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A doutrina de Jos´e Afonso da Silva sobre as normas constitucionais faz a distinc¸˜ao em nor mas de efic´acia plena: “incidem diretamente sobre os interesses a que o constituinte quis dar

express˜ao normativa”, normas de efic´acia contida: “sua aplicabilidade n˜ao fica condicionada a

uma normac¸˜ao ulterior, mas fica dependente de limites que ulteriormente se lhe estabelec¸am me-

diante lei, ou de que as circunstˆancias restritivas, constitucionalmente admitidas, ocorram” e nor-

mas de efic´acia limitada, divididas em normas de efic´acia limitada de princ´ıpio institutivo e de

princ´ıpio program´atico: “sua aplicac¸˜ao plena, relativamente aos interesses essenciais que expri-

mem os princ´ıpios gen´ericos e esquem´aticos, depende da emiss˜ao de uma normatividade futura,

em que o legislador ordin´ario, integrando-lhe a efic´acia, mediante lei ordin´aria, lhes dˆe capacidade

de execuc¸˜ao em termos de regulamentac¸˜ao daqueles interesses visados” (SILVA, 2012, p. 100,

114, 116, 121, 136, 153-160) .

A doutrina de Maria Helena Diniz divide as normas constitucionais em normas com efic´acia

absoluta ou supereficazes: “s˜ao as intang´ıveis; contra elas nem mesmo h´a o poder de emendar.

Da´ı conterem uma forc¸a paralisante total de qualquer legislac¸˜ao que, expl´ıcita ou implicitamente,

vier a contrari´a-las”, normas com efic´acia plena: “s˜ao plenamente eficazes, por conterem to-

dos os elementos imprescind´ıveis para que haja a possibilidade da produc¸˜ao imediata dos efeitos

previstos, j´a que, apesar de suscet´ıveis de emenda, n˜ao requerem normac¸˜ao subconstitucional sub-

sequente”, normas com efic´acia relativa restring´ıvel ou redut´ıvel: “por serem de aplicabilidade

imediata ou plena, embora sua efic´acia possa ser reduzida, restringida nos casos e na forma que

a lei estabelecer; tem, portanto, seu alcance reduzido pela atividade legislativa” e normas com

efic´acia relativa complement´avel ou dependentes de complementac¸˜ao que podem ser de normas

de princ´ıpio institutivo: “dependentes de lei para dar corpo a instituic¸˜oes, pessoas, ´org˜aos nelas

previstos” e normas program´aticas: “comandam o pr´oprio procedimento legislativo, por serem es-

tabelecedoras de programas constitucionais a serem desenvolvidos mediante legislac¸˜ao integrativa

da vontade do constituinte” (DINIZ, 1997, p. 107, 110, 111, 113).

A doutrina de Celso Antˆonio Bandeira de Mello sobre a classificac¸˜ao das normas consti-

tucionais quanto `a imediata gerac¸˜ao de direitos para os administrados em relac¸˜ao ao Estado se

divide em normas que outorgam um “poder jur´ıdico” (poder-direito) em sentido estrito: para

o seu exerc´ıcio n˜ao necessitam de uma relac¸˜ao jur´ıdica, mas s´o uma abstenc¸˜ao, uma omiss˜ao do

Poder P´ublico, ou seja, s˜ao as normas que outorgam “de imediato: a) uma utilidade concreta, um

desfrute positivo; b) a possibilidade de exigir esta utilidade se for embarac¸ada ou perturbada por

outrem”; normas que outorgam direito em sentido estrito: para se exercer tal direito depende

de que a norma constitucional haja definido uma relac¸˜ao jur´ıdica, ou seja, determinado uma con-

duta do Estado capaz de promover a concreta efetivac¸˜ao do direito deferido ao administrado, ou

seja, essas normas atribui “ de imediato: (a) o desfrute positivo de uma concreta utilidade; (b)

o poder jur´ıdico de exigir este desfrute, se turbado”; normas que expressam uma finalidade a

ser cumprida obrigatoriamente pelo Poder P ´ublico: apesar de n˜ao atribuir nenhuma fruic¸˜ao aos

