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na ordem jur´ıdica que se alicerc¸a nos fundamentos da cidadania e da dignidade da pessoa humana.

4.2.2

As pol´ıticas p ´ublicas e as condic¸˜oes materiais da existˆencia humana

O Estado Democr´atico de Direito Brasileiro, ao executar as pol´ıticas p´ublicas, deve propiciar

o exerc´ıcio do direito de uma cidadania plena92, com a promoc¸˜ao de medidas que visem proteger,

n˜ao s´o os bens inerentes para permitir as condic¸˜oes m´ınimas de subsistˆencia da vida humana, mas,

tamb´em, o desenvolvimento da pessoa humana na sua integralidade93, com a materializac¸˜ao das

condic¸˜oes imprescind´ıveis para a existˆencia humana em uma vida digna94, quais sejam, o acesso

ao direito ao trabalho formal, ao sal´ario digno e justo e `a cidadania igualit´aria (COCURUTTO,

2008, p. 14-15), por meio de prestac¸˜oes p´ublicas, tais como, educac¸˜ao, seguranc¸a, sa´ude, as-

sistˆencia social, habitac¸˜ao, meio ambiente, cultura e desporto, com adequado n´ıvel de qualidade

que permita a consecuc¸˜ao de um alto grau de utilidade capaz de satisfazer as exigˆencias coletivas

92O conceito de cidadania plena utilizado no texto est´a em consonˆancia com o seguinte entendimento: “o fenˆomeno da cidadania ´e complexo e historicamente definido. [...] O exerc´ıcio de certos direitos, como a liberdade de pensamento e o voto, n˜ao gera automaticamente o gozo de outros, como a seguranc¸a e o emprego. O exerc´ıcio do voto n˜ao garante a existˆencia de governos atentos aos problemas b´asicos da populac¸˜ao. Dito de outra maneira: a liberdade e a participac¸˜ao n˜ao levam automaticamente, ou rapidamente, `a resoluc¸˜ao de problemas sociais. Isto quer dizer que a cidadania inclui v´arias dimens˜oes e que algumas podem estar presentes sem as outras. Uma cidadania plena, que combine liberdade, participa¸c~ao e igualdade para todos, ´e um ideal desenvolvido no Ocidente e talvez inating´ıvel. Mas ele tem servido de par^ametro para o julgamento da qualidade da cidadania em cada pa´ıs e em cada momento hist´orico. Tornou-se costume desdobrar a cidadania em direitos civis, pol´ıticos e sociais. O cidad˜ao pleno seria aquele que fosse titular dos trˆes direitos. Cidad˜aos incompletos seriam os que possu´ıssem apenas alguns dos direitos. Os que n˜ao se beneficiassem de nenhum dos direitos seriam n˜ao-cidad˜aos.” (CARVALHO, 2006, p. 8-9) (grifos nossos).

93Neste sentido ´e o entendimento do jurista Ingo Sarlet: “a noc¸˜ao de m´ınimo existencial, compreendida, por sua vez, como abrangendo o conjunto de prestac¸˜oes materiais que asseguram a cada indiv´ıduo uma vida com dignidade, que necessariamente s´o poder´a ser uma vida saud´avel, que corresponda a determinados patamares qualitativos que transcendam a mera garantia da sobrevivˆencia f´ısica (m´ınimo vital), nos revela que a dignidade da pessoa atua (e ainda que n˜ao exclusivamente) como diretriz jur´ıdico-material tanto para a definic¸˜ao do n ´ucleo essencial, quanto para a definic¸˜ao do que constitui a garantia do m´ınimo existencial, que, na esteira de farta doutrina, abrange bem mais do que a garantia da mera sobrevivˆencia f´ısica, n˜ao podendo ser restringido, portanto, `a noc¸˜ao de um m´ınimo vital ou a uma noc¸˜ao estritamente liberal de um m´ınimo suficiente para assegurar o exerc´ıcio das liberdades fundamentais.” (SARLET, 2006, p. 325-326) (grifos nossos).

