• Nenhum resultado encontrado

Considerando que a efic´acia de uma norma se refere `a possibilidade do enunciado norma tivo produzir os seus efeitos de forma efetiva (efic´acia social) ou potencial (efic´acia jur´ıdica)

e, portanto, trata-se de uma norma v´alida no Ordenamento Jur´ıdico, ou seja, de um dispositivo

normativo que foi elaborado com observˆancia do processo legislativo e das prescric¸˜oes constitu-

cionais, se compreende que a aplicabilidade - capacidade de uma norma de produzir os efeitos

jur´ıdicos que dela se espera se distingue da sua efic´acia (SILVA NETO, 2010, p. 138-144), pois

aplicabilidadesignifica qualidade do que ´e aplic´avel. No sentido jur´ıdico, diz-se da norma

que tem possibilidade de ser aplicada, isto ´e, da norma que tem capacidade de produzir

efeitos jur´ıdicos. N˜ao se cogita de saber se ela produz efetivamente esses efeitos. Isso

j´a seria uma perspectiva sociol´ogica, e diz respeito `a sua efic´acia social, enquanto nosso

tema se situa no campo da ciˆencia jur´ıdica, n˜ao da sociologia jur´ıdica. “Efic´acia social”

significa a real efetivac¸˜ao da norma; significa que ela est´a efetivamente regendo a reali-

dade social nela descrita. O termo “efetividade” exprime tecnicamente essa qualidade da

norma jur´ıdica (SILVA, 2012, p.13) (grifado no original).

52Neste sentido: “tratando-se de normas jur´ıdicas, a efic´acia consiste na capacidade de atingir os objetivos nela traduzidos, que vˆem a ser, em ´ultima an´alise, realizar os ditames jur´ıdicos objetivados pelo legislador. Por isso ´e que se diz que a efic´acia jur´ıdica da norma designa a qualidade de produzir, em maior ou menor grau, efeitos jur´ıdicos, ao regular, desde logo, as situac¸˜oes, relac¸˜oes e comportamentos de que cogita; nesse sentido, a efic´acia diz respeito `a aplicabilidade, exigibilidade ou executoriedade da norma, como possibilidade de sua aplicac¸˜ao jur´ıdica. O alcance dos objetivos da norma constitui a efetividade. Esta ´e, portanto, a medida da extens˜ao em que o objetivo ´e alcanc¸ado, relacionando-se ao produto final. Por isso ´e que, tratando-se de normas jur´ıdicas, se fala em efic´acia social em relac¸˜ao `a efetividade, porque o produto final objetivado pela norma se consubstancia no controle social que ela pretende, enquanto a efic´acia jur´ıdica ´e apenas a possibilidade de que isso venha a acontecer. Os dois sentidos da palavra efic´acia, acima apontados, s˜ao, pois, diversos. Uma norma pode ter efic´acia jur´ıdica sem ser socialmente eficaz, isto ´e, pode gerar certos efeitos jur´ıdicos, como, por exemplo, o de revogar normas anteriores, e n˜ao ser efetivamente cumprida no plano social.” (SILVA, 2012, p. 66) (grifado no original). “Neste particular, o problema da efic´acia pode verificar-se em quatro hip´oteses: ou a lei encontra logo correspondˆencia na vida social, harmonizando-se vigˆencia e efic´acia; ou a lei, embora vigente e por ser vigente, deve subordinar-se a um “processo f´atico” para produzir todos seus efeitos, ou ent˜ao, pode dar-se um fenˆomeno delicado: - o das leis que durante um certo per´ıodo, mais ou menos longo, tˆem efic´acia e depois a perdem; e, finalmente, o caso mais delicado ainda da vigˆencia puramente abstrata, que n˜ao prenuncia uma experiˆencia poss´ıvel, e, como tal, sem qualquer efetividade.” (REALE, 2002, p. 611) (grifos nossos).

Neste contexto, no in´ıcio do s´eculo XX, a Quest˜ao Social, revelada pelos movimentos de

insatisfac¸˜ao popular que impulsionaram o surgimento do fenˆomeno da positivac¸˜ao constitucional

de elementos sociais e ideol´ogicos com a introduc¸˜ao de normas de direitos humanos sociais nas

constituic¸˜oes, propiciou a discuss˜ao sobre a operatividade plena destes novos preceitos constitu-

cionais - as chamadas normas program´aticas (SILVA NETO, 2010, p. 51-53, 58-69; 151-171).

