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Descrição

O termo “gentileza amorosa” é uma tradu- ção da palavra metta, que na antiga língua pali representava um senso de profundo cuidado, boa vontade e preocupação com o bem-estar de todos os seres. Essa for- ma de boa vontade envolvia ausência de apego aos objetos desse cuidado. Em seu nível mais fundamental, metta represen- tava uma forma de aspiração ao amor e gentileza universais. Tradicionalmente, acreditava-se que a prática regular da me- ditação de metta resultaria na interrupção da hostilidade e da agressividade daquele que a praticava. Pensava-se que isso leva- ria a um maior grau de saúde espiritual e pessoal, inclusive ajudando o praticante a superar problemas como insônia ou pesa- delos. Tais ideias refletem-se nas pesquisas recentes de neuroimagem de praticantes de longa data da meditação compassiva (Lutz, Brefczynski-Lewis, Johnstone e Davidson, 2008), mostrando que praticantes avan- çados de meditação focada na compaixão reagiram a estímulos adversos com maior ativação das áreas cerebrais envolvidas na empatia, no amor e nas emoções positivas, como o córtex cingulado anterior e a ínsu- la. Isso apoia a afirmação de Gilbert (2009), de que o treinamento da mente compas- siva pode resultar em mudança do modo de regulação emocional, de um sistema de reação ansioso, agressivo ou baseado em ameaças para um sistema tranquilizador de afiliação e baseado na compaixão.

Na meditação da gentileza amorosa, somos apresentados a um exemplo único de intervenção pré-científica, elaborada espe- cificamente para fomentar uma regulação emocional mais adaptativa e tratar ansieda- de e agressividade, que agora é sustentada por evidências empíricas. A prática é muito simples e consiste na visualização, por parte do praticante, como sendo inocente e me- recedor de compaixão e cuidado. Quando essa imagem é formada, ele começa a reci- tar uma frase que aspire à autocompaixão, como “que eu seja preenchido com gentile- za amorosa, que eu esteja em paz e à von- tade, e que eu esteja bem”. Acompanhando essa visualização e recitação, a pessoa que pratica esse treinamento também almeja fomentar uma experiência sensorial direta de compaixão e amor, focando as sensações corporais relacionadas com tais emoções. Isso é tradicionalmente praticado de forma regular por cerca de 30 minutos, durante um longo período. Após gerar a autocom- paixão, esse exercício pode ser usado para cultivar compaixão pelos outros, mesmo aqueles dos quais se tenha raiva ou má von- tade. Assim, quando o paciente permanece envolvido nesta prática meditativa tanto quanto possível, ele se habitua gradualmen- te à experiência da compaixão e aumenta a habilidade de permanecer de maneira flexí- vel na presença de sentimentos difíceis que possam surgir ao direcionar a atenção com- passiva para seu interior.

Questão a ser

proposta/intervenção

A intervenção em si segue o formato bási- co das práticas de atenção plena explicadas anteriormente em detalhes neste livro. O terapeuta guia o paciente pelos passos des- te exercício, os quais podem ser posterior- mente seguidos tanto de memória, tendo

ele memorizado as instruções no folheto do paciente, quanto acompanhando uma meditação de gentileza amorosa gravada. Há vários exemplos disponíveis de medi- tações guiadas de gentileza amorosa. Pode ser também recomendável que o terapeuta grave a meditação guiada durante a sessão e dê ao paciente uma cópia. Assim como as práticas de atenção plena, esta meditação deve ocorrer em local silencioso e seguro, de preferência com o paciente sentado em uma almofada de meditação ou cadeira com recosto vertical ou deitado no chão.

