação de movimento causada pela capacidade da retina em manter por uma fracção de segundo uma imagem, mesmo depois desta haver mudado. Foi, no entanto, o físico belga Joseph-Antoine Plateau quem conseguiu medir pela primeira vez este tempo e assim formular correctamente a teoria da persistência da visão (1830).

Através da exposição directa do olho ao sol por largos períodos Plateau conseguiu perceber a forma como a retina consegue reter a impressão de qualquer imagem após o seu desaparecimento164 de uma sequência de imagens fixas, onde a que se segue é ligeiramente diferente da que a precede, imediatamente substituída numa frequência igual ou superior a 10 imagens por segundo, resulta a percepção de uma única imagem em movimento: «Os intervalos entre as imagens estão muito perto uns dos outros, a impressão que causam na retina produz alguma confusão, levando-nos a acreditar que um único objecto vai, gradualmente, mudando de forma e de posição (...)»,165 concluindo que, desta forma, todo o movimento é de natureza ilusória, pois apenas se passa na mente do espectador.

É com base neste conhecimento que decide construir o seu Fenaquistiscópio (1830),166 dispositivo simples que pode ser descrito da seguinte forma: um pequeno disco oval dividido em seis ou oito partes, cada uma delas contendo uma pequena abertura e uma figura inscrita que representava uma parte da sequência em movimento, sendo que a face que continha as figuras estava virava para um espelho. O espectador ficava atrás do disco,

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Ver capítulo III.1 e subcapítulo III.1.1.

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Nas suas experiências, Plateau verificou que o olho, depois de “inundado” de luz (ao retornar ao seu estado “natural”), percorria uma panóplia de efeitos (névoas e imagens fantasmagóricas) que se iam desvanecendo. Deste modo, concluiu que os nossos olhos retêm a impressão de qualquer imagem que vemos cerca de um trigésimo de segundo após a imagem desaparecer.

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«(...) intervals are sufficiently close together, the impressions they produce on the retina will blend together without confusion and will believe that a single object is gradually changing form and position» (Plateau, 1990: 109).

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Tanto o Estroboscópio de 1833 (Simon Stampfer, 1790-1864) como o Zootrópio de 1834) (William G. Horner, (1786-1837) foram inventados a partir das experiências que o Fenaquistiscópio proporcionou, com algumas diferenças. Foram construídos alguns destes engenhos que permitiam que vários espectadores, em simultâneo, visionassem sequências de dançarinos ou acrobatas em movimento.

de forma a poder ver as imagens através do reflexo no espelho. Ao rodar o disco (e devido ao efeito da persistência da visão)167 as figuras de forma ilusória pareciam estar em movimento.

O dispositivo de Plateau (e seus sucedâneos) irá contribuir para o intenso movimento a que os corpos passaram a estar sujeitos, em termos de estímulos sensório- motores, a partir do século XIX, operando uma crescente fragmentação da percepção, ajudando também à formação de um novo espectador.

Ann Verónica Janssens desenvolve o seu trabalho, de uma forma geral, a partir de experiências sensoriais que têm, à partida, como destino o corpo dos espectadores. A cor, a luz ou o som são “matérias” usadas para criar complexas zonas de interacção com os corpos, tendo por norma a sua desorientação espacial. A diversidade de estratégias presentes no seu trabalho reflecte um leque variado de assuntos e também de opções plásticas: problemas relacionados com a percepção espacial, com a persistência da visão, com a indução de vertigens, através da convocação da saturação de cores e seus efeitos hipnóticos, a alteração de velocidade de imagens (fixas e em movimento) associadas directamente ao uso de sons (ultra e infra), procuram envolver todos os sentidos dos espectadores em experiências únicas (Higgs, 2001).

Com o trabalho Eclipse (2006), Janssens prestou homenagem a Alhazen que usou uma camera obscura para poder ver um eclipse solar sem danificar o olho e também a Joseph Plateau ao desenvolvimento da teoria da “persistência da visão”, a partir da observação directa do sol, facto que lhe afectou parcialmente a visão.

