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identificá-los, dominá-los e monitorá-los para evitar que

eles nos sabotem.

Vej a alguns dados específicos das conclusões apresentadas por Felitti e Anda. Para um paciente com um índice acim a de 6 na escala, a possibilidade de j á ter tentado tirar a própria vida era 30 vezes m aior do que alguém com índice zero. Alguém com um índice superior a 5 tinha um a tendência 46

vezes m aior de ter usado drogas inj etáveis do que alguém com um índice igual a zero. Se um paciente tinha um índice 4, as chances desse paciente ser um fum ante era o dobro do que alguém com um índice inferior. Essa pessoa tam bém tinha sete vezes m ais chances de ter problem a com o alcoolism o, e era duas vezes m ais propensa a ter câncer e problem as cardiovasculares do que aqueles com índices inferiores.

O que esse estudo nos m ostra? Olhando os resultados dessa form a, parece que não restam dúvidas de que som os, de fato, vítim as inquestionáveis do contexto em que nascem os e crescem os. Essa é um a das conclusões que os pesquisadores tentam nos passar. Mas com o fica a questão do princípio de Sartre, que vim os no início desse capítulo? Se form os o resultado do condicionam ento psicológico do contexto em que vivem os nossa infância, onde fica a liberdade de nos construir, defendida por Sartre?

A síndrome de Freud

A constatação de que traum as vividos na infância influenciam de form a determ inante a m aneira com o nos sentim os e agim os ao longo da vida não é novidade. Ainda no início do século XX, o filósofo e psiquiatra austríaco Sigm und Freud j á afirm ava que 80% da nossa personalidade se define, de m aneira fixa, antes de com pletarm os 14 anos. Ainda hoj e, essa afirm ação de Freud é aceita quase que inquestionavelm ente. Acreditam os que, depois dos fatores biológicos, que acreditávam os definir características com o inteligência e criatividade, o contexto em que vivem os até os 14 anos, considerado o período crítico para a form ação da nossa personalidade, é o fator m ais im portante na form ação dos resultados que obterem os na vida. A questão, porém , com o verem os a seguir, parece ser bem m ais com plexa e interessante.

Se olharm os para o estudo de Felitti e Anda, um a coisa não poderem os negar: seus resultados são inegavelm ente intrigantes e precisam ser tratados com enorm e seriedade. Mas será que esses dados nos fornecem evidências conclusivas de que realm ente são os traum as e abusos que sofrem os nos prim eiros anos da infância que causam um im pacto devastador sobre nossa personalidade? Ou, dito de outra form a: será que os fatores que causaram o im pacto negativo na vida dessas pessoas foram de fato os abusos e os traum as em si? Ou será que é a falta de controle sobre os dem ônios pessoais que habitam nossa m ente?

preencheram os form ulários fornecidos pelos pesquisadores, eles tinham em torno de 57 anos de idade. O que isso significa? Que j á havia se passado m ais de quatro décadas do m om ento em que essas pessoas haviam convivido com os traum as que elas relataram terem sido vítim as na infância. Ou sej a, o que elas relataram não é o evento em si, m as a m em ória da relação que eles têm hoj e, aos 57 anos, com o evento que sofreram na infância.

Esse parece ser um detalhe sim ples ou até m esm o insignificante. Mas não é. Ele cria sérias im plicações que m udam com pletam ente o resultado do estudo. Em síntese, a grande questão é sobre o que de fato causou a relação constatada no estudo de Felitti e Anda: o que im pactou a vida dessas pessoas foram os eventos traum áticos e abusivos sofridos na infância, ou foi o tipo de m entalidade que eles usaram para se relacionar com esses eventos ao longo da vida? Você se lem bra do princípio de Sartre? Assim com o a Teoria da Mentalidade, ele diz que m ais im portante do que aquilo que acontece conosco é a m aneira com o agim os com o que nos acontece. Nesse caso, o problem a m aior não é nosso passado, m as a m aneira com o nos relacionam os com ele.

Vam os testar nossa proposição com um exem plo: Betto Alm eida. Ele é um a pessoa superfeliz, grata, entusiasm ada e bem -sucedida. Se você perguntasse a Betto se ele sofreu algum traum a ou violência na infância, ele responderia que não.

“Tive a felicidade de ter um a fam ília unida e carinhosa. Durante m inha infância nunca vi m eus pais discutirem . Minha m ãe trabalhava com o em pregada dom éstica e m eu pai era m otorista de cam inhão. Todos se aj udavam e aprendi desde cedo que o trabalho dignifica o hom em ”, ele contou.

