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para os defensores de um modelo procedimental, o papel dos tribunais ´e vigiar o processo democr´atico, assegurando que todos os interesses sejam devidamente representados na

esfera p´ublica ou, ainda, que o fluxo democr´atico e o poder comunicativo n˜ao sejam

limitados de modo arbitr´ario. Por sua vez, numa democracia constitucional substantiva, o

direito de manifestac¸˜ao se fundamenta no princ´ıpio que assegura a cada um dos membros

da comunidade a possibilidade de fazer parte, isto ´e, marcar alguma diferenc¸a, enquanto

sujeito que merece igual considerac¸˜ao e respeito, no processo pol´ıtico (CARVALHO,

2007, p. 238) (grifado no original),

se faz necess´ario considerar que na verificac¸˜ao da efetividade da supremacia da Constituic¸˜ao,

ou seja, o controle de constitucionalidade dos atos dos poderes p´ublicos, depende, tamb´em, da

distinc¸˜ao entre procedimentos interpretativos de bloqueio (hermenˆeutica tradicional, conforme

princ´ıpios de legalidade e estrita legalidade, como pec¸as fundantes da constitucionalidade volta-

das para o Estado de Direito concebido como Estado m´ınimo) e procedimentos interpretativos de

legitimac¸˜ao de aspirac¸˜oes sociais`a luz da Constituic¸˜ao (hermenˆeutica que conduz a interpretac¸˜ao

de que “certas aspirac¸˜oes se tornariam metas privilegiadas at´e mesmo acima ou para al´em de uma

conformidade constitucional estritamente formal”) (FERRAZ JR., 1989, p. 10-11), j´a que

a ideia, subjacente a esse procedimento interpretac¸˜ao de legitimac¸˜ao, de que constituic¸˜oes

instauram uma pretens˜ao de se verem atendidas expectativas de realizac¸˜ao e concrec¸˜ao

s´o pˆode ser atendida, juridicamente, na medida em que se introduziu na hermenˆeutica

constitucional uma considerac¸˜ao de ordem axiol´ogica. Ou seja, pressupondo-se que uma

Constituic¸˜ao apresente, no seu corpo normativo, um sistema de valores, a aplicac¸˜ao das

suas normas, por via interpretativa, se torna uma realizac¸˜ao de valores. Com isso, o

procedimento hermenˆeutico de captac¸˜ao do sentido do conte´udo das normas torna-se

compreens˜ao valorativa conforme procedimentos pr´oprios da an´alise e da ponderac¸˜ao

de valores. [...] Quando se op˜oem procedimentos interpretativos de bloqueio e procedi-

mentos de legitimac¸˜ao, o que entra em pauta ´e um problema de como captar o sentido

das constituic¸˜oes no momento em que, concebidas estas como sistemas de valores, a her-

menˆeutica se transforma num instrumento de realizac¸˜ao pol´ıtica, com base na qual a

legislac¸˜ao procurar´a concretizar princ´ıpios e programas implicitamente agasalhados pelo

texto constitucional. Ou seja, a quest˜ao hermenˆeutica deixa de ser um problema de cor-

reta subsunc¸˜ao do fato `a norma - com sua carga l´ogica, hist´orica, sistem´atica, teleol´ogica

e valorativa - para tornar-se um problema de conformac¸˜ao pol´ıtica dos fatos, isto ´e, de

sua transformac¸˜ao conforme um projeto ideol´ogico (FERRAZ JR., 1989, p. 11) (grifado

no original).

E, diante deste contexto, se considerando que

adoptando a compreens˜ao de que o processo de “aplicac¸˜ao judicial da constituic¸˜ao”

(constitutional adjudication) ´e interpretac¸˜ao, te´oricos como DWORKIN e FISS afir-

mam que o juiz pode proceder a escolhas racionais sobre quest˜oes fortemente con-

trovertidas, identificando os “valores partilhados pela comunidade” atrav´es de um

processo de interpretac¸˜ao objectiva que “filtre” e descubra os valores da comuni-

dade. ISSO PRESSUP ˜OE UMA CONCEPC¸ ˜AO “POSITIVA” DE LIBERDADE COMO

CIDADANIAE UM CONCEITO “NOVO” DE REPRESENTAC¸ ˜AO: “WE THE PEO-

PLE ACTUALLY SPEACK”. O Tribunal Constitucional, entre n´os, ao exercer o seu

“direito judicial de controle” actua n˜ao como o representante do “Povo”, mas “em

representac¸˜ao” do “Povo”, “no sentido mais recto do termo”, o seu comiss´ario para

“prevenir o abuso em seu nome” da “pol´ıtica ordin´aria” (normal politics), “contr´aria

`a vontade constitucionalizada da maioria”. A quest˜ao que sempre subsistir´a ser´a a de

resolver o problema constitucional do “poder normativo-constitutivamente decis´orio” que

se reconhece, em geral, `a func¸˜ao judicial. Trata-se, no essencial, de indagar se para al´em

desse “poder normativo-constitutivamente decis´orio” existem no ordenamento jur´ıdico-

constitucional regras pr´oprias de interpretac¸˜ao constitucional que possam ser justapostas

