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outra inovac¸˜ao de grande importˆancia introduzida pelo constitucionalismo humanista, rompendo com um dos parˆametros fundamentais do constitucionalismo liberal-burguˆes,

foi a afirmac¸˜ao e aceitac¸˜ao generalizada do papel positivo do Estado quanto `a igualdade

de direitos. Al´em de reafirmar o papel do Estado como garantidor do respeito aos di-

reitos, o novo constitucionalismo estabeleceu como obrigac¸˜ao jur´ıdica dos Estados, n˜ao

somente ´etica e pol´ıtica, promover os direitos, no sentido de atuar visando a criac¸˜ao de

condic¸˜oes reais para que todos possam gozar dos direitos fundamentais, que assim tˆem

efetividade para todos, deixando de ser privil´egio de um setor minorit´ario da sociedade,

dotado de poder de gozar dos direitos. Juntamente com essas ampliac¸˜oes da abrangˆencia

e da garantia de efetividade, o constitucionalismo humanista deu efic´acia jur´ıdica ime-

diata `as disposic¸˜oes constitucionais de declarac¸˜ao e garantia dos direitos fundamentais.

Muito mais do que normas declarat´orias ou program´aticas, essas normas constitucionais

passaram a ser aplicadas como normas jur´ıdicas, dotadas de plena efic´acia e, portanto, de

obediˆencia obrigat´oria para todos, inclusive para os Estados, os governantes e todos os in-

tegrantes do aparato pol´ıtico e administrativo, sem qualquer excec¸˜ao (DALLARI, 2010a,

p. 147).

A evoluc¸˜ao ´etica-pol´ıtica-jur´ıdica dos ordenamentos estatais, com a afirmac¸˜ao hist´orica e pro-

gressiva dos direitos humanos em direitos fundamentais, aconteceu em func¸˜ao de alguns antece-

dentes jur´ıdicos e pol´ıticos formais9que impulsionaram as mudanc¸as sociais necess´arias para pos-

sibilitar a existˆencia das declarac¸˜oes de direitos nas Constituic¸˜oes contemporˆaneas. Neste contexto,

as Declarac¸˜oes de Direitos foram os documentos que registraram o paulatino reconhecimento dos

direitos inerentes ao ser humano pelos Ordenamentos Jur´ıdicos ao longo da hist´oria da humani-

dade

10

e, portanto, se constituem num relato da incessante luta para a reconquista dos direitos

que se perderam quando a sociedade primitiva, que era formada por uma comunh˜ao democr´atica

de interesses, sem algum poder dominante, porque o ´unico poder existente era interno `a pr´opria

sociedade, sem subordinac¸˜ao nem opress˜ao social ou pol´ıtica, se dividira entre propriet´arios e n˜ao

propriet´arios, atrav´es do sistema de apropriac¸˜ao privada, em que aqueles que passam a deter a ti-

tularidade da propriedade (especialmente a territorial) imp˜oem seu dom´ınio e passam a subordinar

os demais indiv´ıduos que precisem se relacionar com a coisa que dantes comum fora apropriada

9Por exemplo: a Magna Charta Libertatum em 1215-1225; a Petition of Rights de 1628; o Habeas Corpus Amendment Act de 1679; o Bill of Rights de 1689; o Act of Settlement de 1707; a Declarac¸˜ao do Bom Povo da Virg´ınia de 1776; a Constituic¸˜ao Americana de 1787; a Declarac¸˜ao Francesa dos Direitos do Homem e do Cidad˜ao de 1789; a Declarac¸˜ao dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado de 1918; e a Declarac¸˜ao Universal dos Direitos do Homem de 1948. (CICCO, 2009, p. 154-177; COMPARATO, 2007, p. 1-69; CUNHA J ´UNIOR, 2011, p. 566-594; CUNHA J ´UNIOR, 2008, p. 171-202; DALLARI, 2010a, p. 45-148; SAMPAIO, 2010, p. 133-189; SILVA, 2001, p.153-175; SILVA NETO, 2010, p. 43-50).

