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O exercício a seguir é baseado na medita- ção encontrada em A Path with Heart, de Jack Kornfield (1993). Este exercício pode ser considerado uma prática de atenção plena, mas está incluído entre nossas téc- nicas de aceitação e disposição. Foi incluí- do nesta seção porque propõe-se a auxiliar os pacientes a abrirem mão dos conflitos e lutas que mantêm no dia a dia. O exercí- cio consiste em fazer a escolha de “parar a guerra” contra as experiências emocionais. É interessante notar que este exercício tam- bém é uma forma de metáfora, ao utilizar o símbolo da “guerra” ou “batalha” para representar as lutas interiores contra o flu- xo de experiência, o qual pode nos manter em apego ou provocar a fusão com nossos eventos privados.

Questão a ser

proposta/intervenção

Este exercício pode ser apresentado após o paciente praticar a atenção plena na sessão e, preferivelmente, o conceito de disposi- ção. Ao guiar o paciente na meditação, é importante dizer as palavras em ritmo lento e estável, fazendo pausas e permitindo cur- tos silêncios. Isso auxilia o paciente a chegar a um estado de atenção plena e aceitação de si mesmo.

Exemplo

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Use alguns instantes para ficar confortável ao se sentar. Faça os ajustes necessários em sua posição e postura, ao começar o exercício, para ficar à vontade. Adote uma postura segura e apoiada. Deixe os olhos fechados. Sem mudar deliberadamente o ritmo da respiração, tra- ga, de modo suave, a atenção para o fluxo da respiração entrando e saindo do corpo. Preste atenção nas plantas dos pés; em seguida, traga parte da atenção para o topo da cabeça. Agora, para tudo que está no meio. Trazendo a aten- ção novamente à respiração, apenas a acom- panhe: ao inspirar, você sabe que está inspi- rando; ao expirar, sabe que está expirando.

Comece a perceber as sensações presen- tes no corpo. Se houver sentimentos de tensão, pressão ou desconforto, preste atenção neles também. Tanto quanto possível, adote uma atitude de disposição em relação a essas ex- periências. Ao inspirar, coloque atenção espe- cialmente nas áreas do corpo que apresentam desconforto, tensão ou resistência. Você pode abrir espaço para essas experiências? Traga parte da atenção para o sentimento de resis- tência, para a luta que está experimentando em torno dessas sensações. Note a tensão en- volvida em combater essas experiências, mo- mento a momento. Ao encontrar cada uma dessas sensações, ao longo do corpo, abra-se para a experiência. Abandone a luta. Tra- ga a atenção gentilmente para a respiração. Permita-se ser exatamente o que você é neste momento.

Ao expirar, abandone inteiramente a atenção que dá às sensações físicas. Com a próxima inspiração, traga a atenção para os pensamentos e emoções. Que pensamentos fluem em sua mente? Que sentimentos se mo-

2 A meditação a seguir é baseada no exercício de “como

vimentam em seu coração? Traga uma aten- ção aberta e receptiva de modo especial para os pensamentos e emoções contra os quais você habitualmente lutaria. Tanto quanto puder, neste momento, permita-se suavizar em torno desses pensamentos e sentimentos. Você consegue abrir espaço para os eventos em sua mente e em seu coração? Você conse- gue abandonar a guerra dentro de si mesmo, ainda que apenas neste momento?

Traga a atenção de volta ao fluxo da respiração, aos seus pés colocados no chão, ao seu assento na cadeira e às suas costas, que se encontram retas e apoiadas. Ao ins- pirar, preste atenção nas lutas em sua vida. Que batalhas você continua a lutar? Veja se consegue sentir a presença dessas batalhas. Se você luta contra o seu corpo, traga consciência para isso. Se luta contra as emoções, perceba- -as neste momento. Se houver pensamentos intrusos, pensamentos contra os quais você trave uma guerra, traga uma suave atenção a essa luta. Por um momento, permita-se sentir o peso dessas lutas, dessas batalhas. Por quanto tempo os exércitos têm lutado dentro de você?