`as regras “cl´assicas” de interpretac¸˜ao jur´ıdica. A express˜ao, utilizada no texto, “tribu-

nais de justic¸a constitucional” ´e disso exemplo marcante. Todos e quaisquer tribunais

s˜ao “´org˜aos de justic¸a constitucional”, o que representa, na tradic¸˜ao jur´ıdica oci-

dental, uma extraordin´aria “conquista evolutiva”. Nesta ordem de considerac¸˜oes,

a teoria da interpretac¸˜ao constitucional apresenta-se como uma doutrina simulta-

neamente normativa e pol´ıtica no duplo sentido em que inclui necessariamente uma

teoria pol´ıtico-p ´ublica de “justic¸a” e uma concepc¸˜ao do “justo”, do certo e do errado,

em suma, de “ser profissional” no sentido em que ESSER e MACINTYRE, partindo de

perspectivas distintas e por vezes contradit´orais, querendo ou n˜ao, imortalizaram (QUEI-

ROZ, 2000, p. 20-21) (grifado no original somente em it´alico),

´e ineg´avel que as normas constitucionais de direitos sociais, ainda que possam ser consideradas

program´aticas, se constituem como diretriz ´etica-pol´ıtica-jur´ıdica para uma atuac¸˜ao estatal com

efic´acia social, ou seja, “devem servir, sim, de paradigma legitimador da atuac¸˜ao administrativa e

legislativa” (SILVA NETO, 2010, p. 83) e, portanto, como normas program´aticas que determinam

os parˆametros para a consecuc¸˜ao da Justic¸a Social, permitem ao cidad˜ao, atrav´es das instˆancias da

Justic¸a Constitucional126, pugnar, n˜ao s´o, por uma atuac¸˜ao negativa do Estado (Poder Legislativo),

ou seja, evitar a edic¸˜ao de legislac¸˜ao contr´aria aos fins definidos por tais normas, mas, tamb´em,

por uma atuac¸˜ao positiva do Estado (Poder Executivo), pois, como direitos p´ublicos de prestac¸˜ao,

est˜ao relacionados ao gozo de uma prestac¸˜ao estatal positiva (PIMENTA, 1999, p. 169-176), uma

vez que

126“Por tudo isto, ´e irrecus´avel o direito dos cidad˜aos de postular jurisdicionalmente os direitos que decorrem das normas constitucionais re- guladoras da Justic¸a Social, captando de suas disposic¸˜oes, conforme o caso, a) ou a garantia do exerc´ıcio de poderes - como, por exemplo, os relativos ao “direito” de greve; ou b) a satisfac¸˜ao de uma utilidade concreta a ser satisfeita pela prestac¸˜ao de outrem - como o sal´ario m´ınimo ou o sal´ario-fam´ılia, exempli gratia; ou c) a vedac¸˜ao de comportamentos discrepantes dos vetores constitucionais - como a anulac¸˜ao de atos agressivos `a func¸˜ao social da propriedade ou `a expans˜ao das oportunidades de emprego.” (BANDEIRA DE MELLO, 2011a, p. 52-53).

´e ´obvio, `a medida em que se alarga a legitimidade dos ´org˜aos ou pessoas credenciadas

`a interpretac¸˜ao da constituic¸˜ao, que a efic´acia do preceito constitucional ser´a impe-

lida para um n´ıvel alt´ıssimo de possibilidade de realizac¸˜ao. [...] Porquanto, quando

o constituinte origin´ario enuncia os Princ´ıpios Fundamentais da Rep´ublica Federativa do

Brasil (arts. 1

o

/4

o

, CF), menciona que constituem seus objetivos fundamentais, dentre

outros, “erradicar a pobreza e a marginalizac¸˜ao e reduzir as desigualdades sociais e re-

gionais” (art. 3

o

, III). Tal comando, assim como os demais princ´ıpios fundamentais,

muito embora sejam a “chave de entrada” para a interpretac¸˜ao da Constituic¸˜ao, soam

como algo distante ao aplicador do direito, j´a que, conquanto os vencimentos conferidos

n˜ao correspondam ao grave cometido ao juiz, ´e certo que n˜ao vivencia, em sua reali-

dade, pobreza ou marginalizac¸˜ao. Diversamente, alargando-se o c´ırculo de int´erpretes

da Constituic¸˜ao, atribu´ıdo o encargo de interpretar o art. 3

o

, III, da Constituic¸˜ao

aos cidad˜aos comuns, `aqueles que convivem com a terrivelmente concreta reali-

dade social, `aqueles que, massificados, se vˆeem, aqui e ali, premidos pela leviana

ameac¸a do desemprego, OBSERVAREMOS, NUM ´ATIMO, QUE N ˜AO APENAS

A NORMA INDIGITADA MAS TAMB ´EM TODA A CONSTITUIC¸ ˜AO SER ´A IN-

TERPRETADA DE SORTE A SE OBTER A DECANTADA ERRADICAC¸ ˜AO DA

POBREZA E DA MARGINALIZAC¸ ˜AO, e a esta situac¸˜ao n˜ao se chegar´a por forc¸a

de eleito o postulado da m´axima efetividade, mas sim em raz˜ao de o int´erprete, no

