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103 15.2.4.2 TEORIAS SOBRE A NATUREZA JURÍDICA

No documento 1.1 CONCEITO DE DIREITO PENAL (páginas 103-107)

São três as teorias sobre a natureza jurídica do crime continuado41:

a) Unidade real: os vários fatos, na verdade, constituem um único delito.

b) Ficção jurídica: existem vários crimes que, por uma ficção baseada no objetivo de não se aplicar pena demasiadamente rigorosa, a lei considera um único delito. É a teoria adotada

pelo Código Penal.

c) Mista: os fatos não são um só crime, pois cada um deles configura por si um crime; mas o crime continuado constitui um terceiro delito que é composto por uma pluralidade de fatos.

15.2.4.3. REQUISITOS PARA O RECONHECIMENTO DO CRIME

CONTINUADOS

a) Diversidade de condutas: requer uma pluralidade de condutas. Difere, portanto, do concurso formal, em que há apenas uma conduta. Exemplo: no delito de roubo, com pluralidade de vítimas, aplica-se a regra do concurso formal, e não a continuidade delitiva. b) Crimes da mesma espécie: as condutas-partes que compõem o crime continuado devem caracterizar crimes da mesma espécie. A definição do que seja crime da mesma espécie, entretanto, não é pacífica.

b.1.) Parte da doutrina entende que são da mesma espécie os crimes previstos no mesmo tipo legal, isto é, aqueles que possuem os mesmos elementos descritivos, abrangendo as formas simples, privilegiadas e qualificadas, tentadas ou consumadas.42 Assim, segundo esse entendimento, não são crimes da mesma espécie, por exemplo, roubo e extorsão, roubo e furto, estupro e atentado violento ao pudor, embora possam ser eles do mesmo gênero (contra o patrimônio, contra a liberdade sexual). A jurisprudência tem-se inclinado nesse sentido.

b.2.) Outro segmento da doutrina, de modo diverso, entende que crimes da mesma espécie não são somente aqueles previstos no mesmo tipo, mas sim os que possuem características fundamentais comuns. Assim, ainda que não idênticos, ao atentarem contra um mesmo bem jurídico, serão eles tidos como da mesma espécie.43 Com efeito, ao determinar a aplicação da “pena mais grave”, sinaliza a lei no sentido da possibilidade de serem os crimes diferentes, contanto que sejam da mesma espécie. Consoante essa posição, seria possível reconhecer-se a continuação entre furto e roubo, roubo e extorsão, estelionato e qualquer outra fraude, entre muitos.

41 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 559. 42 Nessa linha, Damásio E. de Jesus e José Frederico Marques.

c) Nexo adverbial da continuidade delitiva: tempo, lugar, modo de execução e outras semelhantes. Não basta a similitude entre as espécies de crimes; é preciso, ainda, outras semelhanças entre eles para que seja reconhecida a continuidade delitiva, a saber:

c.1.) Nexo temporal: um longo lapso temporal separando a reiteração dos fatos pode, com base na razoabilidade, afastar a continuidade delitiva, mas não há critério preciso de aferição do espaço de tempo em que são cometidas as ações em continuidade. A jurisprudência, de modo geral, tem aceitado o prazo de até trinta dias entre as infrações penais, mas o nexo de tempo deve ser analisado em conjunto com as outras circunstâncias exigíveis para a configuração do instituto. Sendo longo o tempo que separa uma ação e outra, a continuação só existirá se as demais condições objetivas assim indicarem.

c.2.) Nexo espacial: é preciso haver uma espécie de conexão espacial a unir os crimes componentes, mas, a exemplo dos demais requisitos, a similitude de espaço não pode ser encarada com excessivo rigor. Em regra, tem-se reconhecido a continuidade delitiva mesmo em casos de prática do mesmo delito seguidamente em locais diversos, como, por exemplo, bairros da mesma cidade e até cidades próximas. c.3.) Modo de execução: as condutas-partes devem guardar, entre si, similitude no que diz respeito ao modus operandi, ou seja, o agente deve ter laborado com técnicas parecidas na prática do delito. Ex.: enfermeiro que, de forma continuada, aplica injeção letal em seus pacientes. No caso concreto, a ausência de homogeneidade quanto ao modo de execução dos crimes pode inviabilizar a configuração do crime continuado.

c.4.) Outras condições semelhantes: a fim de flexibilizar a aplicação do instituto e de abranger quaisquer outras circunstâncias que possam indicar a continuidade delitiva, o Código Penal incluiu, dentre os requisitos do crime continuado, a expressão genérica “outras condições semelhantes”. Aqui, pode-se incluir, por exemplo, condições semelhantes de oportunidade ensejadoras do delito. Em síntese, é o conjunto de todos os requisitos, no caso concreto, que convencerá o julgador acerca da existência ou não do crime continuado. Isoladamente, nenhuma delas é decisiva.

