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desta maneira, a dignidade da pessoa humana 142 constitui o conte´udo valorativo da mais

construc¸˜ao do chamado jusnaturalismo (as leis positivas, em todos os pa´ıses, tˆem a sua validade fundada no direito natural, sempre igual a si mesmo); de outro lado, o antinaturalismo ou voluntarismo de Hobbes, Locke e Rousseau, segundo o qual a sociedade pol´ıtica funda-se na necessidade de protec¸˜ao do homem contra os riscos de uma vida segundo o “estado da natureza”, onde prevalece a inseguranc¸a m´axima. Esse antinaturalismo ´e a matriz do positivismo jur´ıdico, que se tornou concepc¸˜ao predominante a partir do s´ec. XIX.” (COMPARATO, 2010a, p. 17, 18). E, ainda, neste sentido, compartilhando da vis˜ao sobre a origem do humanismo ocidental como resultado da junc¸˜ao de elementos das concepc¸˜oes filos´oficas grega e crist˜a: HAARSCHER, 1997, p. 57-122.

141Neste sentido, esclarecendo a preeminˆencia do valor dignidade da pessoa humana, como legado da concepc¸˜ao crist˜a do humanismo ocidental, para a construc¸˜ao da dogm´atica pol´ıtica-jur´ıdica dos direitos humanos: “Pero tampoco la otra versi´on del iusnaturalismo, la cristiano-cat´olica, que en la segunda posguerra conoci´o un nuevo renacimiento, pod´ıa aspirar a una aut´entica afirmaci´on integral en sus t´erminos cl´asicos, es decir tomistas. Es verdad que, frente al arbitrio ´ınsito a todo artificio humano, su asunci´on de un orden dado del universo - en el que la posici´on del hombre viene prefijada por la creaci´on, acatada como verdadera y buena y, por tanto, obligatoria - ha dejado huellas importantes. Precisamente, las nociones de dignidad humana y persona humana - nociones que no pertenecen a la tradici´on del iusnaturalismo racionalista, sino a la del iusnaturalismo cristiano-cat´olico -, que se encuentran enunciadas en muchas constituciones y en varias declaraciones internacionales de derechos a modo de eje sobre el que gira toda la concepci´on actual del derecho y de los derechos, expresan un concepto objetivo derivado de una determinada visi´on del hombre y de su posici´on en el mundo. Las huellas de esta presencia, sin embargo, no traducen una victoria total. Tales nociones constituyen, si acaso, una contribuci´on particular en un proyecto pol´ıtico-constitucional m´as amplio.” (ZAGREBELSKY, 2011a, p. 67) (grifado no original somente em it´alico). E, em sentido oposto, enfatizando a vertente hist´orica do humanismo laico ocidental: “Uma das tendˆencias marcantes do pensamento moderno ´e a convicc¸˜ao generalizada de que o verdadeiro fundamento de validade - do direito em geral e dos direitos humanos em particular - j´a n˜ao deve ser procurado na esfera sobrenatural da revelac¸˜ao religiosa, nem tampouco numa abstrac¸˜ao metaf´ısica - a natureza - como essˆencia imut´avel de todos os entes no mundo. Se o direito ´e uma criac¸˜ao humana, o seu valor deriva, justamente, daquele que o criou. O que significa que esse fundamento n˜ao ´e outro, sen˜ao o pr´oprio homem, considerado em sua dignidade substancial de pessoa, diante da qual as especificac¸˜oes individuais e grupais s˜ao sempre secund´arias. Os grande textos normativos, posteriores `a 2aGuerra Mundial, consagram essa ideia. A Declarac¸˜ao Universal dos Direitos do Homem, aprovada

pela Assembleia Geral das Nac¸˜oes Unidas em 1948, abre-se com a afirmac¸˜ao de que “todos os seres humanos nascem livres e iguais, em dignidade e direitos” (art. 1o). [...] A nossa Constituic¸˜ao de 1988, por sua vez, p˜oe como um dos fundamentos da Rep´ublica “a dignidade da pessoa humana” (art. 1o- III). Na verdade, este deveria ser apresentado como o fundamento do Estado brasileiro e n˜ao apenas como um dos seus fundamentos.

