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Parte I – Imagem e Percepção

I. 1.1 – Ambiente Retiniano e Representação

No ser humano, os mecanismos fisiológicos afectos à percepção visual (integrados na parte anterior e superior da cabeça e devidamente adaptados ao meio ambiente) foram- se desenvolvendo e adaptando – sendo essa especialização do seu modo de percepção essencial para um contributo importante na sobrevivência da espécie.25 Curiosamente, o

stress permanente em que o sistema ocular se encontra,26 desempenha um papel fundamental, nomeadamente na nossa resposta aos estímulos visuais na retina: desde a intensidade do fluxo luminoso até à detecção de um simples objecto em movimento, somos impelidos a colocar um objecto no centro do nosso campo visual (a área total da imagem do mundo exterior que é possível observar com os dois olhos, sem que haja movimento da cabeça enquanto focamos o olhar num determinado ponto de interesse) para o isolarmos e o reconhecermos através da sua forma, do seu volume, da sua escala e em contraste com o fundo da sua cor. Assim, as imagens que são “projectadas” na nossa retina formam aquilo que vulgarmente designamos por ambiente retiniano.

O processo fisiológico da formação das imagens na retina é apenas um passo de uma gigantesca e complexa “operação”, em que inúmeros factores relacionados com o modo como recepcionamos a luz entram em cena.27 Apreender/perceber imagens visuais e “expô-las” na retina significa, acima de tudo, explorar fisiologicamente o seu ambiente, mantendo-se o resto do nosso corpo como uma espécie de porto de abrigo, atento a todas as movimentações em seu redor. Deste modo, a retina assume, de forma natural, o papel de

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Simon-Daniel Kipman (1975) tem vindo a investigar esta questão, que incide particularmente numa estreita e singular relação entre os sentidos e seu desenho morfológico e o sucesso da sobrevivência das espécies.

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O sistema ocular possui uma tensão específica. Esta tensão, diferente da tensão arterial sistólica, traduz-se pela pressão exercida pelo “humor aquoso” na córnea. O sistema propriamente dito nunca descansa, mesmo quando nos encontramos a dormir. Assim, é curioso que quando estamos perante uma imagem representada, seja ela uma fotografia ou uma pintura, o mecanismo que a está a percepcionar foi “desenhado” para agir num meio ambiente hostil e perigoso (Hubel, 1988).

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Parte da informação relativa ao modo como as imagens se formam entre a retina e o córtex visual está em constante actualização. Os investigadores Frank Werblin e Botond Roska têm vindo a trabalhar o modo como a retina trata a informação recebida. As células ganglionares (neurónios), existentes na própria retina, enviam informação ao cérebro em forma de “filme”: estamos a falar de cerca de doze representações diferentes relativas à cena observada. Estas representações constituem-se como uma espécie de “filmes” que o cérebro observa e analisa, escolhendo posteriormente. Na constatação deste facto está a descoberta de que os neurónios existentes na retina produzem sinais específicos, que correspondem a representações rudimentares referentes a aspectos particulares das cenas observadas. O contorno dos objectos, o seu movimento numa direcção específica, a cor, ou simplesmente a profundidade e a forma de um determinado pormenor formam, na retina, uma espécie de “linguagem visual natural” (Werblin; Roska, 2007).

plataforma, de interface onde parte substancial do processo perceptivo toma lugar, quimicamente povoado, de forma diferenciada, por cones e bastonetes.28 Este ambiente químico está presente em qualquer relação que se estabelece com a apreensão de imagens, onde o factor decisivo é a forma como a luz é “capturada”. A luz natural, a designada luz branca, chega até nós no espectro de comprimentos de onda29 e é justamente na detecção desses comprimentos de onda que o olho é sensível ao brilho e à intensidade.

Na representação, tendemos a “imitar” o processo natural da recepção da luz, recorrendo ao uso do claro-escuro. A razão desta “imitação” estar “contaminada” pelos processos fisiológicos encontra-se na experiência de percepção do real, onde todas as relações e processos do quotidiano, que enquadramos com maior ou menor atenção, parecem fazer sentido, numa espécie de jogo entre o claro e o escuro, que hierarquiza o visível. Na óptica, este fenómeno estudado por Purkinje (1787-1869), conhecido por “desvio de Purkinje”,30 é responsável por alguns dos principais factores que balizam e delimitam as fronteiras precisas dos limites da nossa percepção em relação à luz – desde logo, a forma como obtemos gradações entre as zonas iluminadas e pouco iluminadas face à qualidade de irradiação luminosa na retina. No fundo, trata-se de uma distribuição

