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“Desfusão” é um termo proveniente da li- teratura da ACT e representa um processo de “fazer contato com os produtos verbais como eles são, não como o que eles dizem ser” (K. G. Wilson e DuFrene, 2009, p. 51). O termo comportamental “produtos verbais” se refere aqui aos pensamentos e eventos mentais como comportamentos verbais privados. Ao exercitá-la, o pacien- te percebe seus pensamentos e sentimentos como eventos mentais, em vez de verdades ou objetos literais em uma rea lidade exter- na. Apesar de a TC tradicional utilizar uma abordagem descentralizada, de forma que o paciente diferencie pensamentos, senti- mentos e fatos, o terapeuta da ACT aborda a desfusão usando técnicas diferentes.

A predominância dos mecanismos de processamento linguístico sobre a expe-

riência consciente humana direta pode re- sultar na desconexão da experiência que ocorre momento a momento e na conso- lidação e concretização de conceitos imagi- nários, representações verbais e experiên- cias emocionais transitórias (Hayes et al., 1999, 2001). Como resultado, as pessoas podem passar tempo excessivo reagindo a eventos internos como se fossem profunda- mente ameaçadores ou tristes provenientes do mundo exterior. Essa literalização das representações mentais foi chamada de “fu- são cognitiva” (Hayes et al., 1999). A fusão pensamento-ação, que envolve a crença de que os pensamentos refletem a realidade ou levam aos resultados temidos, também foi proposta nos modelos cognitivos tradicio- nais das obsessões (Rachman, 1997).

As técnicas de desfusão buscam per- mitir que o paciente amplie o leque de respostas comportamentais possíveis na presença de pensamentos e sentimentos di- fíceis. A mudança na forma como o evento mental exerce influência sobre o comporta- mento é, às vezes, chamada de transforma-

ção da função. Ao lidar com a desfusão, o

terapeuta auxilia o paciente a experimentar um maior grau de flexibilidade psicológica. Os exemplos a seguir fornecem alguns exer- cícios simples criados para promover a des- fusão, ajudando o paciente a experimentar os eventos privados desafiadores sem ser controlado por eles.

Questão a ser

proposta/intervenção

“Você pode ter um pensamento sem acre- ditar completamente nele? Você acredita em tudo o que pensa? Você pode perceber o processo do pensamento enquanto ele se desdobra diante de você, no momento, em vez de se identificar com seus conteúdos?

Você consegue olhar para os seus pensa- mentos, em vez de a partir deles?

Exemplo

O exemplo a seguir é o trecho de uma ses- são na qual o terapeuta utiliza “leite, leite, leite” – um modelo clássico de desfusão descrito no texto original da ACT (Hayes et al., 1999).

Terapeuta: Hoje, conversamos bastante

sobre como podemos olhar para os pensamentos de uma nova maneira, de uma forma que estejamos menos presos ou enrolados em seu conteú- do.

Paciente: Sim, acho que entendo bem o que

você descreveu.

Terapeuta: Gostaria que tomássemos um

instante para explorar isso com um exercício aqui na sessão. Tudo bem?

Paciente: É um exercício de meditação? Terapeuta: Na verdade, não; é mais um ex-

perimento para ver se você pode ter uma prova dessa mudança de pers- pectiva.

Paciente: Ok. Estou disposto.

Terapeuta: Muito bem. Se puder, por fa-

vor, pense na palavra leite por alguns momentos. Leve quanto tempo preci- sar e, então, diga-me o que lhe vem à mente.

Paciente: Certo, estou pensando em leite e

estou pensando em sorvete, que é de certa forma feito com leite. Estou pen- sando em colocá-lo no meu café. Ah, também estou pensando em colocá-lo no cereal.

Terapeuta: Tudo isso faz sentido, não? Ok.

Algo mais lhe vem à mente?

Paciente: Bem, acho que posso imaginar o

gosto do leite. Eu bebo leite puro às vezes, um copo de leite frio.

Terapeuta: Então, ao pensar na palavra lei-

te, essas imagens, essas lembranças co-

meçam a aparecer em sua mente?

Paciente: Sim, claro.

Terapeuta: Certamente. Então, durante a

próxima parte do exercício, eu gos- taria que você repetisse a palavra leite várias vezes, em voz alta, em um ritmo rápido. Por favor, feche os olhos e faça junto comigo quando eu pedir, certo?

Paciente: Ok.

Terapeuta: Pronto, então... comece...