administrados, indica as diretrizes para a atuac¸˜ao da Administrac¸˜ao P´ublica, mas sem determinar

as condutas espec´ıficas e os meios para atingir as finalidades determinadas, ou seja, estas nor-

mas “conferem, de imediato, ao administrado direito a: (a) opor-se judicialmente ao cumprimento

de regras ou `a pr´atica de comportamentos que o atinjam, se forem contr´arios ao sentido do pre-

ceito constitucional; (b) obter, nas prestac¸˜oes jurisdicionais, interpretac¸˜ao e decis˜ao orientadas no

mesmo sentido e direc¸˜ao preconizados por estas normas sempre que estejam em pauta os interesses

constitucionais protegidos por tais regras” (BANDEIRA DE MELLO, 2011a, p. 21-25).

Diante do entendimento doutrin´ario sobre a efic´acia jur´ıdica das diretrizes constitucionais,

se constata que a Assembleia Constituinte de 1988, atrav´es de diversas disposic¸˜oes na CF/88,

determinou para o Estado Democr´atico de Direito Brasileiro60

um perfil intervencionista para que

a atuac¸˜ao estatal tenha o fim de garantir a existˆencia f´atica dos aspectos organizacionais previstos

para a Ordem Social numa sociedade brasileira em que a Ordem Econˆomica est´a fundada na

valorizac¸˜ao do trabalho humano e na livre iniciativa com o fim de assegurar a todos existˆencia

digna, conforme os ditames da Justic¸a Social.

Assim, no contexto atual do Estado Democr´atico de Direito Brasileiro em que suas estrutu-

ras pol´ıticas e jur´ıdicas buscam se adaptar aos efeitos das modificac¸˜oes impostas pelo neolibera-

lismo no processo de globalizac¸˜ao61, se faz imperioso que os poderes p´ublicos como int´erpretes

das normas constitucionais tenham uma boa vontade pol´ıtica para empreender esforc¸os no sen-

60“O Estado Democr´atico de Direito emerge, neste quadro de ideias, como um aprofundamento/transformac¸˜ao da f´ormula, de um lado, do Estado de Direito e, de outro, do Welfare State. Resumidamente, pode-se dizer que, ao mesmo tempo em que se tem a permanˆencia em voga da j´a tradicional quest˜ao social, h´a como que a sua qualificac¸˜ao pelo car´ater transformador que agora se incorpora. Assim, o conte ´udo deste modelo se aprimora e complexifica, posto que imp˜oe `a ordem jur´ıdica e `a atividade estatal um conte ´udo ut´opico de transformac¸˜ao do status quo. Produz-se, aqui, um pressuposto teleol´ogico para al´em daquele j´a presente no finalismo social, cujo sentido deve ser incorporado aos mecanismos pr´oprios ao Estado do Bem-Estar Social, constru´ıdos ao longo do ´ultimo s´eculo [...] E ´e este o conceito que, vindo estampado no texto constitucional (art. 1o), define os contornos do Estado brasileiro, a partir de 1988, tendo-se presente que o constituinte nacional foi busc´a-lo

em Constituic¸˜oes produzidas em situac¸˜oes similares `a nossa, como ´e o caso da Constituic¸˜ao portuguesa p´os-Revoluc¸˜ao dos Cravos e da Constituic¸˜ao espanhola seguinte `a derrubada do regime franquista.” (MORAIS, 2011, p. 41) (grifado no original somente em it´alico).