94Neste contexto, o exerc´ıcio da cidadania para requerer o cumprimento da responsabilidade do Estado em implementar pol´ıticas p´ublicas para a concretizac¸˜ao das condic¸˜oes m´ınimas de existˆencia humana digna tamb´em est´a alicerc¸ada nos diplomas normativos internacionais, por exemplo, a DECLARAC¸ ˜AO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS (1948), nos art. XXV e XXVI: “TODO SER HUMANO TEM DIREITO A UM PADR ˜AO DE VIDA capaz de assegurar-lhe, e a sua fam´ılia, sa ´ude e bem-estar, inclusive alimentac¸˜ao, vestu´ario, habitac¸˜ao, cuidados m´edicos e os servic¸os sociais indispens´aveis, e direito `a seguranc¸a em caso de desemprego, doenc¸a, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistˆencia em circunstˆancias fora de seu controle. Todo ser humano tem direito `a instruc¸˜ao. A instruc¸˜ao ser´a gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instruc¸˜ao elementar ser´a obrigat´oria. A instruc¸˜ao t´ecnico-profissional ser´a acess´ıvel a todos, bem como a instruc¸˜ao superior, esta baseada no m´erito. A instruc¸˜ao ser´a orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais.” (grifos nossos); o PACTO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS ECON ˆOMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS (1966), art. 2.o: “Cada Estado-Parte do presente

Pacto compromete-se a adotar medidas, tanto por esforc¸o pr´oprio como pela assistˆencia e cooperac¸˜ao internacionais, principalmente nos planos econˆomico e t´ecnico, AT´E O M´AXIMO DE SEUS RECURSOS DISPON´IVEIS, que visem a assegurar, PROGRESSIVAMENTE, por todos os meios apropriados, o pleno exerc´ıcio dos direitos reconhecidos no presente Pacto, incluindo, em particular, a adoc¸˜ao de medidas legislati- vas.” (grifos nossos); a CONVENC¸ ˜AO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS - Pacto S˜ao Jos´e da Costa Rica (1969), art. 26: “Os Estados-Partes comprometem-se a adotar providˆencias, tanto no ˆambito interno como mediante a cooperac¸˜ao internacional, especialmente econˆomica e t´ecnica, a fim de conseguir PROGRESSIVAMENTE A PLENA EFETIVIDADE DOS DIREITOS que decorrem das normas econˆomicas, sociais e sobre educac¸˜ao, ciˆencia e cultura, constantes da Carta da Organizac¸˜ao dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires, na medida dos recursos dispon´ıveis, por via legislativa ou por outros meios apropriados.” (grifos nossos); a DECLARAC¸ ˜AO SOBRE O DIREITO AO DESENVOLVIMENTO (1986), Artigo 1o: 1. “O direito ao desenvolvimento ´e um direito humano inalien´avel

em virtude do qual toda pessoa humana e todos os povos est˜ao habilitados a participar do desenvolvimento econˆomico, social, cultu- ral e pol´ıtico, a ele contribuir e dele desfrutar, no qual todos os direitos humanos e liberdades fundamentais possam ser plenamente realizados”. Artigo 2o: 1. “A PESSOA HUMANA ´E O SUJEITO CENTRAL DO DESENVOLVIMENTO E DEVERIA SER PARTICIPANTE ATIVO E

BENEFICI´ARIO DO DIREITO AO DESENVOLVIMENTO. 3. OS ESTADOS T ˆEM O DIREITO E O DEVER DE FORMULAR POL´ITICAS NACI- ONAIS ADEQUADAS PARA O DESENVOLVIMENTO, QUE VISEM O CONSTANTE APRIMORAMENTO DO BEM-ESTAR DE TODA A POPULAC¸ ˜AO E DE TODOS OS INDIV´IDUOS, COM BASE EM SUA PARTICIPAC¸ ˜AO ATIVA, LIVRE E SIGNIFICATIVA NO DESENVOL- VIMENTO E NA DISTRIBUIC¸ ˜AO EQUITATIVA DOS BENEF´ICIOS DA´I RESULTANTES.” (grifos nossos); o PROTOCOLO ADICIONAL