Eclipse foi realizado na localidade de Side, na Turquia, a 29 de Março de 2006.

Esta vídeo-instalação resume-se apenas a uma única projecção num ecrã (com uma

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No que respeita aos aspectos relacionados com a forma como o cérebro “inventa” o mundo visual, há que dizer que Plateau não conhecia todos os fundamentos relativos à recepção retiniana. Muitos destes conhecimentos foram adquiridos nas últimas três décadas do século XX. Sabe-se agora que os comprimentos de onda da luz reflectida pelas superfícies mudam com alterações de iluminação e que, apesar disso, o cérebro é capaz de lhes atribuir, por exemplo, uma cor constante. A imagem retiniana produzida pelo gesto da mão de um orador que discursa, altera-se constantemente e, no entanto, o cérebro pode reconhecê-la como uma mão, e de forma persistente. Do mesmo modo que as imagens dos objectos variam com a distância e o cérebro reconhece o seu verdadeiro tamanho.

A tarefa do cérebro é reconhecer as características invariáveis dos objectos através da constante alteração do fluxo de informações que deles recebe. A interpretação é uma inextricável parte da sensação. Para se obter a sensação de movimento, o cérebro não se limita a analisar as imagens que se formam na retina, como pensava Plateau, mas tem que construir todo um mundo visual. Para o fazer, desenvolve um elaborado mecanismo neuronal. A complexa divisão de tarefas manifesta-se anatomicamente em áreas corticais e em sub-regiões de áreas especializadas em funções visuais distintas. É, agora, à luz dos novos conhecimentos que as questões retinianas passam a ser do domínio do córtex visual, sendo a retina um componente importante, entendido como um canal (Zeki, 1999).

diagonal de 250cm). Janssens, neste trabalho, “obriga” o espectador a visualizar a obra de pé, optando pela não introdução de bancos ou cadeiras, e instala a imagem um pouco acima das suas cabeças. Eclipse, que se pode resumir a uma curta-metragem, dá-nos a ver a rara beleza abstracta proporcionada pela evolução de um eclipse solar total. Da imagem do eclipse, intrigante e misteriosa, emana um efeito cromático muito intenso. Em termos puramente visuais parece-se com um ponto preto, cintilante, uma imagem capaz de “hipnotizar” o espectador, devido ao anel de luz e cor que o contorna (um azul marinho intenso). O trabalho aborda como que uma perda de controle perceptivo, uma experiência sensorial que “actua” em termos cognitivos no espectador.

Fig.(22) Ann Verónica Janssens Eclipse, 2006

Na realidade, quando estamos a ver a imagem de um eclipse solar ao natural (com o olho através, por exemplo, de um telescópio, de óculos polarizados ou de binóculos) estamos a ser “bombardeados” por uma cadência vertiginosa de imagens por segundo – a imagem que nos chega é rica em movimento, em detalhes e em pormenores. Este fenómeno quando é visionado através de imagens em movimento obtidas por uma câmara de filmar168 (e registado em película e consequente projecção), faz com que o espectador

