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o modelo hegemˆonico liberal-representativo, apesar de globalmente triunfante, n˜ao est´a garantindo mais que uma democracia de baixa intensidade Democracia essa baseada na

privatizac¸˜ao do bem p´ublico por elites mais ou menos restritas, na distˆancia crescente en-

tre representantes e representados e com uma inclus˜ao pol´ıtica abstrata, feita de exclus˜ao

social (KUNRATH, 2005, p. 24).

Neste contexto, para que a participac¸˜ao ativa do cidad˜ao, atrav´es dos canais institucionais,

nas deliberac¸˜oes sobre a conduc¸˜ao das pol´ıticas p´ublicas atue como o mecanismo eficaz para a

efetivac¸˜ao do controle social da atuac¸˜ao pol´ıtica governamental, de forma a garantir que a atuac¸˜ao

estatal esteja, ininterruptamente, em consonˆancia com a concretizac¸˜ao dos direitos humanos fun-

damentais, em especial, os direitos sociais, em prol da construc¸˜ao de uma sociedade livre, justa e

solid´aria, se faz necess´ario a mudanc¸a de vis˜ao utilitarista (“as relac¸˜oes intersubjetivas s˜ao conce-

bidas como uma luta ego´ısta entre indiv´ıduos pr´e-sociais e n˜ao como pertencentes a uma comuni-

dade e respons´aveis por ela1”) para solid´aria (“todo indiv´ıduo ´e considerado como o protagonista

1Neste sentido: “Se o indiv´ıduo ´e o pior inimigo do cidad˜ao, e se a individualizac¸˜ao anuncia problemas para a cidadania e para a pol´ıtica fundada na cidadania, ´e porque os cuidados e preocupac¸˜oes dos indiv´ıduos enquanto indiv´ıduos enchem o espac¸o p´ublico at´e o topo, afirmando-se como seus ´unicos ocupantes leg´ıtimos e expulsando tudo mais do discurso p´ublico. O “p ´ublico” ´e colonizado pelo “privado”; o “interesse

pol´ıtico da sua pr´opria hist´oria e da sua sociedade”) da cidadania2(LOPES, 2006, p. 21).

A cidadania, que inicialmente estava restrita ao exerc´ıcio do direito pol´ıtico de eleger e ser

eleito, foi ampliada com a redemocratizac¸˜ao do Estado Brasileiro em 19883e com a ratificac¸˜ao dos

principais tratados internacionais de protec¸˜ao dos direitos humanos4, pois o Estado Democr´atico

de Direito Brasileiro passou a ter a responsabilidade de proteger, al´em dos direitos previstos consti-

tucionalmente, os direitos afirmados nos sistemas internacionais de protec¸˜ao dos direitos humanos,

p ´ublico” ´e reduzido `a curiosidade sobre as vidas privadas de figuras p ´ublicas e a arte da vida p ´ublica ´e reduzida `a exposic¸˜ao p ´ublica das quest˜oes privadas e a confiss˜oes de sentimentos privados (quanto mais ´ıntimos, melhor). As “quest˜oes p ´ublicas” que resistem a essa reduc¸˜ao tornam-se quase incompreens´ıveis. As perspectivas de que os atores individualizados sejam “reacomodados” no corpo republicano dos cidad˜aos s˜ao nebulosas. O que os leva a aventurar-se no palco p´ublico n˜ao ´e tanto a busca de causas comuns e de meios de negociar o sentido do bem comum e dos princ´ıpios da vida em comum quanto a necessidade desesperada de “fazer parte da rede”. [...] E assim o espac¸o p ´ublico est´a cada vez mais vazio de quest˜oes p ´ublicas. Ele deixa de desempenhar sua antiga func¸˜ao de lugar de encontro e di´alogo sobre problemas privados e quest˜oes p ´ublicas. Na ponta da corda que sofre as press˜oes individualizantes, os indiv´ıduos est˜ao sendo, gradual mas consistentemente, despidos da armadura protetora da cidadania e expropriados de suas capacidades e interesses de cidad˜aos. Nessas circunstˆancias, a perspectiva de que o indiv´ıduo de jure venha a se tornar algum dia indiv´ıduo de facto (aquele que controla os recursos indispens´aveis `a genu´ına autodeterminac¸˜ao) parece cada vez mais remota. O indiv´ıduo de jure n˜ao pode se tornar indiv´ıduo de facto sem antes tornar-se cidad˜ao. N˜ao h´a indiv´ıduos autˆonomos sem uma sociedade autˆonoma, e a autonomia da sociedade requer uma autoconstituic¸˜ao deliberada e perp´etua, algo que s´o pode ser uma realizac¸˜ao compartilhada de seus membros.” (BAUMAN, 2001, p. 46, 50) (grifado no original somente em it´alico)

