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Neste contexto, em que o ser humano necessita existir e viver em sociedade com o fim de atender as suas necessidades e realizar seu projeto de vida 114 , o qual n˜ao pode ser analisado

apenas sob uma perspectiva exclusivamente materialista (BEZERRA, 2008, p. 41-44, 30-34),

cabe ao direito, como t´ecnica de disciplina da conduta do homem em sociedade, esta-

belecer a ordem jur´ıdica, o que faz atrav´es de normas que ir˜ao privilegiar determina-

dos interesses, em detrimento de outros. E o interesse consiste na posic¸˜ao favor´avel `a

satisfac¸˜ao de uma necessidade e somente se concebe como interesse jur´ıdico a partir

do momento que se encontra protegido por uma norma, que lhe confere posic¸˜ao fa-

vor´avel. [...] Enquanto o direito primitivo surgia espontaneamente e irrefletidamente do

seio do grupo, como resultado da conduta longamente repetida, o direito contemporˆaneo

´e elaborado por ´org˜aos

115

, do poder p´ublico, altamente especializado e resulta de atos

nitidamente deliberados e conscientes (BEZERRA, 2008, p. 32-33, 43) (grifos nossos),

e, assim, a Assembleia Constituinte de 1988, acolhendo os anseios da sociedade civil no con-

texto da redemocratizac¸˜ao do Estado Brasileiro, proclamou na Constituic¸˜ao Federal de 1988, os

valores ´eticos-pol´ıticos-jur´ıdicos supremos

e os princ´ıpios que vinculam a atuac¸˜ao dos poderes

p´ublicos116na gest˜ao da vida em sociedade, e, desta maneira,

com a superac¸˜ao dos pilares do constitucionalismo moderno em direc¸˜ao ao movimento

do neoconstitucionalismo, tornou-se a Constituic¸˜ao uma express˜ao viva e concreta do

mundo dos fatos, adquirindo uma ineg´avel tessitura axiol´ogica e teleol´ogica, que se re-

vela na positivac¸˜ao de princ´ıpios constitucionais. Isto porque a principiologia de cada

Lei Fundamental se converte no ponto de convergˆencia da validade (dimens˜ao nor-

mativa), da efetividade (dimens˜ao f´atica) e da legitimidade (dimens˜ao valorativa) de

114Na busca de uma compreens˜ao da essˆencia do existir do ser humano em sociedade, ´e essencial refletir na seguinte contribuic¸˜ao do fil´osofo Immanuel Kant (1724-1804) sobre os fundamentos ´ultimos, necess´arios e universais: “o homem, e, duma maneira geral, todo o ser racional, existe como um fim em si mesmo, n˜ao s´o como meio para o uso arbitr´ario desta ou daquela vontade. Pelo contr´ario, em todas as suas ac¸˜oes, tanto nas que se dirigem a ele mesmo como nas que se dirigem a outros seres racionais, ele tem sempre de ser considerado simultaneamente como fim.” (KANT, 1980, p. 134-135) (grifado no original).

115Neste sentido: BEZERRA, Paulo Cesar Santos. A produc¸˜ao do direito no Brasil: a dissociac¸˜ao entre direito e realidade social e o direito de acesso `a justic¸a, 2.aed. rev. e ampl., Ilh´eus: Editus - Editora da UESC, 2008.

116Neste contexto: “portanto, se h´a normas constitucionais, deve haver o poder normativo do qual elas derivam: esse poder ´e o poder constituinte. O poder constituinte ´e o poder ´ultimo, ou, se preferirmos, supremo, origin´ario, num ordenamento jur´ıdico. Mas, se vimos que uma norma jur´ıdica pressup˜oe um poder jur´ıdico, vimos tamb´em que todo poder normativo pressup˜oe, por sua vez, uma norma que o autorize a produzir normas jur´ıdicas. Dado o poder constituinte como poder ´ultimo, devemos pressupor ent˜ao uma norma que atribua ao poder constituinte a faculdade de produzir normas jur´ıdicas: essa norma ´e a norma fundamental. A norma fundamental, enquanto, por um lado, atribui aos ´org˜aos constitucionais o poder de emanar normas v´alidas, imp˜oe a todos aqueles a quem as normas constitucionais se destinam o dever de obedecer a elas. ´E uma norma ao mesmo tempo atributiva e imperativa, segundo a consideremos do ponto de vista do poder a que d´a origem ou da obrigac¸˜ao que acarreta. Pode ser formulada do seguinte modo: “O poder constituinte ´e autorizado a emanar normas obrigat´orias para toda a coletividade” ou “A coletividade ´e obrigada a obedecer `as normas emanadas do poder constituinte”.” (BOBBIO, 2008, p. 208) (grifado no original somente em it´alico).