[Neste ponto, terapeuta e paciente começam a repetir a palavra leite sem parar. O terapeuta toma gradual- mente a iniciativa de ditar o ritmo, e eles começam a dizer, cada vez mais rápido, “leite, leite, leite...”, em um andamento crescente. Logo, as pala- vras parecem se amontoar umas so- bre as outras, e o ritmo delas as torna um pouco difícil de acompanhar. O volume aumenta um pouco. Conti- nua até que o terapeuta peça calma- mente que o paciente pare. Isso leva cerca de 40 segundos. A interrupção da repetição é seguida por um breve silêncio.] Então, agora você poderia dizer, por favor, a palavra leite só mais uma vez?

Paciente: Leite.

Terapeuta: E, ao dizer essa palavra agora,

o que percebe de diferente na expe- riência?

Paciente: A palavra começou a soar engra-

çada enquanto a repetíamos. Não pa- recia querer dizer nada. As ideias que surgiam em minha cabeça antes não estão mais aqui.

Terapeuta: Não é notável? Há apenas alguns

minutos, a palavra imediatamente de- sencadeou todas aquelas imagens e coisas relacionadas e, após menos de um minuto de repetição, a experiência da palavra é muito diferente.

Paciente: É esquisito, mas é diferente. Terapeuta: Agora, se você aceitar, gostaria

de tentar a mesma técnica com um pensamento que lhe causou dificulda- de ou sofrimento na semana passada. Tudo bem?

Paciente: Claro, vamos ver o que acontece.

Tarefa

A desfusão, mais do que uma técnica espe- cífica de psicoterapia, é um processo central envolvido no estabelecimento da flexibili- dade psicológica, de acordo com o modelo da ACT (K. G. Wilson e DuFrene, 2009). (Uma técnica semelhante foi apresentada por Freeston et al., 1997, como forma de exposição aos pensamentos no transtor- no obsessivo-compulsivo.) Há uma ampla variedade de exercícios de desfusão que podem ser prescritos como tarefa de casa; essas técnicas usam frequentemente, como prática de tarefa, metáforas ou visualização de pensamentos no novo contexto. Três exemplos que podem ser propostos como tarefa estão incluídos no Formulário 6.2, com as descrições das metáforas e técni- cas empregadas. As técnicas no formulário foram adaptadas de várias fontes da ACT (Hayes e Smith, 2005; Hayes et al., 1999) e estão disponíveis na internet (p. ex., www. contextualpsychology.org).

Possíveis problemas

Em alguns casos, a desfusão pode ser con- fundida com a reestruturação cognitiva. Ambas consistem em perceber os pensa- mentos automáticos à medida que surgem e implementar a consciência modificadora, de forma que os pensamentos possam ser melhor examinados. No caso da reestru- turação cognitiva, o objetivo é modificar diretamente o conteúdo do pensamento, o

que ocorre por meio de análise lógica da sua utilidade e validade. Já a desfusão não se ocupa do conteúdo. Ao usar uma técni- ca de desfusão, o terapeuta não se propõe a fazer necessariamente qualquer alteração direta no conteúdo do pensamento. A des- fusão tem como propósito permitir que o paciente observe seus eventos privados e se refira a eles como fenômenos mentais, em vez de fatos, para que possa se desvencilhar do controle cognitivo que os pensamentos exercem sobre ele. Ao fazê-lo, o pacien- te pode atingir maior flexibilidade e ter a oportunidade de reassumir sua vida. Ob- viamente, o conteúdo cognitivo pode mu- dar ao longo do processo, mas a mudança é considerada “de segunda ordem” e apenas parte de um processo mais amplo.

O terapeuta deve perceber quando a discussão com o paciente começa a se voltar para uma disputa cognitiva, em vez de desfusão. Nestas ocasiões, o terapeuta pode discutir diretamente a diferença entre questionar a lógica do pensamento e reco- nhecê-lo como “um mero pensamento”, e não como realidade. O terapeuta pode fa- zer uma análise funcional do pensamento, examinando como o ato de dar ouvidos a um pensamento específico afeta o paciente. Além disso, o terapeuta pode distinguir di- retamente entre questionar a “utilidade” e a “veracidade” de um pensamento.

Referência cruzada

com outras técnicas

A desfusão em si é parte da consciência atenta; assim, ela se relaciona obviamen- te com as várias técnicas de atenção plena ilustradas neste texto. A desfusão também se relaciona claramente à apresentação do que chamamos de “aceitação” e ao uso de metáforas para estimular disposição e des- fusão, tema discutido a seguir.

Formulário

Formulário 6.2: Práticas de Desfusão na Vida Diária.

TÉCNICA: USO DE METÁFORAS PARA

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