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Descrição

A qualidade da atenção plena pode ser trazida para praticamente qualquer ati- vidade. As características da atenção ple- na, como não julgamento, contato com o presente e habilidade de experimentar os eventos mentais como um processo que se desenrola diante de um observador, po- dem criar uma experiência mais viva ou conectada durante a atividade escolhida. Além dessa dimensão fenomenológica, trazer diligentemente a atenção plena às atividades do dia a dia dá aos pacientes inúmeras oportunidades para praticar o aumento da capacidade de regulação emo- cional, à medida que adotam os compor- tamentos necessários e frequentemente habituais. Cozinhar é um aspecto de nos- sa vida ignorado com frequência, já que nossa cultura nos impulsiona a uma expe- riência apressada, que costuma recorrer ao

fast-food ou, no mínimo, a refeições casei-

ras preparadas rapidamente. Desacelerar e adotar os comportamentos essenciais à nutrição e ao bem-estar físico é reconhecer com muito cuidado e atenção a conexão íntima com nosso ambiente. O exercício a seguir fornece um exemplo relativamente simples para a preparação de chá. O chá tem um lugar especial na tradição zen: a cerimônia do chá tem uma história longa e reverenciada como forma de arte e prática de atenção plena no Japão. Nosso exemplo neste texto estende a preparação do chá ao ato de bebê-lo. Ao fazê-lo, esta prática de atenção plena guia os pacientes ao longo do processo de transformação da comida, por meio da conceituação, da preparação e do consumo. Novamente, este exercício é concebido como forma de “prática gene-

ralizadora”, bem como uma modalidade de treino de atenção plena em si.

Questão a ser

proposta/intervenção

“O que você percebeu em relação à prepa- ração do chá que não teria percebido antes? O que notou quanto aos cinco sentidos? Que pensamentos, emoções e experiências corporais se apresentaram durante a práti- ca? Como a experiência foi diferente da for- ma como você normalmente prepara e con- some alimentos ou bebidas? Como a expe- riência pode se relacionar ao cultivo de uma relação saudável com as suas emoções?”

Exemplo

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Nosso primeiro exercício culinário de atenção plena pode envolver a preparação de qual- quer prato, mas é melhor começar com algo bem pequeno, com instruções explícitas. O exemplo que usamos aqui é o simples pre- paro de chá. Antes de iniciá-lo, certifique-se de estar trabalhando em um espaço limpo, de preferência livre de desordem. Você pode colocar uma cadeira ou banco próximo ao fo- gão. Será necessário um bule para encher com água a ser fervida. Você também precisará de uma xícara ou caneca, um saco de chá ou coador para folhas de chá e talvez um pires. Por favor, tenha cuidado ao executar os pas-

sos deste exercício, porque estará lidando com um fogão e água quente. O perigo potencial de se usar fogo e/ou um aquecedor elétrico, bem como água fervente, pode ser visto como lembrete de que não buscamos “distrair-nos” ou entrar em algum tipo de transe ao prati- carmos a atenção plena. Pelo contrário; na verdade, buscamos “acordar” e estar plena- mente alertas e presentes em relação ao que acontece em nosso campo de atenção. Colo- que o bule, o chá e outras coisas de que possa precisar no preparo do chá sobre o fogão. Se possível, sente-se sobre o banco ou cadeira ao lado do fogão. Com os olhos abertos, traga parte da atenção para as sensações físicas que se apresentam no momento. Comece deixan- do que a consciência siga o fluxo da respira- ção. Observe seu fluxo respiratório, enquanto se move para dentro e fora do corpo. Com um “leve toque” no “fundo de sua mente”, deixe que parte de sua atenção siga a respiração, e fale, de modo silencioso: “ao inspirar, sei que estou inspirando” e “ao expirar, sei que estou expirando”. Prossiga por alguns ciclos de respiração. Em seguida, traga parte de sua atenção para o corpo. Ao inspirar, permita- -se “inspirar atenção” em ralação ao corpo como um todo. Mantenha os olhos abertos ao fazê-lo. Nosso objetivo neste ponto é ape- nas observar o que estiver presente, sem nada mudar, sem nada relaxar, sem analisar ab- solutamente nada. Se o relaxamento chegar, é perfeitamente aceitável. Você pode tratá-lo como um hóspede conhecido que apareceu em uma noite de inverno.