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A CONVENC¸ ˜AO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS EM MAT ´ERIA DE DIREITOS ECON ˆOMICOS, SOCIAIS E CULTU- RAIS - Protocolo de S˜ao Salvador (1988), art. 1.o: “Os Estados-Partes neste Protocolo Adicional `a Convenc¸˜ao Americana sobre Direitos

Humanos comprometem-se a adotar as medidas necess´arias, tanto de ordem interna como por meio da cooperac¸˜ao entre os Estados, espe- cialmente econˆomica e t´ecnica, AT ´E O M ´AXIMO DOS RECURSOS DISPON´IVEIS e levando em conta seu grau de desenvolvimento, a fim de conseguir, PROGRESSIVAMENTE e de acordo com a legislac¸˜ao interna, a plena efetividade dos direitos reconhecidos neste Protocolo.” (grifos nossos).

da sociedade (SILVA, 2001, p. 655), ou seja, atrav´es de pol´ıticas p´ublicas que tenham como alvo

central a concretizac¸˜ao dos direitos fundamentais sociais.

No atual contexto do mundo globalizado, o Estado Brasileiro para exercer, adequadamente,

sua finalidade social95

dever´a implementar pol´ıticas p´ublicas cujo teor “n˜ao afronte os princ´ıpios

da inclus˜ao social e da dignidade da pessoa humana, indispens´aveis `a inserc¸˜ao das pessoas a uma

vida social digna e efetivamente humana” (COCURUTTO, 2008, p. 25). Portanto, se nas pol´ıticas

p´ublicas executadas n˜ao estiver contido o fim preponderante de concretizar a democracia subs-

tancial, atrav´es de medidas que implementem as condic¸˜oes prop´ıcias para que os direitos fun-

damentais, especialmente, os direitos humanos sociais, sejam acess´ıveis a todos os indiv´ıduos,

os Poderes P´ublicos n˜ao estar˜ao respeitando a constitucionalizac¸˜ao do princ´ıpio da dignidade da

pessoa humana como parˆametro basilar, com evidente forc¸a normativa nos sistemas jur´ıdicos de

´ındole democr´atica, para nortear e conformar as ac¸˜oes governamentais aos ditames do direito justo,

e, portanto, tais pol´ıticas p´ublicas ser˜ao consideradas como ileg´ıtimas (SOARES, 2008, p. 77-84;

SOARES, 2010, p. 124-131, 135-137).

Deste modo, considerando que “o Estado est´a, portanto, obrigado a concretizar a dignidade da

pessoa humana, ao elaborar normas e formular/implementar pol´ıticas p´ublicas” (SOARES, 2008,

p. 85), o sistema jur´ıdico brasileiro n˜ao poder´a consentir com a permanˆencia de pol´ıticas p´ublicas

ileg´ıtimas96, assim consideradas por n˜ao se adequar aos pressupostos materiais e `as prerrogativas

jur´ıdicas inerentes `a condic¸˜ao de dignidade da pessoa humana, pois o “regime democr´atico de

justic¸a social n˜ao aceita as profundas desigualdades, a pobreza e a mis´eria” (SILVA, 2012, p.

138), especialmente, considerando que a reduc¸˜ao das desigualdades regionais e sociais ´e tamb´em

princ´ıpio constitucional impositivo para persecuc¸˜ao por todo o Ordenamento Jur´ıdico, inclusive

pela ordem econˆomica, com o fim de assegurar a todos existˆencia digna (CF/88, art. 170, caput