Exemplo

1

A gentileza amorosa é uma qualidade que pode nos ajudar a permanecer com experiên- cias difíceis, em vez de lutar contra o que não podemos mudar. Essa qualidade do olhar caloroso e compassivo em relação a si e aos outros também está associada ao cultivo de um senso de bem-estar que pode conduzir a ações positivas realizadas em prol de uma vida significativa e compensadora. A medita- ção na qual estamos prestes a embarcar pode ser vista como uma das práticas mais antigas e duradouras de “saúde mental” da história humana. Por mais de 2.500 anos, as pessoas têm se sentado silenciosamente, dirigindo desta forma a atenção ao cultivo do amor e apreciação por si mesmos e todas as criaturas vivas. Ao se sentar para começar a meditação, ao embarcar em sua própria jornada privada rumo à compaixão, dê-se um momento para perceber que compartilha uma aspiração com séculos de companheiros de viagem. No iní- cio, separe cerca de 20 minutos para dedicar ao exercício; mais tarde, você pode dedicar um pouco mais de tempo a ele ou não fazê-lo.

1 O exercício a seguir é adaptado de muitas fontes sobre

a meditação de metta, incluindo os escritos de Jack Kornfield (1993) e Jon Kabat-Zinn (1990).

Diferentemente de outros exercícios de medi- tação, este envolve o foco em emoções e ima- gens específicas. Primeiramente, este tipo de exercício pode evocar sentimentos diferentes daqueles que você deseja explorar. Pode até trazer alguma frustração. Isso não é proble- ma. Da melhor forma que puder, permita-se ser gentil e paciente consigo mesmo. Você está explorando ideias e práticas que podem ser muito novas e diferentes. A gentileza e pa- ciência que você tem condições de dirigir a si mesmo diante da frustração podem oferecer mais uma oportunidade de praticar e apro- fundar sua capacidade de autocompaixão.

Ao começar, sente-se em uma cadeira com recosto vertical ou em uma almofada de meditação. Assim como faria em um exer- cício meditativo de atenção plena, traga sua atenção ao fluxo respiratório. Faça os peque- nos ajustes necessários para ficar tão confor- tável quanto possível. À medida que o exer- cício prossegue, se precisar ajustar a postura de tempos em tempos, está tudo bem. Traga sua atenção para o fluxo da respiração. Tan- to quanto possível, sem julgamento, apenas observe a respiração enquanto inspira e expi- ra. Traga sua consciência para o ato físico de respirar e simplesmente acompanhe o fluxo respiratório, momento a momento.

Forme uma imagem de si mesmo na mente. Imagine que está sentado nesta mes- ma postura. Você pode se imaginar como criança. Nesta imagem, você é inocente e dig- no de amor e compaixão. Caso não queira se imaginar como criança neste exercício, ima- gine-se simplesmente como é agora, porém envolvido por uma apreciação gentil e amo- rosa. Reconheça, apenas por um momento, que todos os seres desejam ser felizes e livres de dor. Todas as pessoas têm a motivação inata a se sentirem amadas e envolvidas em gentile- za e aceitação. Perceba que não há problema em você desejar ser feliz e livre de sofrimento. Ao fazê-lo, comece a repetir silenciosamente a seguinte frase: “Que eu seja preenchido com

gentileza amorosa. Que eu esteja bem. Que eu fique em paz e à vontade. Que eu seja fe- liz”. Mantenha a imagem de si mesmo em mente ao repetir isso. Deixe que o ritmo da repetição flua com a respiração. Deixe-se en- volver suavemente neste exercício, mas com um espírito de imobilidade. Permita que seu “coração” se abra ao sentido dessas palavras. Ao prosseguir neste exercício, misture o sen- timento de ser amado e mantido em genti- leza incondicional com o fluxo das próprias palavras. Sempre que sua mente divagar, um comportamento inevitável da mente, dirija-a suavemente de volta para a frase, imagem e sentimento de amor. “Que eu seja preenchido com gentileza amorosa. Que eu esteja bem. Que eu fique em paz e à vontade. Que eu seja feliz.” É natural que as distrações cheguem e partam. Pratique a aceitação calorosa de si mesmo enquanto procede neste exercício e permita-se retornar delicadamente a atenção para a repetição tantas vezes quanto necessá- rio. Quando o tempo que separou para este exercício tiver passado, simplesmente pare a frase. Ao expirar, abandone também a ima- gem de si mesmo e o foco deliberado nos senti- mentos de cordialidade e compaixão. Deixe- -se simplesmente estar com o fluxo da respi- ração; inspire, sabendo que está inspirando, e expire, sabendo está expirando. Ao expirar, abra os olhos e termine o exercício.