2Neste sentido: “A atual realidade mundial, sem d´uvida, demanda um conceito mais amplo de cidadania. [...] A cidadania deve ser concebida como um direito, sendo que, simultˆanea e paralelamente, a noc¸˜ao de dever deve ser inserida no seu conte ´udo, j´a que n˜ao existem direitos sem seus correlados deveres. [...] A vis˜ao est´atica e individualista de cidadania deve ser superada, na medida em que a experiˆencia hist´orica mundial de violˆencia, injustic¸a e desigualdade tem comprovado a necessidade de uma participac¸˜ao mais ativa dos cidad˜aos na construc¸˜ao de uma sociedade justa, com base no valor da solidariedade, essencial `a sobrevivˆencia de qualquer comunidade.” (LOPES, 2006, p. 25) (grifos nossos). E, ainda, “o paradigma de cidadania em uma determinada ´epoca est´a em constante transformac¸˜ao. ´E com base nesse dinamismo hist´orico que podemos resgatar o sentido inclusivo de cidadania, fundamental para respaldar a ampliac¸˜ao do processo democr´atico, cujo sucesso tamb´em est´a diretamente relacionado ao aperfeic¸oamento dos mecanismos de participac¸˜ao, instrumentos indispens´aveis para fortalecer o princ´ıpio da soberania popular neste momento hist´orico em que a democracia representativa mostra sinais de desgaste.” (AUAD, 2005, p. 41) (grifos nossos).

3Com entendimento neste sentido: “A concepc¸˜ao de cidadania como um direito que demanda a participac¸˜ao do seu titular na vida em sociedade est´a presente na Constituic¸˜ao Federal brasileira de 1988. Com efeito, no par´agrafo ´unico do art. 1odefine-se a democracia

brasileira como uma democracia semi-direta, ou seja, como uma democracia representativa com mecanismos de participac¸˜ao direta. Di- versas s˜ao as normas constitucionais que prevˆeem a participac¸˜ao pol´ıtica direta do cidad˜ao na vida da sua sociedade. Assim, podem ser citadas as seguintes: CF/88, arts. 5o, XXXIV, “a” (direito de petic¸˜ao), LXXI (mandado de injunc¸˜ao), LXXIII (ac¸˜ao popular); 10 (participac¸˜ao nos

colegiados dos ´org˜aos p´ublicos); 14, caput, (sufr´agio), 14, I (plebiscito), 14, II (referendo), 14, III (iniciativa popular); 29, XII (cooperac¸˜ao das associac¸˜oes representativas no planejamento municipal); 31, § 3o(fiscalizac¸˜ao do contribuinte); 37, § 3o(participac¸˜ao do usu´ario na Administrac¸˜ao

P´ublica); 74, § 2o(den´uncia perante o Tribunal de Contas); 89, VII (participac¸˜ao no Conselho da Rep´ublica); 103-B, XIII (participac¸˜ao no Con- selho Nacional de Justic¸a); 130-A, VI (participac¸˜ao no Conselho Nacional do Minist´erio P´ublico); 144, caput (responsabilidade da sociedade pela preservac¸˜ao da ordem p´ublica); 173, § 1o, I (a participac¸˜ao da sociedade na fiscalizac¸˜ao das empresas p´ublicas, das sociedades de economia mista e

suas subsidi´arias); 187o(a participac¸˜ao dos produtores, dos trabalhadores rurais, dos setores de comercializac¸˜ao, armazenamento e transportes para

a definic¸˜ao da pol´ıtica agr´ıcola); 194o, § ´unico, VII (a participac¸˜ao dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados nos ´org˜aos colegiados

da administrac¸˜ao da seguridade social); 195(financiamento da seguridade social por toda a sociedade); 198o, III (a participac¸˜ao da comunidade na organizac¸˜ao do Sistema ´Unico de Sa´ude); 202o, §§ 4o, 6o(a participac¸˜ao do segurado nos colegiados e nas instˆancias de decis˜ao em que seus interesses sejam objeto de discuss˜ao e deliberac¸˜ao, nas entidades fechadas de previdˆencia privada sob o patroc´ınio da Uni˜ao, dos Estados, Distrito Federal ou Munic´ıpios, ou de suas autarquias, fundac¸˜oes, sociedade de economia mista e empresas controladas direta ou indiretamente); 204o, II