[...] Mas em que consiste, ao certo, a dignidade humana? Para responder a essa pergunta ´e preciso tomar posic¸˜ao sobre a essˆencia do ser humano. A teoria fundamental dos direitos do homem funda-se, necessariamente, numa antropologia filos´ofica, ela pr´opria desenvolvida a partir da cr´ıtica aos conhecimentos cient´ıficos acumulados em torno de trˆes p´olos epistemol´ogicos fundamentais: o p´olo das formas simb´olicas, no campo das ciˆencias da cultura; o do sujeito, no campo das ciˆencias do indiv´ıduo e da ´etica; e o da natureza, no campo das ciˆencias biol´ogicas. A respeito da dignidade humana, o pensamento ocidental ´e herdeiro de duas tradic¸˜oes parcialmente antagˆonicas: a judaica e a grega.” (COMPARATO, 2010a, p. 19, 20, 21) (grifado no original somente em it´alico). E, ainda, neste sentido, compartilhando desta vis˜ao sobre a origem e a preeminˆencia do valor dignidade humana como fundamento para a atuac¸˜ao estatal em prol da concretizac¸˜ao do acesso dos indiv´ıduos aos direitos humanos: COMPARATO, 2006, p. 478-483; MACHADO, 2013, p. 29-38; NUNES, 2002, p. 45-57; REALE, 2005, p. 99-111; SARLET, 2010, p. 31-86; SILVA, 2001, p. 109; SILVA NETO, 2008, p. 76-78; SILVA NETO, 2010, p. 273-276; SILVA NETO, 2011, p. 254-256; SOARES, 2010, p. 121-147; ZENNI, ANDREATTA FILHO, 2011, p. 29-52.

142O significado do existir do ser humano como pessoa em sociedade pode ser compreendido atrav´es da seguinte contribuic¸˜ao do fil´osofo Immanuel Kant (1724-1804) sobre os fundamentos ´ultimos, necess´arios e universais: “Admitindo por´em que haja alguma coisa cuja existˆencia em si mesmatenha um valor absoluto e que, como fim em si mesmo, possa ser a base de leis determinadas, nessa coisa e s´o nela ´e que estar´a a base de um poss´ıvel imperativo categ´orico, quer dizer, de uma lei pr´atica. Ora, digo eu: - O homem, e, duma maneira geral, todo o ser racional, existe como fim em si mesmo, n˜ao s´o como meio para o uso arbitr´ario desta ou daquela vontade. Pelo contr´ario, em todas as suas ac¸˜oes, tanto nas que se dirigem a ele mesmo como nas que se dirigem a outros seres racionais, ele tem sempre de ser considerado simultaneamente como fim. Todos os objetos das inclinac¸˜oes tˆem somente um valor condicional, pois, se n˜ao existissem as inclinac¸˜oes e as necessidades que nelas se baseiam, o seu objeto seria sem valor. As pr´oprias inclinac¸˜oes, por´em, como fontes das necessidades, est˜ao t˜ao longe de ter um valor absoluto

alta hierarquia (CF/88, art. 1o

- III) no conjunto das normas constitucionais143

de natureza prin-

cipiol´ogica144

que visam estabelecer os parˆametros ´eticos-pol´ıticos-jur´ıdicos que permitem, no

ˆambito do Estado Democr´atico de Direito, a “convivˆencia democr´atica das ideologias145” (RE-

ALE, 2005, p. 99), mas, demonstrando, de forma enf´atica, “que a preocupac¸˜ao do legislador

constituinte foi mais de ordem material, ou seja, a de proporcionar `as pessoas condic¸˜oes para uma

vida digna, principalmente no que tange ao fator econˆomico” (BASTOS, 2010, p. 227), uma vez

que

n˜ao basta, por´em, a liberdade formalmente reconhecida, pois a dignidade da pessoa

humana, como fundamento do Estado Democr´atico de Direito, reclama condic¸˜oes

m´ınimas de existˆencia, existˆencia digna conforme os ditames da justic¸a social como

fim da ordem econˆomica. ´E DE LEMBRAR QUE CONSTITUI UM DESRESPEITO `A

DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA UM SISTEMA DE PROFUNDAS DESIGUAL-

