representam compromisso solenemente assumido pelos diversos segmentos da sociedade
no sentido de se trac¸ar uma moldura econˆomica fundada, a um s´o tempo, na valorizac¸˜ao
social do trabalho e na livre-iniciativa (art. 1
o, IV). Ora, ´e de se indagar: que esp´ecie
de compromisso ´e esse assumido e expresso na Constituic¸˜ao que, no primeiro mo-
mento em que se defende a conveniˆencia da supress˜ao de cl´ausulas compromiss´orias
de compostura social, tendo em vista os mais diversos aspectos que possam ser con-
siderados (pol´ıticos, econˆomicos, etc.), inicia, de pronto, autˆentica insurreic¸˜ao da
criatura (revisor constituinte) contra o seu criador (poder constituinte origin´ario)
? Poder´a ser nominado de “compromisso” aquilo que, casuisticamente, ´e relegado
ao esquecimento pelas partes convenentes ? ´E “COMPROMISSO” PARA SER CUM-
PRIDO POR ALGU ´EM ? ALGUM DIA ? Convictamente, a norma de direito social,
por configurar elemento voltado `a consecuc¸˜ao do estado social, uma vez inserida na
constituic¸˜ao, ´e dela irretir´avel, sob pena de sujeitar-se `a fiscalizac¸˜ao de constituciona-
lidade a tentativa de suprimi-la e, nessa linha de racioc´ınio, temos que represent´a-la
de igual modo, como cl´ausula intoc´avel e norma com efic´acia absoluta (SILVA NETO,
2010, p. 169-170) (grifos nossos).
As disposic¸˜oes constitucionais de direitos sociais, portanto, permitem ao cidad˜ao exigir, n˜ao
s´o, a atuac¸˜ao negativa do Estado (poder legislativo), ou seja, evitar a edic¸˜ao de legislac¸˜ao contr´aria
aos fins definidos por tais normas, mas, tamb´em, a atuac¸˜ao positiva do Estado (poder executivo),
pois, como direitos p´ublicos de prestac¸˜ao98, est˜ao relacionados ao gozo de uma prestac¸˜ao estatal
positiva (PIMENTA, 1999, p. 169-176) e, considerando que
95“Como toda Constituic¸˜ao ´e provida pelo menos de um m´ınimo de efic´acia sobre a realidade - m´ınimo que o jurista deve procurar converter, se poss´ıvel, em m´aximo - ´e claro que o problema constitucional toma em nossos dias nova dimens˜ao, postulando a necessidade de coloc´a-lo em termos globais, no reino da Sociedade. Essa Sociedade, invadida de interferˆencias estatais, n˜ao dispensa, por conseguinte, o reconhecimento das forc¸as que nela atuam poderosamente, capazes de modificar, com rapidez e frequˆencia, o sentido das normas constitucionais, male´aveis e adaptativas na medida em que possam corresponder, de maneira satisfat´oria, `as prementes e fundamentais exigˆencias do meio social.” (BONAVIDES, 2011, p. 97). Ainda, sobre este tema, o seguinte estudo doutrin´ario: SILVA NETO, Manoel Jorge e. O Princ´ıpio da m´axima efetividade e a interpretac¸˜ao constitucional. S˜ao Paulo: LTr, 1999.
96“A Constituic¸˜ao de 1988 ´e basicamente em muitas de suas dimens˜oes essenciais uma Constituic¸˜ao do Estado social. Portanto, os problemas constitucionais referentes a relac¸˜oes de poderes e exerc´ıcio de direitos subjetivos tˆem que ser examinados e resolvidos `a luz dos conceitos derivados daquela modalidade de ordenamento. Uma coisa ´e a Constituic¸˜ao do Estado liberal, outra a Constituic¸˜ao do Estado social. A primeira ´e uma Constituic¸˜ao antigoverno e anti-Estado; a segunda uma Constituic¸˜ao de valores refrat´arios ao individualismo no Direito e ao absolutismo no Poder.” (BONAVIDES, 2011, p. 371) (grifos nossos).
97Neste sentido: CUNHA J ´UNIOR, 2011, p. 615-619; CUNHA J ´UNIOR, 2008, p. 223-227; MENDES, 2008, p. 244-250; SARLET, 2006, p. 321-332; SILVA, 2001, p. 189-192; SILVA NETO, 2010, p. 132-133.