Acalmando também esta experiên- cia, permita-se trazer uma atenção aberta e compassiva para as lutas. Abandone as bata- lhas. Ao expirar, por um momento, permita- -se sentir uma disposição completa para ser exatamente quem você é, bem aqui e agora. Neste momento, permita-se aceitar a totali- dade do que a vida lhe trouxe e tudo o que você trouxe à vida. Não é hora de parar a guerra que tem travado dentro de si mesmo? Deixe-se novamente optar por abandonar a guerra. Com coragem e compromisso, permi- ta-se aceitar plenamente quem você é, bem aqui e agora.

Traga parte da atenção para as plantas dos pés. Em seguida, traga parte da atenção para o alto da cabeça. Agora, atente para tudo o que há no meio. Trazendo a atenção

de volta à respiração, siga-a, simplesmente: ao inspirar, você sabe que está inspirando; ao expirar, sabe que está expirando.

Quando estiver pronto, abra os olhos, finalize o exercício e prossiga o seu dia.

Tarefa

Este exercício pode ser prescrito como me- ditação diária a ser praticada entre as ses- sões. Esta prescrição pode ser aplicada ao longo da semana ou mais. Após os pacien- tes terem desenvolvido uma prática regular de atenção plena, eles podem escolher esta meditação como um aspecto central de sua prática. Este, porém, não é um objeti- vo a ser almejado e não é necessariamente a “melhor” meditação para tal propósito. Este exercício pode também ser usado na sessão para ajudar os pacientes a entrarem em contado com a disposição, sem que seja passado como tarefa de casa. O Formulário 6.4 (Registro de “Como Parar a Guerra”) pode ser usado pelos pacientes para que re- gistrem sua prática diária do exercício.

Possíveis problemas

Os exercícios experimentais de “Como Pa- rar a Guerra” são muito diferentes do que muitos pacientes podem esperar encontrar em uma sessão de psicoterapia. Alguns po- dem ver esse tipo de técnica como exótica, estranha ou mesmo parte de uma tradição religiosa à qual se opõem. Neste caso, o te- rapeuta pode convidar o paciente a tomar parte do exercício como um experimento a ser empreendido em conjunto na sessão. O terapeuta tem possibilidade, ainda, de ex- trair os pensamentos automáticos e pressu- postos negativos do paciente a respeito dos exercícios de “meditação” na sessão.

Além disso, é possível descobrir que o paciente tem pensamentos automáticos de ser julgado pelo terapeuta enquanto exe cuta o exercício, ou tenha temores de constrangimento ao se envolver nessa vi- sualização. O terapeuta pode usar a técnica do duplo padrão em tais casos, perguntan- do ao paciente, por exemplo: “O que você diria a um amigo querido, caso ele lhe dis- sesse estar receoso de praticar este exercí- cio, mesmo no consultório do terapeuta?”. Além do mais, as vantagens e desvantagens de se engajar no exercício podem ser explo- radas.

Mesmo quando o terapeuta pede per- missão, equiparando-se ao ritmo e à tona- lidade dos afetos do paciente, e adota uma postura cooperativa, o paciente pode não estar disposto a empreender o exercício. Essa é uma oportunidade para o terapeuta modelar aceitação, flexibilidade e compai- xão. Após ouvir sobre os sentimentos mis- tos ou objeções do paciente, pode ser reco- mendável adotar flexivelmente um método distinto ou um processo diferente, a fim de ajudar o paciente a atingir as metas na te- rapia.

Referência cruzada

com outras técnicas

Esta técnica está relacionada às técnicas de atenção plena e desfusão, à apresentação do que chamamos de “aceitação” e ao uso de metáforas para cultivar disposição e desfu- são.

Formulário

Formulário 6.4: Registro de “Como Parar a Guerra”.