DADES, UMA ORDEM ECON ˆOMICA EM QUE INUMER ´AVEIS HOMENS E MU-

LHERES S ˜AO TORTURADOS PELA FOME, IN ´UMERAS CRIANC¸ AS VIVEM NA

INANIC¸ ˜AO, A PONTO DE MILHARES DELAS MORREREM EM TENRA IDADE.

“N˜ao ´e conceb´ıvel uma vida com dignidade entre a fome, a mis´eria e a incultura”,

pois a “liberdade humana com frequˆencia se debilita quando o homem cai na ex-

que as torne desej´aveis em si mesmas, que, muito pelo contr´ario, o desejo universal de todos os seres racionais deve ser o de se libertar totalmente delas. Portanto, o valor de todos os objetos que possamos adquirir pelas nossas ac¸˜oes ´e sempre condicional. Os seres cuja existˆencia depende, n˜ao em verdade da nossa vontade, mas da natureza, tˆem contudo, se s˜ao seres irracionais, apenas um valor relativo como meios e por isso se chamam coisas, ao passo que os seres racionais se chamam pessoas, porque a sua natureza os distingue j´a como fins em si mesmos, quer dizer, como algo que n˜ao pode ser empregado como simples meio e que, por conseguinte, limita nessa medida todo o arb´ıtrio (e ´e um objeto do respeito). [...] Se, pois, deve haver um princ´ıpio pr´atico supremo e um imperativo categ´orico no que respeita `a vontade humana, ent˜ao tem de ser tal que, da representac¸˜ao daquilo que ´e necessariamente um fim para toda a gente, porque ´e fim em si mesmo, fac¸a um princ´ıpio objetivo da vontade, que possa por conseguinte servir de lei pr´atica universal. O fundamento deste princ´ıpio ´e: A natureza racional existe como fim em si. ´E assim que o homem se representa necessariamente a sua pr´opria existˆencia; e, neste sentido, este princ´ıpio ´e um princ´ıpio subjetivo das ac¸˜oes humanas. Mas ´e tamb´em assim que qualquer outro ser racional se representa a sua existˆencia, em virtude exatamente do mesmo princ´ıpio racional que ´e v´alido tamb´em para mim; ´e portanto simultaneamente um princ´ıpio objetivo, do qual como princ´ıpio pr´atico supremo se tem de poder derivar todas as leis da vontade. O imperativo pr´atico ser´a pois o seguinte: Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como meio. [...] Seres racionais est˜ao pois todos submetidos a esta leique manda que cada um deles jamais se trate a si mesmo ou aos outros simplesmente como meios, mas sempre simultaneamente como fins em si. Daqui resulta por´em uma ligac¸˜ao sistem´atica de seres racionais por meio de leis objetivas comuns, i. e., um reino que, exatamente porque estas leis tˆem em vista a relac¸˜ao destes seres uns com os outros como fins e meios, se pode chamar um reino dos fins (que na verdade ´e apenas um ideal) (grifado no original somente em it´alico). [...] No reino dos fins tudo tem ou um prec¸o ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um prec¸o, pode-se pˆor em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa est´a acima de todo o prec¸o, e portanto n˜ao permite equivalente, ent˜ao tem ela dignidade. O que se relaciona com as inclinac¸˜oes e necessidades gerais do homem tem um prec¸o venal; aquilo que, mesmo sem pressupor uma necessidade, ´e conforme a um certo gosto, isto ´e, a uma satisfac¸˜ao no jogo livre e sem finalidade das nossas faculdades an´ımicas, tem um prec¸o de afeic¸˜ao ou de sentimento (Affektionspreis); aquilo por´em que constitui a condic¸˜ao s´o grac¸as `a qual qualquer coisa pode ser um fim em si mesma, n˜ao tem somente um valor relativo, isto ´e, um prec¸o, mas um valor ´ıntimo, isto ´e, dignidade”. (grifado no original em negrito e it´alico) (KANT, 1980, p. 134-135, 139, 140). Desta maneira, “correlacionados assim os conceitos, vˆe-se que a dignidade ´e atributo intr´ınseco, da essˆencia, da pessoa humana, ´unico ser que compreende um valor interno, superior a qualquer prec¸o, que n˜ao admite substituic¸˜ao equivalente. Assim a dignidade entranha-se e se confunde com a pr´opria natureza do ser humano.” (SILVA, 2002, p. 146) (grifado no original somente em it´alico). 143Neste sentido, e em face do exposto na nota anterior sobre o atributo dignidade: “portanto, a dignidade da pessoa humana n˜ao ´e uma criac¸˜ao constitucional, pois ela ´e um desses conceitos a priori, um dado preexistente a toda experiˆencia especulativa, tal como a pr´opria pessoa humana. A Constituic¸˜ao, reconhecendo a sua existˆencia e a sua eminˆencia, transforma-a num valor supremo da ordem jur´ıdica, quando a declara como um dos fundamentos da Rep´ublica Federativa do Brasil constitu´ıda em Estado Democr´atico de Direito.” (SILVA, 2002, p. 146) (grifado no original somente em it´alico).

