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Genericamente, tendemos a considerar o mundo físico como aquele que existe “fora” do observador e, por isso, cuja existência não depende dele. Por outro lado, designamos mundo perceptivo, ou mundo visual, tudo aquilo que é experienciado pelo observador. Ao relacionarmos a percepção visual com o espaço físico em que nos movemos, estamos necessariamente a convocar um vasto conjunto de diversas áreas associadas a domínios muito distintos, entre si, como é o caso da motricidade, da neurologia ou da fisiologia, em conformidade com os diversos sistemas de coordenação espacial.

Tentar, por isso, perceber de que forma se manifesta o controlo ocular, por um lado, e o motor, por outro, que está na origem dos movimentos do corpo, incluindo as respectivas áreas de associação parieto-corticais,93 que contribuem para processar a informação percepcionada, em função do espaço em que nos encontramos, é uma tarefa com múltiplas implicações. Deste modo, também temos que ter em conta as “estruturas” conotadas ao hipocampo,94 aquelas que, em particular, processam, numa base cognitiva, toda a informação inerente à “memória” que temos do espaço, por via de um complexo mundo de redes neuronais, neurotransmissores, receptores, etc..

Para se obter informação espacial referente a um objecto e apreendida a partir da realidade é, pois, necessário “credibilizar” a informação que é produzida directamente a partir do interior do corpo, estimulada pelos seus movimentos proporcionados pela acção

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Constituem-se como áreas que são responsáveis por parte importante do processamento da informação oriunda do exterior. Recepção, análise e armazenamento de informações processadas pelas “regiões” laterais do neocórtex situadas na superfície convexa dos hemisférios cerebrais, compreendendo as regiões occipital (da visão), temporal (da audição) e parietal (da sensibilidade em geral) e que são vitais para a percepção do espaço.

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É consensual, entre a comunidade científica, que parte do processamento que diz respeito ao tratamento da informação se encontra no hipocampo (uma parte do córtex cerebral, uma glândula), uma das estruturas mais importantes de todo o processo determinante na organização da informação dos episódios vivenciados no tempo e no espaço. Muitas vezes, o hipocampo é descrito como uma espécie de “videogravador”, capaz de providenciar a recuperação de memórias que, de tempos a tempos, são solicitadas.

dos músculos.95 Assim, quando falamos de percepção em termos espaciais, de algo que nos interessa, estamos a referir-nos também a sistemas internos capazes de nos fornecer coordenadas espaciais precisas, em função da forma como a “força” motriz do corpo se comporta face às constantes mudanças corporais96 e tendo como contexto o meio ambiente. Para Jacques Paillard (1991), as implicações destas ocorrências assumem uma dimensão mais radical. Segundo o autor, a informação que nos chega relativa à dimensão, localização e deslocação dos objectos face ao campo visual, é em grande parte “captada” pelos “músculos”, a partir dos próprios movimentos do corpo, e transmitida através da vias nervosas ao cérebro, relegando a importância da informação emanada a partir da retina. São movimentos conjugados dos olhos e dos músculos, responsáveis pela definição da percepção do espaço que, em simultâneo, produzem e despertam também acções corporais específicas, que desempenham um papel decisivo nos procedimentos que estão ligados, por exemplo, à percepção estereoscópica, do tamanho e da forma dos objectos, do movimento lateral e da detecção do movimento longínquo, do efeito paralaxe, entre outros.

Fig.(7) Étienne-Jules Marey Homme nu soulevant une haltère, 1890

I.5.1 – Reacções do corpo na percepção do movimento

Na visão estão implicadas situações que dizem respeito à mobilidade do observador e dos próprios objectos. Assim, o estudo do efeito do corpo na percepção do movimento engloba informação proveniente, essencialmente, da motricidade, da fisiologia e da neurologia que, deste modo, estabelecem uma distinção entre o movimento físico dos

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É este conjunto de dados, no seu todo, que processa a informação oriunda do exterior e do interior do corpo permitindo, deste modo, a existência de uma dinâmica espacial na execução de tarefas que se ocupam, por exemplo, em compreender e identificar a localização do lugar onde nos encontramos. Para Musseler, a visão, em associação com áreas cognitivas, desenvolve um plano de acção no sentido de proporcionar uma percepção espacial adequada ao meio envolvente (Musseler, 2004).