seu plano existencial, estar sendo afligido pela falta de condic¸˜oes m´ınimas materiais

de existˆencia (SILVA NETO, 1999, p. 30, 31) (grifos nossos),

e, por conseguinte,

do exposto decorre o moderno conte´udo semˆantico de legitimidade do poder pol´ıtico,

qual seja o daquele que se exerce com a participac¸˜ao pol´ıtica dos cidad˜aos; que est´a

condicionado ao respeito dos direitos fundamentais e ao reconhecimento do pluralismo

de iniciativas e alternativas sociais, representando, simultaneamente, uma f´ormula de

racionalizac¸˜ao do processo pol´ıticoe uma forma de limitac¸˜ao do poder estatal (BRITO,

1993, p. 26) (grifado no original).

Assim, se compreende que a Jurisdic¸˜ao Constitucional passa a ter a func¸˜ao social127

de pos-

sibilitar a concretizac¸˜ao dos ditames da Justic¸a128- da Justic¸a Distributiva129

e da Justic¸a Social

127“Func¸˜ao ´e a qualidade e a atribuic¸˜ao que o ser, coisa, objeto ou bem, tem de atender ou desempenhar uma finalidade previamente estabelecida por suas concepc¸˜oes, buscando atender a um objetivo ou a uma finalidade contida na estrutura dogm´atica de si mesma. No plano jur´ıdico, func¸˜ao social ´e a qualidade e a atribuic¸˜ao dos seres, das coisas, dos objetos, dos bens, institutos e instituic¸˜oes, organismos e organizac¸˜oes aos quais a norma jur´ıdica atribui uma miss˜ao de ser e representar para algu´em que delas ´e titular e para aqueles que est˜ao ao seu redor e que participam direta ou indiretamente de seus efeitos. [...] Deve-se ter presente que func¸˜ao e func¸˜ao social apresentem a noc¸˜ao de bem comum, porquanto o bem comum ´e o desejo dos personagens que vivem em sociedade, e o ordenamento jur´ıdico contemporˆaneo est´a concebido para atingir certas finalidades sociais. E essa finalidades sociais desembocam no bem comum, na socialidade, na eticidade e na solidariedade, elementos contemporˆaneos da ciˆencia do direito. A concepc¸˜ao de que a func¸˜ao social do direito deve atender, cumprir e desempenhar a ordenac¸˜ao constitucional, considerando os fins e objetivos perseguidos pela ordem jur´ıdica, jamais pode ser havida como limitac¸˜ao aos direitos subjetivos ou ao cat´alogo de direitos fundamentais e sociais concebidos pelo Estado de direito, pois isso seria torn´a-los invi´aveis, j´a que, em sua origem, a func¸˜ao social do direito preserva os direitos do cidad˜ao, da empresa, do empres´ario e do ente jur´ıdico e tamb´em do pol´ıtico, operacionaliza-os, dinamizando-os para torn´a-los efetivos em todas as dimens˜oes da dignidade da pessoa humana e da realizac¸˜ao das pol´ıticas empreendidas pela norma jur´ıdica.” (CARVALHO, 2011, p.108, 109-110) (grifos nossos).

128CF/88, Art. 170. “A ordem econˆomica, fundada na valorizac¸˜ao do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existˆencia digna,conforme os ditames da justic¸a social, observados os seguintes princ´ıpios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - func¸˜ao social da propriedade; IV - livre concorrˆencia; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e servic¸os e de seus processos de elaborac¸˜ao e prestac¸˜ao; VII - reduc¸˜ao das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constitu´ıdas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administrac¸˜ao no Pa´ıs. Par´agrafo ´unico. ´E assegurado a todos o livre exerc´ıcio de qualquer atividade econˆomica, indepen- dentemente de autorizac¸˜ao de ´org˜aos p´ublicos, salvo nos casos previstos em lei”. (grifos nossos). Neste contexto, a compreens˜ao do que seja os ditames da Justic¸adepende da concepc¸˜ao filos´ofica adotada pelo int´erprete do direito: “el humanismo laico habla de aquellos derechos con cuya violaci´on se frustra la pretensi´on de libertad del hombre; el humanismo cristiano de aquellos otros con cuya violaci´on se frustra su aspiraci´on a la justicia. De la opresi´on a la libertad, a trav´es de los derechos, en el primer caso; de la injusticia a la justicia, a trav´es de los derechos, en el segundo. Ambas concepciones pueden hablar en nombre de la dignidad del hombre, pero mientras para la primera la naturaleza digna consiste en la libertad, para la segunda consiste en la justicia.” (ZAGREBELSKY, 2011, p. 76).

129No contexto jur´ıdico de civil law de influˆencia romana, a gˆenese da teoria da Justic¸a remonta a doutrina de que “Arist´oteles parte da constatac¸˜ao de que o voc´abulo justo (dikai´on) guardava, na linguagem corrente `a ´epoca em que viveu, uma duplicidade de sentido, nem sempre notada pelos

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