10Neste sentido: “A doutrina ´e quase unˆanime acerca das caracter´ısticas b´asicas das declarac¸˜oes de direitos humanos, que expressam um sollen, ou um “dever-ser”, em sua tens˜ao com o poder. Desta forma, trazem as exigˆencias de potencialidades da pessoa humana e de grupos sociais, os quais reivindicam parcelas de fazer e de n˜ao fazer diante do poder estabelecido. S˜ao fenˆomenos hist´oricos que retratam lutas e conflitos seculares, visando adquirir - na medida em que reconhecida por escrito, atrav´es de declarac¸˜oes formais, sua condic¸˜ao de fontes de Direito Internacional P ´ublico - parcelas do poder dominante. [...] ´E preciso mencionar o papel exercido por um important´ıssimo ator social daquela fase hist´orica: a Igreja Cat´olica. Com o advento da modernidade, no s´eculo XIX, o papa Le˜ao XIII publicou em 1894 a enc´ıclica Rerum novarum, que inaugurou a doutrina social da Igreja. Ao longo do s´eculo XX, a Igreja Cat´olica - especialmente ap´os o Conc´ılio Vaticano II (1961-66) - passou a difundir a doutrina social e a trabalhar significativamente em favor da efetivac¸˜ao dos direitos humanos. Ainda recentemente, o papa Jo˜ao Paulo II realc¸ou o papel das Nac¸˜oes Unidas na protec¸˜ao desses direitos na enc´ıclica Redemptor hominis, evocando a mensagem b´ıblica de fraternidade universal, segundo a qual “o homem foi criado por Deus `a sua imagem e semelhanc¸a e todos os homens s˜ao irm˜aos porque tˆem Deus como pai.”” (SILVEIRA; ROCASOLANO, 2010, p. 108, 175-176) (grifado no original somente em it´alico). A doutrina social da Igreja, formulada a partir da enc´ıclica Rerum novarum, “retoma de S˜ao Tom´as de Aquino a tese do bem comum, da essˆencia na “vida humana digna”, bem como a doutrina cl´assica do direito natural, ao mesmo tempo em que sublinha a dignidade do trabalho e do trabalhador. Chega assim `a afirmac¸˜ao de direitos que exprimem as necessidades m´ınimas de uma vida consentˆanea com a dignidade do ser humano, criado `a imagem e semelhanc¸a de Deus. Da´ı o direito ao trabalho, `a subsistˆencia, `a educac¸˜ao etc. ” (FERREIRA FILHO, 2005, p. 45) (grifado no original).

11. E,

surge, assim, uma forma de poder externo `a sociedade, que, por necessitar impor-se e

fazer-se valer eficazmente, se torna pol´ıtico. E a´ı teve origem a escravid˜ao sistem´atica,

diretamente relacionada com a aquisic¸˜ao de bens. O Estado, ent˜ao, se forma como apa-

rato necess´ario para sustentar esse sistema de dominac¸˜ao. O homem, ent˜ao, al´em dos

empecilhos da natureza, viu-se diante de opress˜oes sociais e pol´ıticas, e sua hist´oria n˜ao ´e

sen˜ao a hist´oria das lutas para delas se libertar, e o vai conseguindo a duras penas (SILVA,

2001, p. 154),

culminando com a ideia contemporˆanea de direitos humanos, que consiste na proclamac¸˜ao

nas Constituic¸˜oes contemporˆaneas12

de um conjunto indissoci´avel e interdependente, e cada vez

mais extenso, de direitos individuais e coletivos, civis, pol´ıticos, econˆomicos, sociais e culturais

que determinam uma concepc¸˜ao da legitimac¸˜ao do poder estatal13

em func¸˜ao do ordenamento

pol´ıtico-jur´ıdico reconhecer e garantir aos indiv´ıduos o acesso aos meios necess´arios para o fim de

possibilitar a concretizac¸˜ao do pleno desenvolvimento da personalidade humana e com a garantia

da intangibilidade da dignidade da pessoa humana14.