95O contexto dos efeitos da globalizac¸˜ao econˆomica e da ortodoxia neoliberal na redefinic¸˜ao do papel do Estado est´a descrito nos seguin- tes trechos: “A Constituic¸˜ao de 1988 est´a, sob o ponto de vista jur´ıdico, diante de um paradoxo: ou rende-se `as forc¸as da globalizac¸˜ao econˆomica e das pol´ıticas neoliberais, modificando o papel que o constituinte origin´ario atribui ao Estado, ou insiste em concretizar os direitos sociais nela consagrados, exigindo, para tanto, a atuac¸˜ao efetiva do Estado na sua implementac¸˜ao.” (GOTTI, 2007, p. 137) (grifos nossos). E, ESTE PARADOXO SE DEVE AO FATO DE QUE OS EFEITOS DOS IMPACTOS DA “ORTODOXIA NEOLIBERAL N ˜AO SE VERIFICA APENAS NO CAMPO ECON ˆOMICO. INFELIZMENTE, NO CAMPO DO SOCIAL, TANTO NO ˆAMBITO DAS IDEIAS COMO NO TERRENO DAS POL´ITICAS, O NEOLIBERALISMO FEZ ESTRAGOS E AINDA CONTINUA HEGEM ˆONICO. PODE-SE INCLUSIVE AFIRMAR QUE O CAR ´ATER ORTODOXO DAS IDEIAS E DAS PROPOSTAS EM TORNO DAS QUEST ˜OES SOCIAIS QUE NOS AFLI- GEM NO MUNDO CONTEMPOR ˆANEO SE MANIFESTA AINDA DE FORMA MAIS INTENSA DO QUE NO CAMPO ECON ˆOMICO. [...] AS CONSEQU ˆENCIAS SOCIAIS DO AJUSTE NEOLIBERAL NA AM ´ERICA LATINA FORAM POR N ´OS DENOMINADAS DE- SAJUSTE SOCIAL, NA MEDIDA EM QUE TAL AJUSTE N ˜AO APENAS AGRAVOU AS CONDIC¸ ˜OES SOCIAIS PREEXISTENTES DE DESIGUALDADE ESTRUTURAL EM NOSSO CONTINENTE COMO TAMB ´EM PROVOCOU O SURGIMENTO DE “NOVAS” CONDIC¸ ˜OES DE EXCLUS ˜AO SOCIAL E GENERALIZAC¸ ˜AO DA PRECARIEDADE E DA INSEGURANC¸ A EM VASTOS SETO- RES SOCIAIS ANTES “INCLU´IDOS”, A PARTIR DE SUA INSERC¸ ˜AO NO MERCADO DE TRABALHO E DOS MECANISMOS DE PROTEC¸ ˜AO SOCIAL CONSTRU´IDOS AO LONGO DE D ´ECADAS.” (SOARES, 2003, p. 11, 21-22) (grifado no original somente em it´alico). 96O sentido do termo pol´ıticas p´ublicas ileg´ıtimas se coaduna com a seguinte vis˜ao do jurista Celso Antonio Bandeira de Mello: “Em decorrˆencia deste preceito [CF/88, art. 170, VIII - busca do pleno emprego], n˜ao pode existir validamente pol´ıtica econˆomica que deprima as oportunidades de emprego. Portanto, n˜ao pode, validamente, ser desenvolvida pol´ıtica econˆomica que se oriente por uma linha geradora de retrac¸˜ao na oferta de empregos produtivos. Dentre as te´oricas alternativas econˆomicas `a disposic¸˜ao do Estado, esta ´e vedada. Todas as vias tˆem que ser percorridas sacrificando-se, se necess´ario, outros interesses, para evitar rumo que implique ofensa aos princ´ıpios do art. 170.

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E inconstitucional a eleic¸˜ao de um caminho econˆomico que atente diretamente contra o objetivo de realizar a Justic¸a Social ou que agrida qualquer dos incisos do art. 170. Assim, ´e inconstitucional a sucess˜ao de atos (que comp˜oem uma pol´ıtica) nos quais se assume, previamente, um resultado proibido pela Carta M´axima. Por chocante que seja a conclus˜ao, n˜ao h´a neg´a-la, ante a clareza da regra estampada no Diploma do pa´ıs. Por ser inconstitucional enveredar por caminho que leva, cientemente, `a retra¸c~ao na oferta de emprego, qualquer trabalhador provadamente vitimado por esta pol´ıtica pode propor a¸c~ao anulat´oria dos atos que diretamente concorrem para o resultado proibido.” (BANDEIRA DE MELLO, 2011a, p. 47-48) (grifado no original somente em it´alico).

97).

A principiologia adotada pela Constituic¸˜ao Federal de 1988 determina os parˆametros para

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