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Na película a luz é captada em 4 camadas fotossensíveis (CMYK), verde azulado (507nm), vermelho (700nm), amarelo (586nm) e uma camada que regista a intensidade da luz. É no processo de revelação que as três cores, a par da intensidade da luminosidade, é processada, produzindo um particular contexto cromático totalmente fabricado, pois a maioria das cores não é reproduzida. Trata-se, pois de um processo analógico. Este fenómeno é diverso se pensarmos, por exemplo, no vídeo. Neste caso, o processo de captação da luz é muito mais parecido com a forma como o nosso sistema de visão funciona. O sistema RGB (vermelho, verde e azul) “trabalha” individualmente cada cor em separado, como se fossem células fotossensíveis, por via de um sistema que controla os índices de luminosidade e de cor. Estes dados são posteriormente transformados, através de uma linguagem binária, em estímulos luminosos. Quando vemos uma imagem a partir do vídeo, verifica-se uma aproximação à forma como a percepcionamos na realidade. Mas isto não significa que a imagem vídeo tenha mais qualidade, em termos técnicos, que a imagem do filme, pois o celulóide, apesar das limitações, é uma impressão fotossensível, onde a qualidade da imagem está depende dos materiais envolvidos na captação e revelação da própria imagem (câmaras, sistemas de iluminação, a sensibilidade dos rolos de celulóide, líquidos reveladores, filtros, etc.), enquanto que no vídeo, a formação da imagem e da sua qualidade, ainda hoje, dependem da capacidade dos seus equipamentos armazenarem dados. Esta situação está, no entanto, em fase de mudança, e novas tecnologias começam a despontar no mercado capazes de captar imagens de grande qualidade.

só perceba a luz de retorno de forma periódica. Apesar do intenso movimento proporcionado pela ondulação solar, no ecrã a imagem parece fixa, tornando-se quase imperceptível vislumbrar a vibração luminosa que emana do fenómeno. Isto acontece porque a imagem solar que cai no “prisma” da câmara (no caso só fotografado a 24 frames por segundo) sendo um acontecimento “hiper-rápido” provoca no efeito da suspensão algumas alterações que advêm do registo da imagem captada pela câmara de filmar e não pela acção da persistência da visão.169

Assim, quando vemos um filme, estamos a ver uma imagem que é obtida através de sucessão de fotografias, encadeadas umas nas outras numa determinada velocidade, para que seja possível o efeito de suspensão e respectiva ilusão de movimento. Mas quando estamos perante a imagem formada pela tecnologia vídeo, a imagem é obtida através de uma composição efectuada por pontos luminosos, que se vão sucedendo a uma velocidade vertiginosa, dispostos em linhas que vão varrendo todo o ecrã, ponto a ponto. Deste modo, estamos perante duas situações distintas: no filme as imagens são completas e a ilusão de movimento está ligada à velocidade da cadência das mesmas, com a actuação do fenómeno da persistência da visão. No vídeo é a “latência” que advém dos varrimento de pontos luminosos que vai formando a imagem na vertical e na horizontal, ou seja, a imagem vai-se completando aos poucos, implicando no cérebro a interpretação de dois movimentos. O primeiro tem a ver com a formação da imagem, o segundo com a sobreposição das imagens. Se a formação e a sobreposição não estiverem alinhadas, em termos de varrimento de linhas, não conseguimos ver a imagem em movimento, pois o efeito só funciona se houver uma sensação contínua dos dois movimentos referidos. Com Eclipse, Janssens mostra que o efeito da persistência da visão não pode existir no vídeo. O trabalho constrói, assim, dois sentidos que remetem directamente para o referido efeito: no primeiro, o “eclipse” solar evoca a representação do tempo de um acontecimento, sem a necessidade de esse tempo ser dividido em pequenos instantes, como acontece com a imagem fixa, desvendando a natureza da imagem do cinema no sentido material – a película; no segundo, quando projecta a imagem através do vídeo, anula todos esses instantes. Só fica uma imagem, em movimento. Em Eclipse Janssens trabalha a metáfora da tradução visual da persistência da visão, a negação técnica do instante representativo. Embora, Janssens tenha efectuado este trabalho a partir desta subtileza, na prática, e na

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A duração da persistência das impressões luminosas (persistência da visão) é de 1/10 de segundo, sendo velocidade da luz 30 000 km/s.

maioria dos casos, este fenómeno é irrelevante, em termos perceptivos sendo muito poucos os artistas que têm trabalhado questões ligadas à especificidade técnica da imagem vídeo e do filme. Mais à frente, por outras razões voltaremos a este problema no subcapítulo

IV.3.1.

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