O relaxamento é bem-vindo, mas criá-lo não é a meta. Após alguns minutos, levante-se da cadeira. Da melhor forma que puder, mantenha viva uma parte da cons- ciência plena com a qual você acaba de se sintonizar, ao encher cuidadosamente o bule com água e colocá-lo no fogão. Sinta o cabo do bule na mão. Qual é a sensação? Qual é a textura? Qual é a temperatura? O quão pe- sado é o bule, antes e depois de tê-lo enchido

7 As diretrizes a seguir são adaptadas de várias fontes,

notavelmente as meditações guiadas de Jon Kabat-Zinn (1990). Uma porção das instruções de preparo do chá é adaptada de um exercício de Steven Hayes (Hayes e Smith, 2005). Algumas ideias e frases adicionais tam- bém são adaptadas dos escritos de Thich Nat Hanh (1992) e outras fontes clínicas de meditação.

com água? Que sons você ouve em sua fren- te? Atrás? Acima? Ao fazê-lo, você consegue manter parte de sua atenção nos pés e sentir o peso do corpo? Permita-se acender a cha- ma e ferver a água. Enquanto aguarda que a água ferva, o que se passa em sua mente? À medida que cada novo pensamento, imagem ou emoção entra em sua consciência, observe atenta e pacientemente, momento a momen- to. Quando o pensamento começa? Quando acaba? Você consegue notar o espaço entre os pensamentos? Qual é a qualidade da espera? Em breve, você notará que a água estará fer- vendo. Quando ela ferver, e você perceber que é hora de apagar o fogo e pôr a água no chá, o que nota em seu corpo? Como experimenta a motivação para agir em seu corpo físico? Em seus pensamentos? Nas emoções? Remova o chá do fogo, desligue o fogão e então despeje a água quente na xícara. Adicione o saquinho de chá ou coador. Observe a água enquanto ela começa a mudar. Perceba a tonalidade e a cor da água, conforme ela escurece e se trans- forma em chá. Observe as mudanças. Em poucos minutos, o chá estará pronto. Remo- va o saquinho ou coador e coloque-o de lado. O que você nota agora em relação à cor do chá? Traga as mãos à xícara. Perceba o calor dela. Perceba a textura da superfície da xí- cara. Perceba como seu corpo responde neste momento ao toque da louça. De que forma essa experiência da xícara de chá é diferente? Prepare-se para tomar um gole, trazendo a xícara aos lábios. Perceba o vapor diante do rosto. Sopre a superfície do chá e veja o que ocorre. Cheire o chá. Tome um gole. Qual é o gosto? Qual é a textura em sua boca? Qual é a temperatura do chá? Que imagens vêm à mente ao bebê-lo? Dê-se um momento para reconhecer a corrente de associações que se apresentam diante de você neste simples ato de tomar uma xícara de chá. Quando estiver pronto para terminar o exercício, abaixe a xí- cara, tome a decisão de deixar a prática for- mal de beber conscientemente o chá e expire.

Ao expirar, deixe o exercício completamente. Agora que o exercício está completo, dê-se crédito por trazer um pouco mais de presença à sua experiência cotidiana. Veja se consegue carregar um pouco desta presença consigo du- rante o dia.

Tarefa

Diferentemente de muitos exercícios ante- riores, a prática de cozinhar com atenção plena é concebida mais como exemplo de como utilizar esta forma de consciência du- rante as atividades cotidianas do que como uma tarefa regular. Após praticá-la, os pa- cientes podem aplicar o treino da atenção plena em atividades como cozinhar, checar

e-mails e cuidar de casa, por exemplo. Não

obstante, essas atividades não precisam ne- cessariamente ser realizadas em uma pers- pectiva formal ou guiada.

Possíveis problemas

Ao apresentarmos este exercício neste pon- to do texto, você provavelmente consegue deduzir os possíveis obstáculos que os pa- cientes podem encontrar ao se dedicarem à atenção plena aplicada. Por favor, retorne à seção “possíveis problemas” referentes a cada técnica deste capítulo se não estiver claro quais desafios podem se apresentar. Uma advertência especial é digna de ser mencionada: cozinhar com atenção plena exige atenção deliberada à segurança quan- do se trabalha com fogo e utensílios de co- zinha. O terapeuta deve lembrar o paciente disso. Conforme vimos, a atenção plena en- volve “ficar acordado”, em vez de mergu- lhar em um transe, e cozinhar com atenção no presente deve abranger esse princípio, com a devida concentração nos detalhes necessários à atividade.

Referência cruzada

com outras técnicas

Cozinhar com atenção plena está relaciona- do diretamente às seguintes técnicas: aten- ção plena respiratória, consciência plena do movimento, exercício de ampliação de espaço, atenção plena do som, espaço res- piratório de 3 minutos e espaço de 3 minu- tos de manejo da respiração, bem como ao preen chimento do Registro de Pensamen- tos Emocionalmente Inteligentes e ao Re- gistro “Como Parar a Guerra”.

Formulário

Formulário 5.1: Registro Diário da Prática da Atenção Plena.