61“Ontem, precisamente h´a dois s´eculos, representava o velho Estado Liberal a vanguarda do progresso; hoje se fez, todavia, instru- mento de reac¸˜ao e retrocesso. Tal se depreende de sua recent´ıssima reformulac¸˜ao por obra da escola dos chamados neoliberais. A pravidade neoliberal introduziu esse monstruoso paradoxo: h´a pouco, o Liberalismo semeava Constituic¸˜oes; ultimamente se compraz em decapit´a- las; outrora, seu tema de legitimidade era a soberania, tanto a soberania nacional como a soberania popular; doravante, ´e a anti-soberania, o antipovo, a antinac¸˜ao. A alianc¸a neoliberal com a unipolaridade globalizadora da superpotˆencia que ora domina o mundo pelo Consenso de Washington fez-se dissolvente das nacionalidades, da estatalidade soberana e das Constituic¸˜oes. O Neoliberalismo ´e a Internacional do Capitalismo em sua vers˜ao mais atroz e funesta de dominac¸˜ao universal.” (BONAVIDES, 2010, p. 46) (grifos nossos). “Enfim, se concen- tramos nossas reflex˜oes sobre o Brasil, veremos que o grande problema do momento constitucional brasileiro ´e o de como aplicar a Constituic¸˜ao. Esta quest˜ao por´em n˜ao cabe unicamente ao Direito Constitucional resolver, mas deve ter por igual a audiˆencia da Ciˆencia Pol´ıtica. Concretizar o texto, introduzi-lo na realidade nacional, eis em verdade o desafio das Constituic¸˜oes brasileiras, desde os prim´ordios da Rep´ublica. Al´ıas, um clima anti-Constituic¸˜ao, ou seja, contr´ario ao esp´ırito da Constituic¸˜ao, se est´a formando nas c´upulas empresariais mais retr´ogradas, assim como em algumas regi˜oes da lideranc¸a pol´ıtica, ameac¸ando minar os alicerces do regime e desfigurar os valores incorporados ao texto da nova Carta. A sofreguid˜ao privatista, a par de uma resistˆencia `a aplicac¸˜ao dos direitos sociais b´asicos, certifica tal tendˆencia.” (BONAVIDES, 2011, p. 381).

tido de realizar, com base no princ´ıpio da m´axima efetividade, uma interpretac¸˜ao62

que permita

a concretizac¸˜ao dos direitos humanos sociais reconhecidos, n˜ao s´o pelas normas constitucionais

program´aticas, mas tamb´em pelas declarac¸˜oes internacionais de direitos humanos, nas quais est˜ao

relacionados os direitos dos indiv´ıduos como cidad˜aos no ˆambito do Estado, mas, tamb´em os di-

reitos decorrentes da cidadania cosmopolita63.

3.3

O paradigma do Constitucionalismo Social da CF/88

A constitucionalizac¸˜ao dos direitos humanos como direitos fundamentais no Ordenamento

Jur´ıdico permitiu a existˆencia da forc¸a jur´ıdica necess´aria para impor a efetivac¸˜ao de seus valores

e, por exercer func¸˜ao limitativa do poder e de legitimac¸˜ao do poder estatal, se constitui numa das

caracter´ısticas do Estado Democr´atico de Direito.

Com a constitucionalizac¸˜ao dos direitos humanos, estes se tornam conhecidos como direitos

fundamentais, as normas que os reconhecem passaram a situar-se no escal˜ao m´aximo do orde-

namento jur´ıdico

64, ou seja, n˜ao ficam apenas vinculados ao Estado pela aceitac¸˜ao formal dos

tratados e declarac¸˜oes de direito no ˆambito das relac¸˜oes do direito interno com o direito interna-

cional, mas passam a ser protegidas pelo complexo sistema de reforma constitucional, funcionam

como limites materiais para o poder reformador, s˜ao dotadas de imediata aplicabilidade e vincu-

latividade dos poderes p´ublicos para sua atuac¸˜ao, e est˜ao protegidas pelo sistema de controle de

constitucionalidade dos atos comissivos e omissivos dos poderes p´ublicos65.