A ac¸˜ao estatal que promoveu a inserc¸˜ao constitucional das normas de direito social em face da

realidade de conflitos sociais se justifica pelo fato de que

o poder pol´ıtico ou poder do Estado ´e o poder exercido mediante a t´ecnica do direito ou,

em outras palavras, mediante o aparato do Estado, que ´e um aparato para o exerc´ıcio da

forc¸a. Mas a func¸˜ao desse aparato est´a, como vimos, condicionada por fatores ideol´ogicos,

a consciˆencia jur´ıdica formal. O poder daqueles que controlam o aparato do Estado

est´a subordinado ao fato de que eles ocupam as posic¸˜oes chaves que, de acordo com

a Constituic¸˜ao, outorgam a competˆencia jur´ıdica para exercer esse poder. Todo poder

pol´ıtico ´e competˆencia jur´ıdica. N˜ao existe um poder “nu”, independente do direito e de

sua base (ROSS, 2007, p. 84),

e, com isto, se passou a questionar se a inclus˜ao, por si s´o, das normas de direito social permi-

tiria que estas tivessem aplicabilidade53

imediata e obrigat´oria.

Assim, a doutrina tradicional norte-americana, conhecida como Doutrina Cl´assica, orientada

por Thomas M. Cooley, distingue as normas constitucionais em autoexecut´aveis (self-executing,

self-enforcing e self-acting) - quando o preceito constitucional est´a provido de regra suficiente por

meio da qual o direito assegurado pode ser exercido e protegido e a obrigac¸˜ao imposta exigida, e

n˜ao autoexecut´aveis (not self-executing, not self-enforcing provisions e not self-acting) - quando

a norma constitucional apenas indica princ´ıpios sem vincular regras que imponham forc¸a de lei

aos princ´ıpios54.

No Brasil, Rui Barbosa, ao comentar a Constituic¸˜ao Federal Brasileira de 1891, adotou

as ideias de Thomas Cooley, classificando as normas constitucionais em autoexecut´aveis ou

disposic¸˜oes (self-executing provisions): para a execuc¸˜ao do direito n˜ao ser´a preciso constituir au-

toridade ou processo especial, pois j´a est´a constitu´ıdo dos meios de execuc¸˜ao e preservac¸˜ao, e n˜ao

autoexecut´aveis ou mandamentais (not self-executing provisions): estabelecem competˆencias,

53Na perspectiva da diferenciac¸˜ao entre a efic´acia e a aplicac¸˜ao de uma norma, o jurista Hans Kelsen afirmava que “o sentido do ato de fixac¸˜ao da norma ´e um ato de vontade, ´e um dever-ser, a norma. O fim do ato de fixac¸˜ao da norma n˜ao ´e, por´em, este dever-ser, mas um ser; ´e a conduta existente na realidade, a qual corresponde `a norma, e isto significa: a conduta iguala `aquela que aparece na norma como devida, mas n˜ao ´e a ela idˆentica. Entre o ato do ser de fixac¸˜ao da norma e o ato do ser da conduta efetiva e correspondente `a norma pode existir um meio-fim, quer dizer, h´a uma relac¸˜ao causa-efeito, se a pessoa ponente da norma fixa a norma para o fim de que ela seja cumprida, se emprega o ato ponente da norma como meio para atrav´es disto produzir como causa uma conduta correspondente `a norma. Na verdade, em regra, este ´e o caso. Mas n˜ao o tem de ser”. (KELSEN, 1986, p. 16) (grifado no original). “Como a vigˆencia da norma pertence `a ordem do dever-ser, e n˜ao `a ordem do ser, deve tamb´em distinguir-se a vigˆencia da norma da sua efic´acia, isto ´e, do fato real de ela ser efetivamente aplicada e observada, da circunstˆancia de uma conduta humana conforme `a norma se verificar na ordem dos fatos. Dizer que uma norma vale (´e vigente) traduz algo diferente do que se diz quando se afirma que ela ´e efetivamente aplicada e respeitada, se bem que entre vigˆencia e efic´acia possa existir uma certa conex˜ao. Uma norma jur´ıdica ´e considerada como objetivamente v´alida apenas quando a conduta humana que ela regula lhe corresponde efetivamente, pelo menos numa certa medida. Uma norma que nunca e em parte alguma ´e aplicada e respeitada, isto ´e, uma norma que - como costuma dizer-se - n˜ao ´e eficaz em uma certa medida, n˜ao ser´a considerada como norma v´alida (vigente). Um m´ınimo de efic´acia (como s´oi dizer-se) ´e a condic¸˜ao da sua vigˆencia. No entanto, deve existir a possibilidade de uma conduta em desarmonia com a norma. [...] Vigˆencia e efic´acia de uma norma jur´ıdica tamb´em n˜ao coincidem cronologicamente. Uma norma jur´ıdica entra em vigor antes ainda de se tornar eficaz, isto ´e, antes de ser seguida e aplicada.” (KELSEN, 1998, p. 11, 12) (grifado no original somente em it´alico).

atribuic¸˜oes, poderes que para serem exercidos tem de aguardar que a Legislatura, segundo o seu

crit´erio, os habilite ao exerc´ıcio55.