CONCLUSÕES

O treino da atenção plena emergiu como um elemento muito importante e cada vez mais popular em muitas variações da TCC. Para implementar técnicas baseadas na atenção plena de forma efetiva, o tera- peuta deve estabelecer uma compreensão conceitual muito clara de seu significado. A atenção plena é um modo de prestar aten- ção ao presente em um estado de disposi- ção paciente. Essa postura atenta pode ser aprendida por meio de uma série específica de exercícios e, assim, levar ao aumento da capacidade do paciente de regular as emo- ções.

Para utilizar técnicas baseadas na aten- ção plena, o terapeuta deve se basear em sua prática estabelecida. O treinamento da

atenção plena é muito menos uma questão de juntar informação do que de adquirir desenvoltura em uma técnica experimen- tal. Isso envolve o emprego consciente da atenção e a ativação de uma variedade de funções do sistema nervoso central, da respiração e do corpo. Com o tempo, esse modo de atenção pode ser aplicado durante as atividades diárias e pode estar presente em boa parte da vida do paciente.

É possível que alguns pacientes ve- jam as práticas envolvidas na atenção plena como meditação e, de fato, muito do que foi apresentado neste capítulo foi adaptado de tradições que podem ser chamadas de práticas “meditativas”. Contudo, o termo “meditação”, apesar de razoavelmente pre- ciso, permite uma bagagem e associações culturais inexatas ou enganosas para mui- tos terapeutas e pacientes. O treinamen- to de atenção plena pode ser apresentado como um simples método de treinamento da mente em uma forma flexível, aceitá- vel e adaptativa de atenção. O treinamento pode ajudar os pacientes a lidarem melhor com o estresse, a reduzirem o impacto da ansiedade e a tolerarem estados emocionais difíceis.

A atenção plena tem possibilidade de servir como a “argamassa” metafórica en- tre muitos outros “tijolos” fornecidos pelas técnicas apresentadas neste livro. Por exem- plo, adotar um modo consciente de atenção pode ajudar os pacientes a identificarem e a se distanciarem de esquemas mal-adap- tativos. A atenção plena tem condições de propiciar o crescimento da autocompaixão ou da disposição para tolerar o sofrimento. Assim, trata-se de um elemento compatível com grande parte de nosso trabalho com regulação emocional.

Poucos de nós discordariam da importân- cia de rejeitar situações prejudiciais ou peri- gosas e de buscar segurança, sobrevivência e mesmo conforto. Por exemplo, se vejo um ônibus vindo em minha direção, saio da frente. Quando percebo que a comida que estou prestes a comer cheira mal, opto por jogá-la fora, em vez de me envenenar. A se- leção natural assegurou que herdássemos a tendência a evitar coisas nocivas. Entretan- to, a tendência a evitar coisas desagradáveis pode se tornar generalizada e rígida, resul- tando em dificuldades quando nos depara- mos com eventos ou aspectos da vida que não podemos modificar ou evitar (Hayes, Luoma, Bond, Masuda e Lillis, 2006).

Tentativas de evitar pensamentos e emoções desagradáveis podem às vezes nos fazer vivenciá-los mais frequente ou intensamente (Purdon e Clark, 1999; Weg- ner et al., 1987; Wenzlaff e Wegner, 2000). Podemos lutar para afastar sentimentos e ideias não desejados, apenas para que eles ressurjam repetidamente. Quando temos pensamentos e sentimentos emocional- mente desafiadores, às vezes reagimos a eles como se fossem literais ou reais (Hayes et al., 2001). Por exemplo, penso “ninguém

jamais vai querer ficar comigo”, posso le- var isso ao pé da letra e vivenciá-lo como se fosse um fato. Consequentemente, mi- nhas opções comportamentais tendem a se estreitar, à me dida que me isolo e limito as possibilidades de minha vida. Essa cadeia de eventos tem potencial para se desdobrar de tal forma que a esquiva experiencial nos impeça de ter uma vida significativa e com propósitos.

A aceitação experiencial, frequente- mente descrita como “disposição”, oferece um modo alternativo de relacionamento com as experiências pessoais. Os proces- sos baseados na aceitação “consistem em adotar postura intencionalmente aberta, receptiva e não julgadora com respeito a vários aspectos da experiência” (K. G. Wil- son e DuFrene, 2009, p. 46). A disposição para fazer contato direto com experiências difíceis não é empreendida como fim em si mesma; ela representa a escolha de experi- mentar plenamente até os eventos internos mais difíceis, a serviço da busca das metas que valorizamos na vida.

Neste contexto, aceitação e dispo- sição não significam endossar ou buscar expe riências desagradáveis. Não estamos sugerindo que a pessoa deva se forçar a aproveitar, desejar ou abraçar a dor e as di- ficuldades da vida. Quando nos apoiamos na realidade, somos forçados a admitir que a

* N. de R.T.: Willingness, no original. Pode ser também

traduzido como “boa vontade”.

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