98O jurista Paulo Roberto Lyrio Pimenta, ao enfrentar a tem´atica, se posiciona dizendo: “Parece-nos, por conseguinte, que as normas pro- gram´aticas outorgam aos administrados verdadeiro direito subjetivo, porque podem exigir o cumprimento dessas regras, se outras forem editadas em sentido contr´ario, o que deriva do efeito negativo da efic´acia; bem como tˆem o direito de exigir interpretac¸˜oes nas decis˜oes jurisdicionais di- recionadas para os princ´ıpios consignados nas normas sob exame. [...] Com base nesse modelo [O autor se refere ao modelo, sobre as esp´ecies do gˆenero direito subjetivo, proposto por Di Ruffia, com base em Santi Romano e Zanobini, identificando os seguintes tipos de direitos subjetivos: direitos da personalidade(direitos de estado e aos sinais distintivos da personalidade); direitos de func¸˜ao; direitos p´ublicos reais; direitos p´ublicos de prestac¸˜ao(direitos c´ıvicos, correspondentes aos cidad˜aos, que agem nessa qualidade, com o prop´osito de desfrute de uma prestac¸˜ao ofere- cida pela Administrac¸˜ao; e direitos sociais), relativos `as pretens˜oes dos cidad˜aos frente ao Estado, no ˆambito econˆomico e social], evidencia-se, primeiramente, que os direitos subjetivos gerados pelas normas program´aticas s˜ao direitos p ´ublicos subjetivos, eis que exercidos perante o Estado. Em segundo lugar, s˜ao direitos p ´ublicos de prestac¸˜ao, `a medida que s˜ao direcionados ao gozo de uma prestac¸˜ao estatal, po- dendo enquadrar-se em qualquer das duas subesp´ecies (direitos c´ıvicos ou sociais), dependendo do aspecto relato da respectiva norma program´atica.” (PIMENTA, 1999, p. 173, 174) (grifado no original).
as normas program´aticas tˆem efic´acia jur´ıdica imediata, direta e vinculante nos ca-
sos seguintes: I - estabelecem um dever para o legislador ordin´ario; II - condicionam a
legislac¸˜ao futura, com a consequˆencia de serem inconstitucionais as leis ou atos que as
ferirem; III - informam a concepc¸˜ao do Estado e da sociedade e inspiram sua ordenac¸˜ao
jur´ıdica, mediante a atribuic¸˜ao de fins sociais, protec¸˜ao dos valores da justic¸a social e
revelac¸˜ao dos componentes do bem comum; IV - constituem sentido teleol´ogico para a
interpretac¸˜ao, integrac¸˜ao e aplicac¸˜ao das normas jur´ıdicas; V - condicionam a atividade
discricion´aria da Administrac¸˜ao e do Judici´ario; VI - criam situac¸˜oes jur´ıdicas subjetivas,
de vantagem ou de desvantagem (SILVA, 2012, p. 160) (grifos nossos),
´e ineg´avel que as chamadas normas constitucionais program´aticas, em especial, com funda-
mento no art. 3o
da CF/88
99, tamb´em se constituem como diretriz ´etica-pol´ıtica-jur´ıdica para
determinar uma atuac¸˜ao estatal com efic´acia social100, ou seja, “devem servir, sim, de paradigma
legitimador da atuac¸˜ao administrativa e legislativa” (SILVA NETO, 2010, p. 83) e, assim,
´e prudente advertir que a reserva de discricionariedade presente nos atos pol´ıticos n˜ao
deve ser levada ao ponto de convertˆe-la em arbitrariedade
101. Ato discricion´ario ´e aquele
realizado dentro da margem de liberdade conferida pela norma; ato arbitr´ario ´e o que
excede as linhas demarcadas `a liberdade de ac¸˜ao do administrador. Do que se expˆos,
apercebe-se que somos francamente a favor da sindicabilidade dos atos pol´ıticos, e o fa-
zemos - resumindo o que fora indicado nos par´agrafos anteriores - de acordo com os
seguintes fundamentos: I - as normas constitucionais econˆomicas program´aticas servem
de paradigma legitimador da atuac¸˜ao administrativa e legislativa; II - os atos pol´ıticos
n˜ao podem ser colocados `a margem do controle judicial, porque a Constituic¸˜ao de 1988