um dado sistema jur´ıdico. ´E neste ´ultimo aspecto que se revela a ´ıntima conex˜ao en-

tre a principiologia constitucional e a realizac¸˜ao do direito justo. Este fenˆomeno da

constitucionalizac¸˜ao do direito justo, inclusive no sistema jur´ıdico brasileiro, pode

ser encontrada, de modo paradigm´atico, na aplicac¸˜ao de dois relevantes princ´ıpios

fundamentais: a dignidade da pessoa humana

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, express˜ao da quase-totalidade dos

direitos fundamentais dos cidad˜aos, e a proporcionalidade, cˆanon de harmonizac¸˜ao

de eventuais conflitos entre os referidos direitos fundamentais (SOARES, 2008, p.

77-78) (grifos nossos).

Assim, o indiv´ıduo existe como ser humano e, para se tornar um cidad˜ao, no exerc´ıcio pleno

da cidadania, numa sociedade regida por um ordenamento jur´ıdico firmado na justic¸a social

118,

em especial, no caso do Estado Brasileiro

119, tem o dever de se adaptar as prescric¸˜oes ´etico-

constitucionais adotadas por este sistema social-pol´ıtico-jur´ıdico

120, bem como tamb´em possui

o direito-dever de exercitar a sua cidadania

121, no contexto de sua sociabilidade, para que o

meio social em que subsiste adquira a conformac¸˜ao prescrita no pacto social consubstanciado

117O jurista Ingo Wolfgang Sarlet, ao analisar as dificuldades para a conceituac¸˜ao de um significado e do conte´udo da dignidade da pessoa humana, pondera que: “Tal constatac¸˜ao, todavia, n˜ao significa que, consoante apontam diversas vozes cr´ıticas, se deva renunciar pura e simplesmente `a busca de uma fundamentac¸˜ao e legitimac¸˜ao da noc¸˜ao de dignidade da pessoa humana e nem que se deva abandonar a tarefa permanente de construc¸˜ao de um conceito que possa servir de referencial para a concretizac¸˜ao, j´a que n˜ao se deve olvidar que a transformac¸˜ao da dignidade em uma esp´ecie de tabu (considerando-a como uma quest˜ao fundamental que dispensa qualquer justificac¸˜ao), somada `a tentac¸˜ao de se identificar apenas em cada caso concreto (e em face de cada poss´ıvel violac¸˜ao) o seu conte´udo, pode de fato resultar em uma aplicac¸˜ao arbitr´aria e voluntarista da noc¸˜ao de dignidade. Na tentativa, portanto, de rastrear argumentos que possam contribuir para uma compreens˜ao n˜ao necessariamente arbitr´aria e, portanto, apta a servir de baliza para uma concretizac¸˜ao tamb´em no ˆambito do Direito, cumpre salientar, inicialmente e retomando a ideia nuclear que j´a se fazia presente at´e mesmo no pensamento cl´assico - que a dignidade, como qualidade intr´ınseca da pessoa humana, ´e irrenunci´avel e inalien´avel, constituindo elemento que qualifica o ser humano como tal e dele n˜ao pode ser destacado, de tal sorte que n˜ao se pode cogitar na possibilidade de determinada pessoa ser titular de uma pretens˜ao a que lhe seja concedida a dignidade. Assim, compreendida como qualidade integrante e irrenunci´avel da pr´opria condic¸˜ao humana, a dignidade pode (e deve) ser reconhecida, respeitada, promovida e protegida, n˜ao podendo, contudo (no sentido ora empregado) ser criada, concedida ou retirada (embora possa ser violada), j´a que reconhecida e atribuida a cada ser humano como algo que lhe ´e inerente.” (SARLET, 2010, p. 49-50) (grifos nossos).