15.2.4.4. APLICAÇÃO DA PENA

Adotou-se a regra da exasperação, de modo que se aplica a pena do crime mais grave, ou de um deles, se idênticas as penas, aumentada na forma do art. 71, caput ou § único:

a) Crime continuado comum ou simples (caput do art. 71): cometido sem violência ou grave ameaça contra a pessoa. Aplica-se a pena do crime mais grave, aumentada de 1/6 a 2/3. Exemplo: prática continuada de sonegação fiscal. Não há parâmetro para o aumento de 1/6 até 2/3; contudo, a jurisprudência tem-se valido, para isso, do número de infrações penais cometidas.

b) Crime continuado específico ou qualificado (§ único do art. 71): exige para sua configuração, além dos requisitos objetivos da continuidade, outros três: crime doloso (afastam-se, pois, os crimes culposos); praticado contra vítimas diferentes (se a vítima for a mesma, a hipótese será do caput do mesmo artigo); e cometido com violência ou grave

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ter havido violência ou grave ameaça). Preenchidos os requisitos legais, o julgador, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, poderá, se entender cabível, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo. Houve omissão da lei quanto ao quantum mínimo da majoração, por isso alguns autores sustentam que se deve utilizar o mínimo previsto no caput do artigo 71, ou seja, 1/6, enquanto outros entendem que fica a critério do juiz demarcar o mínimo da exasperação.

Multa: há divergência doutrinária e jurisprudencial sobre a forma de aplicação da pena de

multa. Um primeiro entendimento é de que nos casos de crime continuado a pena de multa será aplicada distinta e integralmente. Outro entendimento é no sentido de que, sendo o crime continuado um só para efeito de aplicação da pena, deve-se aplicar o sistema de exasperação também à pena de multa, não incidindo, portanto, a regra do art. 72 do CP. (Conforme a segunda posição já decidiu o STJ, REsp 909.327/PR, 6ª T. Dje 2010).

15.2.4.5. CONCURSO MATERIAL BENÉFICO

Assim como no concurso formal, se da aplicação da regra do crime continuado, a exasperação implicar desproporcional aumento da pena, resultando ela superior à soma das penas individualmente aplicadas a cada crime, aplica-se a regra do concurso material, somando-as.

15.2.4.6. SUPERVENIÊNCIA DE LEI MAIS GRAVOSA

Súmula 711 do STF: “A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência.” Portanto, se há sucessão de leis penais no tempo, sendo substituída uma menos grave por uma mais gravosa e o crime continuado segue sendo praticado, aplica-se a ele a pena da lei posterior. Não há ofensa ao princípio da irretroatividade de lei penal mais gravosa.

15.2.4.7. PRESCRIÇÃO E CRIME CONTINUADO

Súmula 497 do STF: “Quando se tratar de crime continuado, a prescrição regula-se pela pena imposta na sentença, não se computando o acréscimo decorrente da continuação.” Portanto, para verificação do prazo prescricional, se considera a pena aplicada a cada fato individual e não a pena aplicada em razão do aumento derivado do crime continuado. No mesmo sentido: art. 119 do Código Penal.

16.1. CONCEITO

Pena é a consequência jurídica da prática de um crime, imposta pelo Estado. Consiste na restrição de bens jurídicos do autor do crime em resposta à sua ofensa a um bem jurídico de grande valor social.

O sistema de penas em vigor no Brasil tem por base os incisos XLVI e XLVII do art. 5.º da Constituição Federal, que elencam, respectivamente, as penas permitidas e proibidas no país. São proibidas as penas de morte, salvo em caso de guerra declarada (art. 84, XIX), as de caráter perpétuo, as de trabalhos forçados, a de banimento e as penas cruéis, ou seja, aquelas cuja imposição e execução trazem requintes de desumanidade. Ademais, as penas impostas não podem agredir a dignidade da pessoa humana (art. 1.º, III, CF).

São permitidas, no direito penal brasileiro, as penas de privação ou restrição de liberdade, a perda de bens, a multa, a prestação social alternativa e a suspensão ou interdição de direitos. Embora não esteja explícita, há uma hierarquia entre elas, tendo em vista a importância do bem jurídico protegido (reclusão, detenção, prisão simples, restritivas de direitos e multa).

Em alguns casos, a sanção aplicável a quem praticou fato típico e ilícito não será uma pena, mas uma medida de segurança, de acordo com o sistema vicariante trazido pela Reforma Penal de 1984, conforme se verá abaixo.

16.2. TEORIAS DA PENA OU TEORIAS SOBRE OS FINS DA PENA

A questão dos fins da pena, do que se pretende com a aplicação da pena, está indissociavelmente ligada aos fins do próprio direito penal e de premissas valorativas e políticas sobre os próprios fins do Estado.

16.2.1. TEORIAS ABSOLUTAS OU RETRIBUTIVAS

A pena não tem uma finalidade distinta da punição do criminoso. Trata-se de uma retribuição, expiação, reparação ou compensação, por questão de justiça, do mal que é o crime por meio da aplicação da sanção penal. Ao mal do crime, que é a negação do direito, corresponde o mal da pena, que deve ser proporcional à culpabilidade do agente, sendo este seu principal mérito, ao estabelecer um limite para a pena, até então ilimitada. A teoria absoluta da pena foi defendida, entre outros, por Kant e Hegel.

Contra tais teorias pesa a crítica de que a pena não pode ser vista como um fim em si mesma, pois trata-se de um meio para alcançar uma finalidade maior. Além disso, contrariam o princípio da subsidiariedade do Direito Penal e estarem vinculadas a uma ordem absoluta de valores incompatível com sociedades plurais e democráticas.

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