CONCLUSÕES

Ao discutirmos aceitação e disposição na regulação emocional, não estamos nos re- ferindo apenas às técnicas, mas enfatizando os processos psicoterapêuticos que estão en- volvidos na mudança. Treinar os pacientes no cultivo de uma disposição que perdure diante de experiências emocionais difíceis pode permitir que eles se habituem ao des- prazer e descubram novas opções compor- tamentais. A habituação, nesse sentido, não é operacionalizada apenas como diminui- ção dos sintomas e sinais de ansiedade na presença de um estímulo temido. No que concerne às intervenções baseadas na acei- tação, a habituação representa um repertó- rio comportamental expandido diante de respostas emocionais desagradáveis ou não desejadas. Tal abertura de possibilidades pode permitir aos pacientes oportunida- des de buscarem maior comprometimento com as metas e diretrizes que valorizam e perseguem. As recompensas intrínsecas que advêm de tal comportamento podem aju- dá-los a se envolver em um ciclo virtuoso de progresso e movimento na vida. Várias dimensões descritas neste livro estão inter- -relacionadas neste processo. Por exemplo, a consciência com atenção plena no presen- te, a autocompaixão e a disposição para ex- perimentar plenamente os eventos mentais, não nos permitindo ser controlados pelos conteúdos de nossos pensamentos e sen- timentos, estão todas envolvidas no fluxo contínuo de regulação emocional que pode ter lugar no contexto de uma vida bem vi- vida. De modo semelhante, a aceitação e a desfusão podem capacitar os pacientes a se afastarem dos pensamentos automáticos, encorajando uma consciência mais forte dos esquemas emocionais e uma maior ha- bilidade de questionamento dos pensamen- tos negativos.

Conforme discutimos, atenção plena, acei- tação e compaixão estão relacionadas. O ato de praticar a atenção plena e a disposição para entrar em contato com o presente “sim- plesmente como ele é” envolve uma forma emergente de gentileza consigo mesmo e autovalidação. Assim, o treinamento men- tal desenvolvido para fomentar intencional- mente a “mente compassiva” (Gilbert, 2007) tornou-se uma tendência crescente nas tera- pias cognitivas e comportamentais de terceira geração baseadas na atenção plena e na acei- tação. A ênfase na compaixão dentro da tera- pia cognitivo-comportamental (TCC) é parte de uma integração maior entre métodos fo- cados na compaixão e influências budistas na psicoterapia em geral (Germer, Seigel e Fulton, 2005). Paul Gilbert (2009) inspirou-se nas in- fluências budistas, na psicologia evolutiva e na neurociência afetiva para desenvolver uma forma abrangente de TCC conhecida como terapia focada na compaixão (TFC). Neste capítulo, apresentamos várias técnicas, inspi- radas na TFC e em práticas budistas, que en- fatizam o treinamento da mente compassiva.

Obviamente, muitas terapias discutem o valor da cordialidade e da empatia na re- lação psicoterápica (Gilbert e Leahy, 2007; Greenberg e Paivio, 1997; Rogers, 1965). Contudo, a TFC e outras abordagens focadas

na compaixão se caracterizam pela ênfase es- pecífica no “treinamento da mente compas- siva”. As abordagens focadas na compaixão postulam que o cultivo desta é um processo central na regulação emocional e na psicote- rapia, particularmente ao lidar com pacien- tes que lutam contra sentimentos de vergo- nha e que exibem pensamentos autocríticos (Gilbert, 2007; Gilbert e Irons, 2005).

Gilbert (2007) descreve compaixão como um “processo multifacetado” que evoluiu a partir da “mentalidade do cuida- dor”, encontrada no cuidado parental hu- mano e na criação dos filhos. Assim, a com- paixão envolve muitos elementos emocio- nais, cognitivos e motivacionais: cuidado com o bem-estar dos outros, simpatia, tole- rância ao sofrimento, empatia, consciência não julgadora, sensibilidade ao sofrimento e a habilidade de criar oportunidades de crescimento e mudança com cordialidade (Gilbert, 2007). Gilbert (2009) afirma que

sua essência é a gentileza básica, com profunda consciência do próprio so- frimento e do sofrimento de outras criaturas vivas, em conjunto com o desejo e o esforço para aliviá-los.

A teoria que embasa a TFC conec- ta “processos psicoterápicos com siste-

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TREINAMENTO DA

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