118Neste contexto, para a formac¸˜ao e a organizac¸˜ao de uma sociedade, “a finalidade primordial do direito ´e resolver conflitos. Pacific´a-los e pacificar a sociedade. Contudo s´o atinge essa finalidade quando utilizado e aplicado de forma justa. O direito ´e algo constru´ıdo, algo impens´avel e irrealiz´avel sem o homem que o produz e o aplica, que dele se utiliza e a quem deve servir e n˜ao pode fugir dessa finalidade. A relac¸˜ao entre o direito e o processo de sua produc¸˜ao (lei, ato administrativo, sentenc¸a, neg´ocio jur´ıdico) n˜ao ´e de car´ater instrumental, meio-fim, e sim de natureza substancial, integrativa. O direito ´e o que dele faz o processo de sua produc¸˜ao. Por isso, insistimos na insuficiˆencia de um direito apenas formalmente considerado, destitu´ıdo de uma vis˜ao de mundo de conte ´udo ´etico, como instrumento de soluc¸˜ao de conflitos e, consequentemente de pacificac¸˜ao social. [...] EM CONEX ˜AO COM ESSE CONTE ´UDO JUSTO, O DIREITO, NECESSARIAMENTE, ATENTAR ´A PARA QUEST ˜OES SOCIAIS QUE EXTRAPOLAM DO FEN ˆOMENO JUR´IDICO EM SENTIDO ESTRITO. [...] Por isso, TODO O PROCESSO DE PRODUC¸ ˜AO DO DIREITO DEVE CUMPRIR SUA FUNC¸ ˜AO SOCIAL, entendendo-se como tal a atividade do indiv´ıduo ou de suas organizac¸˜oes, desenvolvidas no sentido de atender a interesses ou obter resultados que ultrapassem os do agente. Pouco importa traduza essa atividade exerc´ıcio de direito, dever, poder ou competˆencia. Contudo, O DIREITO DEVE CONTER UMA CONEX ˜AO NECESS ´ARIA COM O QUE CHAMAMOS DE COMPONENTE ´ETICO-SOCIAL DO DIREITO. Isso porque, a realidade social tem seu conceito insepar´avel do plano ´etico-societ´ario, que ´e o plano do dever ser m´ınimo, que ser´a o conceito chave `a compreens˜ao do conceito de realidade social, inalcanc¸´avel este sem aquele, porque sem aquele n˜ao se alcanc¸a o homem. [...] DISSOCIADO DESSE LIAME

´

ETICO-SOCIAL, O DIREITO SE ESVAZIA. A lei escrita, ent˜ao, n˜ao pode se constituir numa regra e torna-se papel e n˜ao regra. Estaremos ent˜ao em estado de anomia, e esta, `as vezes, se d´a independemente de uma legislac¸˜ao abundante. (BEZERRA, 2008, p. 44, 45, 46, 47)” (grifos nossos).

119CF/88, o Preˆambulo: “N´os, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democr´atico, destinado a assegurar o exerc´ıcio dos direitos sociais e individuais, a LIBERDADE, a SEGURANC¸ A, o BEM-ESTAR, o DESENVOLVIMENTO, a IGUALDADE e a JUSTIC¸ A como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a soluc¸˜ao pac´ıfica das controv´ersias, promulgamos, sob a protec¸˜ao de Deus, a seguinte CONSTITUIC¸ ˜AO DA REP ´UBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.”, e, ainda, o Art. 170: “A ordem econˆomica, fundada na valorizac¸˜ao do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existˆencia digna, conforme os ditames da JUSTIC¸ A SOCIAL, [...]” (grifos nossos).

120Em relac¸˜ao `as prescric¸˜oes ´etico-constitucionais adotadas pelo sistema social-pol´ıtico-jur´ıdico, o jurista Ricardo Maur´ıcio Freire Soares es- clarece: “verifica-se que o movimento neoconstitucionalista, com a internalizac¸˜ao dos valores consubstanciados pelos princ´ıpios jur´ıdicos, revela- se favor´avel `a ideia de uma aceitac¸˜ao moral do Direito, resultando na adoc¸˜ao de perspectivas interna e externa de compreens˜ao do fenˆomeno jur´ıdico. A legitimac¸˜ao do sistema jur´ıdico passa pela busca de um equil´ıbrio entre os pontos de vista de cr´ıtica interna, cujo parˆametro ´e a Constituic¸˜ao, e de cr´ıtica externa, cujo parˆametro ´e o substrato axiol´ogico da moralidade social. Desse modo, o neoconstitucionalismo, como manifestac¸˜ao do p´os-positivismo jur´ıdico, abarca um conjunto amplo de mudanc¸as ocorridas no Estado Democr´atico de Direito e no Direito Constitucional, reaproximando as Constituic¸˜oes do substrato ´etico dos valores sociais e abrindo espac¸o para o reconhecimento da forc¸a normativa da Constituic¸˜ao e de uma nova interpretac¸˜ao constitucional de base principiol´ogica.” (SOARES, 2010, p. 126) (grifos nossos).

121No contexto do exerc´ıcio da cidadania como direito-dever de todo indiv´ıduo, a Declarac¸˜ao Universal dos Direitos Humanos (DUDH) deter- mina que “toda pessoa tem deveres para com a comunidade, em que o livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade ´e poss´ıvel. No exerc´ıcio de seus direitos e liberdades, toda pessoa estar´a sujeita apenas `as limitac¸˜oes determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer `as justas exigˆencias da moral, da ordem p´ublica e do bem-estar de uma sociedade democr´atica”. (DUDH, art. XXIX, 1, 2) (grifos nossos).

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