A Constituic¸˜ao de 1988, ao reconhecer os direitos humanos como direitos fundamentais, ado-

tou a concepc¸˜ao material aberta dos direitos fundamentais66

e uma especificac¸˜ao abrangente dos

62“Hoje, diferentemente do que acontecia antes da crise do constitucionalismo cl´assico, impera, com todo vic¸o, o princ´ıpio da n˜ao-neutralidade, materializado em comandos constitucionais tendentes a mitigar a desigualdade social, a desproporcional divis˜ao da riqueza de um pa´ıs. N˜ao ´e por acaso, ent˜ao, que os direitos sociais previstos na constituic¸˜ao passaram a ser denominados de “disposic¸˜oes incˆomodas”, principalmente em virtude de incitarem a sociedade pol´ıtica a concretizar o compromisso selado no momento da sua formac¸˜ao. H´a, portanto, por assim dizer, uma “m´a vontade” dos mantenedores do status quo no que toca `as normas definidoras dos direitos sociais, muito particularmente quando tais preceitos recebem a designac¸˜ao de “program´aticos””. (SILVA NETO, 1999, p. 61) (grifado no original somente em it´alico).

63“Nos ´ultimos anos, com a chamada globalizac¸˜ao, a concepc¸˜ao de cidadania moderna foi alterada, pois ela n˜ao ´e mais entendida como um statuslegal, isto ´e, cidad˜ao como membro pleno de uma comunidade pol´ıtica particular. Hoje, ressalta-se a cidadania para al´em das fronteiras tradicionais do Estado.” (MORAIS; NASCIMENTO, 2010, p. 35).

64“A supremacia da Constituic¸˜ao decorre, precisamente, da sua superlegalidade formal, que impede modificac¸˜oes do texto constitucional mediante os procedimentos legislativos ordin´arios, e da superlegalidade material, que lhe assegura uma precedˆencia hier´arquica sobre todas as demais normas do ordenamento, produto dos poderes constitu´ıdos pela pr´opria Constituic¸˜ao, como obra de um superior Poder Constituinte.” (REIS, 2003, p. 30) (grifado no original somente em it´alico).

65Neste sentido: BONAVIDES, 2011, p. 560-593; CUNHA J ´UNIOR, 2011, p. 547-548; CUNHA J ´UNIOR, 2008, p. 147-152; SILVA NETO, 2010, p. 631-643.

66A caracterizac¸˜ao do conceito de concepc¸˜ao material aberta dos direitos fundamentais pode ser extra´ıda dos seguintes posicionamentos dou- trin´arios: “Em favor da hierarquia constitucional dos direitos enunciados em tratados internacionais, outro argumento se acrescenta: a natureza materialmente constitucional dos direitos fundamentais. O reconhecimento se faz expl´ıcito na Carta de 1988, ao invocar a previs˜ao do art. 5o,

§ 2o. Vale dizer, se n˜ao se tratasse de mat´eria constitucional, ficaria sem sentido tal previs˜ao. A Constituic¸˜ao assume expressamente o conte´udo

constitucional dos direitos constantes dos tratados internacionais dos quais o Brasil ´e parte. Ainda que esses direitos n˜ao sejam enunciados sob a forma de normas constitucionais, mas sob a forma de tratados internacionais, a Carta lhes confere o valor jur´ıdico de norma constitucional, j´a que preenchem e complementam o cat´alogo de direitos fundamentais previsto pelo Texto Constitucional. [...] Os direitos internacionais integrariam, assim, o chamado “bloco de constitucionalidade”, densificando a regra constitucional positivada no § 2odo art. 5o, caracterizada como cl´ausula constitucional aberta. [...] Logo, ´e neste contexto - marcado pela tendˆencia de Constituic¸˜oes latino-americanas recentes a conceder tratamento especial ou diferenciado aos direitos e garantias internacionalmente consagrados - que se insere a inovac¸˜ao do art. 5o, § 2o, da Carta

brasileira. Ao estatuir que os direitos e garantias nela expressos n˜ao excluem outros, decorrentes dos tratados internacionais em que o Brasil seja parte, a Constituic¸˜ao de 1988 passa a incorporar os direitos enunciados nos tratados de direitos humanos ao universo dos direitos constitucional- mente consagrados.” (PIOVESAN, 2008, p. 54, 55, 81) (grifos nossos). Ainda, em relac¸˜ao a extens˜ao dos efeitos do art. 5o, § 2o: “Preferimos,

direitos humanos como Direitos e Garantias Fundamentais acess´ıveis a todos67

com a ampliac¸˜ao

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