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Cones e bastonetes são células foto-receptoras sensíveis à luz. Existem na maioria dos animais e têm directamente a ver com o “seu estilo de vida”, isto é, se são predominantemente diurnos ou nocturnos. Por isso, estão distribuídos de acordo com as necessidades de sobrevivência de cada espécie. Na periferia da retina assiste-se a um aumento de sensibilidade à luz, nomeadamente à baixa intensidade lumínica, própria dos períodos de escuridão. Todos os elementos visuais que recaem nessa região da retina de fraca acuidade visual são, depois de reconhecidos, desviados através do movimento dos olhos para a região da fóvea, onde a acuidade é maior, a fim de serem analisados (Wall, 1989).

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A luz dissemina-se pelo espaço através de ondas electromagnéticas que se medem a partir da sua frequência e do seu comprimento de onda, que varia entre os 400 e 700 nanómetros (nm). Os nossos olhos só conseguem perceber parte do designado espectro electromagnético. Isto é, o nosso ambiente retiniano apenas capta e forma imagens a partir da luz reflectida pelos objectos que se encontrem dentro desta faixa de frequência, muito variada na sua intensidade luminosa, que determina o espectro cromático. Por exemplo, nos 400 nm estamos sob a influência da cor violeta, nos 500 nm da cor verde ou nos 700 nm da cor vermelha, etc. As frequências que se situam abaixo dos 400 nm, já não são perceptíveis aos nossos olhos. Aqui encontramos os raios ultravioletas, X e gama que, apesar de não serem visíveis, podem ser usados para construir imagens. Já acima dos 700 nm, encontram-se os raios infravermelhos, a frequência de rádio FM e as designadas microondas, não visíveis ao olho humano.

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O efeito de Purkinje tem a ver com a deslocação, em condições de fraca luminosidade, do pico de sensibilidade da frequência dos 507nm (verde azulado) para a frequência dos 554nm (verde amarelado). Neste sentido, de acordo com Purkinje, a sensibilidade aos respectivos comprimentos de onda está sujeita às condições luminosas que estão presentes na passagem de um ambiente luminoso para um ambiente de escuridão, sendo que o oposto se verifica de forma mais rápida. Quando em presença de um ambiente mais claro percebemos melhor as cores do espectro que dizem respeito à frequência de 554 nm (verde amarelado), enquanto que no escuro percebemos melhor o espectro de 507 nm (verde azulado). Assim, esta passagem de um ambiente escotópico (de baixa luminosidade e activada pelos bastonetes) para um fotópico (de alta acuidade visual activada pela acção dos cones), traduz-se numa curva de luminosidade. Isto é, se estamos em presença de uma iluminação insuficiente desenvolve-se uma interessante negociação entre as proporções na contribuição da foto-recepção entre cones e bastonetes que resultam na mudança de luminosidade e com consequências na visualização das cores: os vermelhos ficam mais escuros e os azuis tornam-se mais brilhantes, etc.

espacial da luz: o olho está equipado para perceber os limites espaciais de todos os objectos que delimitam o ambiente retiniano, dando-nos a noção de fronteira, por exemplo, entre duas faces de um objecto com incidência de luz diferente. Se esse objecto estiver em movimento, este processo complexifica-se, pois estamos a referir-nos a milhões de cálculos que incidem sobre intensidades diferentes de irradiação luminosa, a par de outras funções relacionadas com diversas propriedades de reflexão e propagação da luz.31

Deste modo, o ambiente retiniano não é mais do que um “palco” onde tudo se joga através da preponderância da intervenção dos cones e dos bastonetes face às condições de luminosidade do ambiente. É nesta alquimia fotossensível que a representação também aposta, simulando essas condições. Contudo, a visualização de imagens representadas não obedece exactamente à mesma lógica das imagens da realidade, mesmo quando pensamos exclusivamente na imagem fotográfica ou na imagem cinematográfica, nas quais é comum a comparação entre o próprio dispositivo e o sistema ocular. Por exemplo, Flusser (1998), ou mesmo Benjamin (1994), interpretaram o dispositivo fotográfico como duplicação da realidade, apoiada na aplicação de um processo químico32 capaz de nos fornecer a sensação de que aquilo que estamos a ver é o próprio mundo. Esta situação envolve, necessariamente, o espectador – nomeadamente em presença de um ambiente retiniano que o “empurra” para um mundo que é “construído” à sua frente (Saunder, 2006), processamento que só pode ser visto se for iluminado de forma significativa e projectado no olho humano (na retina) de forma plana.33

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