Mas qual é a realidade? Na verdade, a história da infância de Betto, assim com o de tantas outras pessoas, não é nenhum conto de fadas. Ele cresceu num bairro pobre e violento de Santa Rosa, no interior do Rio Grande do Sul. Na época, ocorriam assassinatos quase que diariam ente na vizinhança. Seus pais deixaram a zona rural e foram para a cidade em busca de em prego. Quando ele tinha quatro anos, um m otorista bêbado, desgovernado, invadiu o bairro com um cam inhão carregado de m adeira. Betto estava parado no portão da cerca que protegia a casa de seus pais. O cam inhão derrubou a cerca que caiu em cheio por cim a dele. Quando seu pai correu para socorrê-lo, tirou-o debaixo das rodas do cam inhão. Estava com a m andíbula quebrada e com o rosto e os braços cheio de cortes que deixaram cicatrizes para o resto da vida. Com o Betto se refere a esse acidente? Com o um m ilagre que o poupou da m orte!

Aos cinco anos, Betto passou a frequentar um centro de assistência para crianças carentes. Aos sete, pegava um a caixa de engraxate e ia até a rodoviária engraxar os sapatos dos viaj antes. Mais tarde, vendia picolé, lavava carros e entregava j ornais. Não havia am biente para se tornar a pessoa dócil, querida e entusiasm ada que ele é. Mas qual é a análise que ele faz desses períodos de sua vida?

“Muitos dos m eus am igos se destruíam apelando para o álcool, as drogas e a violência. Vi um am igo m eu m orrer ao ser atingido na cabeça por um a

pedra atirada por outro colega. Muitos foram presos, outros assassinados... De alguns eu ficava sabendo pelas páginas policiais. Não queria ser m ais um nas estatísticas... Eu queria ser gente!”

No capítulo um vim os que existem dois fatores relativam ente independentes que dão form a à vida hum ana. Um é o destino e o outro são nossas escolhas. O destino são acontecim entos e circunstâncias sobre as quais não tem os controle. Nossas escolhas são o resultado da som a de nossas características m entais, ou sej a, do nosso caráter. Apesar de o destino ser im posto e im utável, ele sem pre oferece um a gam a de opções sobre as quais tem os o poder de escolha. É nosso caráter que define com o farem os uso do poder de escolha.

Com o isso se aplica aos fatores biológicos e ao contexto cultural no qual nascem os e crescem os? Am bos, tanto os fatores biológicos com o o contexto cultural, com todos os seus eventuais traum as e abusos, são fatores fixos. Eles fazem parte do que cham am os de destino. Mas, com o vim os, ele é apenas um lado da m oeda. O outro é o nosso caráter, ou sej a, nossa decisão de com o irem os agir com os eventos que nos são im postos pelo destino.

Qual a conclusão que podem os tirar de histórias com o a de Betto Alm eida? Apesar de ter tido um a infância traum ática, cheia de eventos trágicos, Betto obteve um im pacto positivo desses eventos. Ele não se deixou afetar pelos acontecim entos negativos. Betto optou por olhar o lado bom , o fator positivo que existia em sua vida até m esm o nesses eventos. As pessoas analisadas por Felitti e Anda foram afetadas de um a form a m uito m ais incisiva pelo tipo de m entalidade do que pelos traum as em si. Todos nós, em algum m om ento, sofrem os eventos traum áticos, abusos e, até m esm o, som os expostos à violência. Esse é um contexto quase que inevitável, e ele não pode servir para j ustificar nossos fracassos na vida.

Em outras palavras, o que estam os afirm ando é que os resultados constatados por Felitti e Anda não são consequência direta dos abusos sofridos pelos participantes, m as da sua relação m ental com esses abusos ao longo da vida. Cada traum a, abuso ou condicionam ento que sofrem os na infância se torna um dem ônio que passa a habitar nossa m ente. A vida adulta passa a ser um a luta diária com esses dem ônios. Se não os isolarm os e exercerm os controle sobre eles, eles passarão a nos controlar e a com andar nossas ações. Nesse caso, e som ente nesse caso, nos tornam os, de fato, vítim as do nosso condicionam ento psicológico da infância.

Por que é tão com um cair nesse tipo de engano causado por um a m entalidade errada? Um im portante fator a levar em conta é o fato de que nossos erros nem sem pre são óbvios. Um a das arm adilhas de um a m entalidade errada é de que ela nos faz acreditar que tudo está indo bem , m esm o quando, na verdade, estam os num círculo vicioso onde essa própria m entalidade, aos poucos, vai corroendo a estrutura que nos sustenta.

Se você não criar m ecanism os de avaliação da sua m entalidade você não terá condições de descobrir se suas escolhas o levarão ou não ao obj etivo proposto. Por consequência, você não terá com o prom over a m udança. Você precisa m onitorar suas ações e suas escolhas com um planej am ento adequado. Esse planej am ento, quando m onitorado, lhe servirá de referência para avaliar se suas escolhas estão lhe levando para onde você quer chegar, ou não. Essa referência evitará que você sej a iludido pela m entalidade que se instala aos poucos, e que o afasta da sua singularidade.

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