Tarefa

A meditação da gentileza amorosa pode ser exercitada regularmente como forma de tarefa de casa e como método de bus- ca de um treinamento contínuo da mente compassiva. Este exercício pode durar 10 ou 15 minutos por dia, mas pode ser prati- cado por períodos de até uma hora ou mais de cada vez. É mais útil que os pacientes mantenham uma prática regular diária do que um ou dois períodos mais longos e in-

tensos de meditação, sem que, com isso, seja estabelecida uma prática confiável e regular. Eles podem praticar primeiramen- te com um guia gravado, lembrando-se e seguindo as diretrizes escritas fornecidas aqui. É útil monitorar a prática diária dos pacientes e as observações que surjam sobre a prática. Eles podem preencher o Formu- lário 7.1, a fim de explorar mais a prática da gentileza amorosa.

Possíveis problemas

Muitos pacientes podem achar difícil dirigir a compaixão para si mesmos. Experiências vividas durante o desenvolvimento, como abuso, trauma ou negligência, podem levá- -los a associar a experiência da aceitação compassiva à vergonha, ao perigo ou a ou- tras emoções desagradáveis. Vários passos podem ser úteis para auxiliá-los a abordar a autocompaixão quando a ideia da compai- xão em si evocar ansiedade.

A análise do desenvolvimento e o compartilhamento da conceituação do caso podem ser úteis em tais situações. O terapeuta pode começar o processo com psicoeducação, revisando a ideia de que os seres humanos aprendem a relacionar cer- tos eventos do ambiente a uma ativação dos sistemas detectores de ameaças. O terapeu- ta pode explicar que, frequentemente, as pessoas desenvolvem comportamentos de segurança ou esquiva em resposta à ativa- ção desses detectores de ameaças.

O terapeuta e o paciente podem revi- sar o histórico de eventos e relações durante o desenvolvimento que contribuíram para o temor da compaixão. Juntos, eles podem isolar os comportamentos de segurança e esquiva que foram desenvolvidos em res- posta a esse histórico.

O terapeuta tem a possibilidade de usar uma análise funcional das respostas

durante a sessão. Novas respostas podem ser planejadas e ensaiadas na sessão, co- locando-se grande ênfase no ato de o te- rapeuta validar as respostas emocionais e ensinar a autovalidação em relação às emo- ções difíceis que surgirem. Primeiramen- te, o paciente tem condições de aprender a empregar uma orientação atenta a essas experiências para observar e se desligar das cognições baseadas em vergonha e de ata- que a si mesmo. A partir deste ponto, a me- ditação da gentileza amorosa pode ser pra- ticada por curtos períodos durante a sessão, seguida de uma avaliação (debriefing). O terapeuta e o paciente podem, então, prati- car na sessão a percepção de pensamentos e emoções, nomeando os afetos e responden- do com uma fala autocompassiva.

Referência cruzada

com outras técnicas

O exercício de gentileza amorosa está cla- ramente relacionado com toda a gama de exercícios baseados na atenção plena que foram aqui apresentados. O exercício de atenção plena respiratória, em particular, pode servir como introdução para os es- tágios iniciais da meditação da gentileza amorosa. Os exercícios de treinamento da mente compassiva que se seguem neste ca- pítulo são adaptações e desenvolvimentos modernos do treinamento da compaixão, e todos eles possuem alguma relação com a prática da meditação de metta encontrada na prática da gentileza amorosa.

Formulário

Formulário 7.1: Perguntas a Serem Fei- tas Após Completar sua Primeira Semana Praticando o Exercício da Gentileza Amo- rosa.

TÉCNICA: IMAGINAÇÃO

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