144Sobre a posic¸˜ao hier´arquica do valor dignidade humana no sistema pol´ıtico-jur´ıdico s˜ao esclarecedoras as ponderac¸˜oes doutrin´arias do jurista F´abio Konder Comparato: “As qualidades pr´oprias dos princ´ıpios ´eticos nada mais s˜ao, na verdade, do que uma decorrˆencia l´ogica do fato de se fundarem, em ´ultima an´alise, na dignidade da pessoa humana, reconhecida como paradigma supremo de toda a vida social. [...] O respeito `a dignidade da pessoa humana deve abrangˆe-la em todas as suas dimens˜oes: em cada indiv´ıduo, com a sua caracter´ıstica irredut´ıvel de unicidade; em cada grupo social; no interior dos povos politicamente organizados; em cada povo ou nac¸˜ao independente, nas relac¸˜oes internacionais; na reuni˜ao de todos os povos do mundo numa unidade pol´ıtica suprema em construc¸˜ao. ´E igualmente em todas as dimens˜oes da pessoa humana que atuam os princ´ıpios cardeais da verdade, da justic¸a e do amor. Estes, por sua vez, desdobram-se e especificam-se nos princ´ıpios de liberdade, igualdade, seguranc¸a e solidariedade.” (COMPARATO, 2006, p. 520, 521) (grifos nossos).

145Neste sentido, a vis˜ao do jurista Miguel Reale sobre o princ´ıpio informador do Estado no plano da positividade jur´ıdico-pol´ıtica: “A meu ver esse fundamento, tanto dos direitos humanos como das ideologias que se contendem o privil´egio de melhor garanti-los e desenvolvˆe-los, ´e representado pelo valor da pessoa humana, o qual, nos meus escritos filos´oficos, notadamente na esfera da ´Etica e da Filosofia do Direito, ´e qualificado como sendo o “valor-fonte”, ou seja, aquele do qual emergem todos os valores, os quais somente n˜ao perdem sua forc¸a imperativa e sua efic´acia enquanto n˜ao se desligam da raiz de que promanam. [...] Da´ı parecer-me imprescind´ıvel acrescentar que “o ser do homem ´e o seu dever ser”, tanto espiritual quanto corp´oreo, cumprindo dar realce ao pronome seu, uma vez que n˜ao se cuida de determinar o significado do ser humano de maneira abstrata, mas na sua concrec¸˜ao, como principal senhor de seu destino e titular dos direitos que lhe s˜ao inerentes enquanto pessoa.” (REALE, 2005, p. 100, 103) (grifado no original somente em it´alico).

trema necessidade”, a “igualdade e dignidade da pessoa exigem que se chegue a uma

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