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Por um lado, a percepção fornece-nos um ambiente espacial coerente, que nos ajuda a localizar e a identificar o espaço. Por outro lado, está dependente da nossa acção muscular que é responsável pela mobilidade do corpo.

objectos, por um lado, e a subjectiva impressão de movimento, por outro (Hershenson, 1999).

Alguns exemplos, clássicos, ajudam a perceber o fenómeno, nomeadamente o designado “efeito cascata” ou “roda de bicicleta em movimento”, como também o “cartaz de parede”. Se olharmos durante um minuto e meio para um determinado movimento regular e de seguida, girando o pescoço e a cabeça, deslocarmos a nossa visão para um outro objecto imóvel, este parecerá afectado por um movimento em sentido oposto.97 Já quando, e com o corpo e a cabeça fixos, percepcionamos, por exemplo, a informação gráfica de um cartaz colocado numa parede à altura dos olhos, é a retina que entra em acção, através dos movimentos oculares, produzindo os conhecidos movimentos sacádicos98 que possibilitam descodificar o que se está ver. Em relação às dimensões do cartaz é a movimentação do nosso corpo, para a frente e para trás, e/ou para ambos os lados, que fornece a informação necessária à percepção da realidade espacial, dando-nos, desse modo, uma ideia aproximada das suas dimensões. Podemos designar esta acção “delimitação do espaço visuo-motor” (Musseler, 2004).

Mas quando um objecto imóvel parece mover-se por efeito do movimento de outro objecto que lhe está próximo, designamos esse fenómeno por “movimento induzido”. Foi o investigador Dunker, em 1929, quem estudou as leis da indução de movimento em termos espaciais, em que cada objecto serve de frame a um outro e assim sucessivamente. Duas regras, regulam a organização perceptual deste “tipo” de movimento; a primeira aponta o estímulo da percepção como puramente relacional, enquanto a segunda assenta na organização da percepção, que estabiliza tudo o que nos rodeia e que se encontra em movimento. Neste último caso, a indução de movimento baseia-se na “captura” visuo- motora, acompanhada de um juízo de direcção (Hershenson, 1999).

Paillard sugere a existência de um campo visual formado por dois espaços distintos: um de cariz propriamente visual, centrado na informação obtida na retina, e outro responsável pela produção de informação que advém dos movimentos do corpo. Ou seja, a

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Estes efeitos parecem significar que os activadores psico-fisiológicos (células), responsáveis pela noção de movimento, demoram algum tempo a ser “desactivados”. Estes activadores foram descobertos em 1962 (por Hubel et Wiesel), e encontram-se por toda a retina (pequenos receptores especializados em reagir à deslocação de objectos), lado a lado, despoletando uma reacção em cadeia que leva a informação às células, no córtex, que produzem a sua efectiva visualização no lobo occipital.

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O córtex visual executa um conjunto de movimentos rápidos e imperceptíveis, dos quais resulta um “mapa” complexo de vectores que percorrem todas as áreas envolventes da situação analisada. O “olhar” é, desta forma, um imenso “emaranhado” de vectores que correspondem às correcções necessárias ao apuramento formal final daquilo que se está a ver.

percepção espacial é, no âmbito do nosso sistema visual, entendida essencialmente como uma estrutura sensorial-motora, onde a forma anatómica dos músculos desempenha um papel importante na forma como estes comandam os próprios movimentos do corpo e o seu desempenho face a tudo o que o condiciona – verticalidade/horizontalidade, a sua massa.

Se assim não fosse, dificilmente percebíamos algumas questões em particular, por exemplo, a visão estereoscópica, na qual a acomodação do cristalino, por si só, não é suficiente para a definição da totalidade do campo visual.

Desta forma, estamos perante uma estranha relação entre os nossos órgãos sensoriais e o tratamento em paralelo de informação “outra”, com consequências efectivas que se reflectem na forma como identificamos um espaço global e unificado.99 E o mesmo acontece quando percepcionamos, por exemplo, um filme, numa sala de cinema, sabendo que parte da nossa atenção está focada na informação luminosa que é disseminada pelo cone de luz, projectado num ecrã (produzida por um projector), que irá despoletar nos nossos “olhos” um comportamento “puramente” mecânico. Na “captura” da informação luminosa, que incide na retina, estão implicados todos os movimentos do corpo, toda a estrutura do esqueleto que se traduz por pequenas torções do nosso tronco e da nossa cabeça face ao que está a ser percepcionado (Hershenson, 1998).

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