n˜ao estabeleceu vedac¸˜ao a respeito; III - o princ´ıpio da democracia participativa n˜ao ´e
aplic´avel apenas ao conjunto dos direitos pol´ıticos, mas serve tamb´em para tornar ad-
miss´ıvel seja conduzido tema de interesse social pelo cidad˜ao para que decida o Poder Ju-
dici´ario, incluindo-se a´ı as normas econˆomicas promanadas do Poder Executivo (SILVA
NETO, 2001b, p. 87),
e, por conseguinte, se vincula os poderes estatais para a emanac¸˜ao de atos legislativos, ad-
ministrativos e judiciais em prol da concretizac¸˜ao das diretrizes constitucionais, especialmente,
diante dos inevit´aveis processos de mudanc¸as que o ordenamento pol´ıtico-jur´ıdico deve enfrentar
99“ ´E de conte´udo marcantemente program´atico os objetivos fundamentais assinalados nos incisos I/IV do art. 3o. N˜ao obstante, tal fato, por si
s´o, n˜ao tem o cond˜ao de, rementendo-se o comando constitucional ao plano da mera declaratividade, impossibilitar a extrac¸˜ao de efeitos concretos das normas constitucionais com efic´acia relativa complement´avel de princ´ıpio program´atico porque, [...], j´a ´e crescente a importˆancia que se vem atribuindo `as cl´ausulas de programa, m´axime no que toca `a constatac¸˜ao de efeitos de real densidade ocasionados por tais comandos.” (SILVA NETO, 1999, p. 38).
100O jurista Paulo Roberto Lyrio Pimenta, ao analisar a evoluc¸˜ao da jurisprudˆencia do STF (STF, RE-AgR 393175, 2aTurma, Rel. Min. Celso de
Mello, DJ 12/12/2006) sobre a tem´atica, se posiciona dizendo: “Como se pode observar do exame desse julgado, os avanc¸os da jurisprudˆencia do Pret´orio Excelso s˜ao inquestion´aveis e bastante relevantes. Admite-se que as normas program´aticas produzem efeitos jur´ıdicos, ou seja, apresentam efic´acia, deixando de representar meras promessas, exortac¸˜oes morais. Al´em disso, a Corte reconhece que tais normas geram direitos subjetivos, e n˜ao mero interesse. A situac¸˜ao de direito subjetivo recebe do ordenamento maior protec¸˜ao, conferindo ao seu titular verdadeira pretens˜ao de car´ater material. Por conseguinte, os titulares de direitos conferidos por normas program´aticas passam a ter a possibilidade de exigir o cumprimento da obrigac¸˜ao prevista em tais regras jur´ıdicas, inclusive perante o Poder Judici´ario. Em decis˜ao mais recente [STF, AI-AgR 648971, 2aTurma, Rel. Min. Eros Grau, DJ 28/09/2007], que versava sobre o mesmo tema, o Tribunal mais uma
vez reconheceu a obrigac¸˜ao do Estado em fornecer medicamentos de alto custo, o que equivale, por outro lado, a admitir a existˆencia de direito subjetivo outorgado ao administrado por uma norma de car´ater program´atico. Do exposto se infere, portanto, que no momento em que se celebra o vig´esimo anivers´ario da Carta de 1988, que inseriu em nosso ordenamento um grande n´umero de regras program´aticas, n˜ao se pode deixar de admitir os avanc¸os da jurisprudˆencia do Supremo Tribunal Federal sobre o tema da efic´acia, fato que acaba contribuindo decisivamente para que esse documento normativo gradativamente tenha uma maior efetividade.” (PIMENTA, 2009, p. 33) (grifos nossos).
101“A insindicabilidade dos atos pol´ıticos n˜ao pode ser invocada quando houver ofensa `a Constituic¸˜ao, parˆametro inafast´avel para a aferic¸˜ao da validade de todos os atos do Estado e mesmo dos particulares. O pr´oprio conceito de ato pol´ıtico tem de ser interpretado restritivamente, em virtude dos princ´ıpios da supremacia da Constituic¸˜ao e da inafastabilidade do controle jurisdicional. Por isso, a pura e simples invocac¸˜ao da natureza “pol´ıtica” ou “discricion´aria” de um ato do Estado n˜ao ´e suficiente para retir´a-lo da apreciac¸˜ao judici´aria.” (REIS, 2003, p. 229) (grifado no original somente em it´alico).