(a participac¸˜ao da populac¸˜ao, por meio de organizac¸˜oes representativas, na formulac¸˜ao das pol´ıticas e no controle, em todos os n´ıveis, das ac¸˜oes governamentais na ´area da assistˆencia social); 205, caput (colaborac¸˜ao da sociedade na promoc¸˜ao e incentivo `a educac¸˜ao); 206o, VI (a

gest˜ao democr´atica do ensino p´ublico); 216o, § 1o(a colaborac¸˜ao da comunidade para a promoc¸˜ao e protec¸˜ao do patrimˆonio cultural brasileiro); 225o(dever da coletividade de defender e proteger o meio ambiente); 227, caput (dever da sociedade de assegurar `a crianc¸a e ao adolescente, com

absoluta prioridade, o direito `a vida, `a sa´ude, `a alimentac¸˜ao, `a educac¸˜ao, ao lazer, `a profissionalizac¸˜ao, `a cultura, `a dignidade, ao respeito, `a liberdade e `a convivˆencia familiar e comunit´aria, al´em de coloc´a-los a salvo de toda forma de negligˆencia, discriminac¸˜ao, explorac¸˜ao, violˆencia, crueldade e opress˜ao); 227o, § 1o(participac¸˜ao de entidades n˜ao-governamentais para a promoc¸˜ao de programas de assistˆencia integral `a sa´ude da crianc¸a e do adolescente); 203 (dever da sociedade de amparar as pessoas idosas); par´agrafo ´unico do art. 79 do ADCT (participac¸˜ao de representantes da sociedade civil no Conselho Consultivo e de Acompanhamento do Fundo de Combate e Erradicac¸˜ao da Pobreza); caput do art. 82 do ADCT (participac¸˜ao da sociedade civil nas entidades de gerenciamento dos Fundos de Combate `a Pobreza institu´ıdos nos Estados, Distrito Federal e Mu- nic´ıpios). A concepc¸˜ao brasileira de cidadania como participac¸˜ao pol´ıtica ativa e direta do indiv´ıduo na vida da sua sociedade - e n˜ao apenas como o exerc´ıcio do direito pol´ıtico de eleger e ser eleito - est´a ainda mais contundentemente prevista no inc. II do art. 1oda Constituic¸˜ao

Federal de 1988, no qual a cidadania ´e vista como um dos fundamentos do Estado Democr´atico brasileiro. Sendo assim, a cidadania passa a ser um direito que torna todo cidad˜ao um protagonista na construc¸˜ao da sua pr´opria hist´oria, e n˜ao apenas um simples espectador. [...] Com efeito, na medida em que a cidadania passou a ser um fundamento do Estado Democr´atico, cujo modelo de democracia ´e a semi-direta (par´agrafo ´unico do art. 1o), n˜ao h´a mais como negar a sua relevˆancia e a amplitude do seu conte ´udo, devendo ser assegurada direta e

imediatamente a todos os cidad˜aos”. (LOPES, 2006, p. 25-28) (grifos nossos).

4A jurista Fl´avia Piovesan expressa entendimento neste sentido: “Enfatize-se que a reinserc¸˜ao do Brasil na sistem´atica da protec¸˜ao internacional dos direitos humanos vem a redimensionar o pr´oprio alcance do termo “cidadania”. Isto porque, al´em dos direitos constitucionalmente previstos no ˆambito nacional, os indiv´ıduos passam a ser titulares de direitos internacionais. Vale dizer, os indiv´ıduos passam a ter direitos acion´aveis e defens´aveis no ˆambito internacional. Assim, o universo de direitos fundamentais se expande e se completa, a partir da conjugac¸˜ao dos sistemas nacional e internacional de protec¸˜ao dos direitos humanos. [...] Em face dessa interac¸˜ao, o Brasil assume,

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