A doutrina Cl´assica, segundo a qual o conte´udo da norma program´atica n˜ao obrigaria os ´org˜aos

do Estado, ou seja, n˜ao geraria qualquer direito subjetivo ou interesse leg´ıtimo, tratando-se apenas

de indicac¸˜ao de princ´ıpios, foi seguida por v´arios publicistas, tais como, Pontes de Miranda, Victor

Nunes Leal, Nelson de Souza Sampaio56. Os acontecimentos hist´oricos, do in´ıcio do s´eculo XX,

fez surgir a necessidade do poder constituinte origin´ario consagrar, como prop´osito para o Estado,

a concretizac¸˜ao de novos valores que informam, atrav´es das normas program´aticas definidoras dos

fins organizacionais, econˆomicos e sociais do Estado, os ideais a serem observados na vida pol´ıtica

e social em prol da efetivac¸˜ao do bem comum, e, consequentemente, suscitou a reformulac¸˜ao

da doutrina cl´assica dando surgimento a concepc¸˜ao moderna sobre os efeitos concretos que s˜ao

poss´ıveis de se extrair de tais normas program´aticas57.

A Doutrina Moderna, que previa a imposic¸˜ao de diretrizes e de um programa a ser cumprido

pelo Estado, surgiu no contexto da Constituic¸˜ao italiana de 1948, e permitiu aos constitucionalis-

tas italianos examinarem a efic´acia das normas de programa. Dentre os doutrinadores italianos,

o jurista Gaetano Azzariti dividia as normas constitucionais em preceptivas: (a) aplicac¸˜ao di-

reta e imediata- n˜ao dependente de norma infraconstitucional para ter operatividade plena e (b)

aplicac¸˜ao direta, mas n˜ao imediata- dependente da elaborac¸˜ao de norma integrativa pelo legisla-

dor infraconstitucional, e em diretivas: normas que apenas imp˜oe uma diretriz a ser seguida pelo

legislador infraconstitucional. E, neste contexto, o jurista Vezio Crisafulli entendia ser impera-

tivo a extrac¸˜ao de efeitos jur´ıdicos concretos das chamadas normas constitucionais diretivas, as

quais posteriormente foram denominadas program´aticas por indicar as metas e o programa a ser

cumprido pelo Estado58.

Assim, com base no parˆametro eficacial, o jurista Vezio Crisafulli distinguiu as normas cons-

titucionais em normas de efic´acia plena: preceitos autoexecut´aveis, pois tem grau de efic´acia

suficiente para promover, de imediato, a sua finalidade normativa, normas de efic´acia limitada

de legislac¸˜ao: necessitam da atuac¸˜ao do legislador infraconstitucional para integrar efic´acia a sua

previs˜ao normativa, e normas de efic´acia limitada program´aticas: vinculam a atuac¸˜ao estatal

`a realizac¸˜ao dos objetivos fundamentais prescritos pelo poder constituinte origin´ario

59, e, com

esta nova vis˜ao doutrin´aria sobre a efic´acia normativa das disposic¸˜oes constitucionais, concluiu

que as normas de efic´acia limitada program´aticas s˜ao t˜ao eficazes como qualquer outra norma e

que imp˜oem o reconhecimento da invalidade das leis sucessivas, bem como das leis preexistentes,

que lhe contraponham, ou seja, possuem a peculiaridade de paralisar a efic´acia de todas as normas

55Neste sentido: PIMENTA, 1999, p. 147; SILVA, 2012, p. 74-76; SILVA NETO, 2010, p. 154-155. 56Neste sentido: PIMENTA, 1999, p. 148; SILVA, 2012, p. 73-76; SILVA NETO, 2010, p. 154-15. 57Neste sentido: PIMENTA, 1999, p. 133-145; SILVA, 2012, p. 132-151; SILVA NETO, 2010, p. 156.

58Neste sentido: PIMENTA, 1999, p. 150-154; SILVA, 2012, p. 76-86, 132-138; SILVA NETO, 2010, p. 156-159. 59Neste sentido: PIMENTA, 1999, p. 150-154; SILVA, 2012, p. 76-86, 132-138; SILVA NETO, 2010, p. 156-159.

Outline

Documentos relacionados