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Parte III – A Ideia de Cinema

III. 5 – O cinema sonoro, o menu sensorial

A opção pela manutenção do mudo, durante as primeiras três décadas do séc. XX, deveu-se, a partir de certo momento, não tanto à falta de tecnologia mas aos elevados custos de produção,260 e foi também um factor decisivo para a definição do próprio dispositivo, que passou a focar-se, de uma forma geral, na direcção dos actores, em particulares enquadramentos e planos da imagem, na manipulação da câmara de filmar e da própria montagem. Deste modo, a produção do cinema mudo até à década de 30261 fez com que inúmeras das suas qualidades visuais e expressivas fossem desenvolvidas, qualidades nas quais os diversos aperfeiçoamentos técnicos acabariam por transformar as imagens do cinema num complexo menu sensorial.

O som, ao passar a estar directamente “perceptível no ecrã”, viria a instaurar, ao nível da recepção, uma ilusão de unidade total entre o cinema e os espectadores e na sua heterogeneidade (Gardies, 2007). Neste facto, foi muito importante o protagonismo dos “actores falantes” (e das suas performances), para o desenvolvimento de novas formas de enquadramento, e também de “colagem” entre planos. Estas condições inovadoras

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Quando falamos de pré-cinema estamos a evocar todo o património de técnicas e dispositivos que estiveram na origem da imagem em movimento até ao aparecimento de Edison e dos Irmãos Lumière.

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A invenção dos irmãos Lumière já previa o som sincronizado. Existem protótipos de cinematógrafos com essa opção. E também existem filmes dessa altura com som. Michel Marie diz-nos que «L´histoire de l´apparition du cinema sonore est assez connue (...), le son devint élément irremplaçable de la représention filmique. Bien entendu, l´évolution dês techniques ne s´arrêta pas à ce «saut » qu´était l´apparition du son; schématiquement, on peut dire que, depuis ses origines, la technique a avance dans deux grandes directions. (...) l´invention de la bande magnétique a été, de ce point de vue, l´étape la plus marquante. D´autre part, l´apparition et le perfectionnement dês techniques de post-synchronisation et de mixage (...)» (2008:30-31).

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Só em 1927 com o fime Jazz Singer (Alan Crosland) é que se entrou plenamente na era do cinema sonoro mecanicamente sincronizado. Na Europa, o primeiro filme musical foi realizado na Alemanha em 1929, Ich

Küsse Ihre Hand, Madame, protagonizado por Marlene Dietrich, com realização de Robert Land. Foi a

canção do filme que o tornou popular, sendo ainda hoje um recorde de espectadores na Europa. Houve imensas resistências de fundo em deixar o mudo. Eisenstein ou Charlie Chaplin foram dos autores mais relutantes em introduzir som sincronizado. Muitos escritores só deixaram os seus textos serem adaptados ao Cinema quando este enveredou pelo sonoro. Foi o caso, por exemplo, de Bernard Shaw e do seu romance

proporcionadas pela dimensão sonora iriam ajudar à implementação de uma variedade de novos géneros e à reinvenção de outros (ex: o drama e o melodrama) que, sabiamente, conduziriam o cinema para outras direcções, contribuindo, desse modo, também para o seu enriquecimento.262 Os primeiros filmes (de 1895 a 1930) foram, deste ponto de vista, um laboratório extraordinariamente profícuo de experiências expressivas e tecnológicas que contribuíram para ensaiar e testar o dispositivo, tanto na Europa como nos E.U.A.

Em Hollywood, os primeiros 10 anos que se seguiram à introdução do som sincronizado (1927) foram, genericamente, dominados pelo que se designou produção sonora “naturalista”. A dimensão sonora no cinema foi, deste modo, entendida como um contributo que ajudava/melhorava a compreensão dos próprios filmes, procurando proporcionar ao espectador a partilha de experiências sonoras “realistas”, antes simuladas.263

Curiosamente, a opção pela introdução do som sincronizado no cinema não foi um facto pacífico (mesmo tendo em conta o momento em que do ponto de vista técnico, deixou de ser um problema económico). Por exemplo, Raoul Wash ou Charlie Chaplin264 parodiavam-no, enquanto que outros realizadores viam na introdução do som a “simples” transformação do cinema em teatro falado. Por motivos essencialmente de ordem financeira ligados às indústrias do entretenimento popular,265 do qual o cinema passou a ser o emblema, a opção pelo cinema sonoro acabaria por vingar e tornar-se o modelo consensual. Com o fim do cinema mudo tinha desaparecido uma ideia de cinema comum aos dois continentes (E.U.A e Europa), ideia que se baseava num conjunto de

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Numa primeira fase, os filmes não eram exibidos em salas de cinemas construídas para o efeito, mas em teatros, salas de ópera e consoante o lugar escolhido, existia sempre alguém que, na maior parte das vezes, proporcionava, ao piano, instantes musicais que acompanhavam o ritmo das imagens. Apesar do cinema ser mudo, esse facto não era sentido pelo público em geral; a questão do som não se punha da mesma forma que quando falamos do cinema sonoro (Weis e Belton, 1985).

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Essencialmente, o sonoro veio acentuar o lado realista a que se propunha o cinema, desde o seu início. Os

thrillers envolvendo cenas de acção com explosões, perseguições em automóveis impuseram-se de forma

massiva. Os westerns transitaram do mudo para o sonoro e ganharam uma nova “força”. Na Europa surgiram, paralelamente, os designados film noir, com o uso pleno do som. As comédias continuariam, no entanto, a prevalecer ainda durante toda a década de 40 (Grignaffini, 1995). A exploração do som foi, sem dúvida, um factor de atracção de espectadores. Filmes como The Wizard of Oz (1939), de Victor Fleming, Top Hat (1935) de Mark Sandrich, Mr. Smith Goes to Washington (1939), de Frank Capra, The Adventures of Robin

Hood (1938), de Michael Curtiz e Vampyr (1932), de Carl Dreyer, foram exemplos paradigmáticos. 264

Só a partir de 1952, com Limeligth, Charlie Chaplin começou por conferir uma verdadeira importância à componente sonora, tendo inclusive composto a própria música do filme. Num período anterior, Chaplin não se responsabilizava pelas bandas sonoras dos seus filmes, ignorava-as.

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Sem escamotear a grande depressão dos anos 30 do séc. XX, nos Estados Unidos e com repercussões também na Europa, em particular na Alemanha. Esta situação “obrigou” a arte a desempenhar um papel mais activo no domínio social. A procura de fantasia para se fugir ao quotidiano, deprimente e depressivo iria ter no som no contexto do cinema, uma arma eficaz capaz de oferecer aos espectadores “um mundo alternativo”.

procedimentos técnicos e expressivos semelhantes,266 agora divergentes pelas múltiplas opções que o sonoro trouxe ao cinema.267

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