3.1.1

O surgimento do Constitucionalismo Social e Humanista

Para que o indiv´ıduo possa ter, efetivamente, acesso substancial ao exerc´ıcio pleno dos direitos

humanos que garantem a concretizac¸˜ao de uma existˆencia digna da vida humana15, ´e preciso que

11Neste sentido: CH ˆATELET, 1997, p. 13-84; DALLARI, 2010, p. 9-73; DALLARI, 2007, p. 43-60; SILVA, 2001, p. 153-154.

12“Uma importante inovac¸˜ao na evoluc¸˜ao do Constitucionalismo foi o aparecimento de normas constitucionais escritas, convivendo com outras costumeiras, at´e que no s´eculo XVIII surgiram as Constituic¸˜oes inteiramente escritas, como leis fundamentais. [...] No caso estadunidense a Constituic¸˜ao, elaborada em 1787, substituiu o tratado que, ap´os a Declarac¸˜ao de Independˆencia, em 1776, havia estabelecido a uni˜ao das antigas colˆonias numa confederac¸˜ao. Com a Constituic¸˜ao foi criado um novo Estado, numa organizac¸˜ao federativa declarada indissol´uvel. A Constituic¸˜ao era a garantia da preservac¸˜ao da unidade, e isso lhe dava um significado pol´ıtico e uma importˆancia extraordin´arios, que ela n˜ao teve na Franc¸a, onde jamais foi usada como fator de integrac¸˜ao pol´ıtica e a unificac¸˜ao do direito foi estabelecida por meio do direito privado. [...] Os objetivos que levaram os franceses `a adoc¸˜ao da Constituic¸˜ao escrita foram proclamados numa Declarac¸˜ao de Direitos, aprovada em 1789 pela mesma Assembleia que em 1791 aprovaria a primeira Constituic¸˜ao escrita da Franc¸a. [...] No artigo 2oda Declarac¸˜ao proclama-se que o fim de toda associac¸˜ao pol´ıtica

´e a conservac¸˜ao dos direitos naturais e imprescrit´ıveis do homem, que s˜ao a liberdade, a propriedade, a seguranc¸a e a resistˆencia `a opress˜ao. ´E importante notar, porque isso ´e bem significativo e revelador, que no ´ultimo artigo da Declarac¸˜ao reitera-se a menc¸˜ao `a propriedade, afirmando-se que ela ´e “um direito inviol´avel e sagrado”. A´ı est´a, claramente revelado, o patrimonialismo individualista, que seria determinante para que, pouco depois, a Constituic¸˜ao fosse concebida como o c´odigo das relac¸˜oes p´ublicas, destinado apenas a definir a organizac¸˜ao pol´ıtica. A par disso, ´e interessante assinalar que na Declarac¸˜ao se fala em “conservac¸˜ao dos direitos”, ali enumerados, sem nenhuma preocupac¸˜ao com sua efetivac¸˜ao, quando, para muitos, o gozo daqueles direitos estava fora de qualquer possibilidade.” (DALLARI, 2010a, p.173, 119-120, 125, 126). E, em seguida, tamb´em, “as primeiras Constituic¸˜oes apareceram no s´eculo XIX, na Europa: a siciliana (1812), a espanhola de C´adiz (1812), a francesa (1814), a portuguesa (1822) e a da Sardenha (1848).” (SILVEIRA; ROCASOLANO, 2010, p. 148).

13Em relac¸˜ao a quest˜ao da filosofia dos direitos do homem no contexto das concepc¸˜oes das func¸˜oes do poder pol´ıtico a serem desempenhadas pelo Estado numa sociedade: “Os direitos do homem podem definir-se como uma certa concepc¸˜ao da legitimac¸˜ao do poder: um poder ser´a dito leg´ıtimo, uma autoridade ter´a pretens˜oes de ser obedecida se, e unicamente se, ele ou ela respeitarem os direitos do homem. [...] Os direitos do homem est˜ao ligados a uma filosofia individualista: o poder, n˜ao o esquec¸amos, ser´a dito leg´ıtimo se respeitar um certo n´umero de prerrogativas concedidas ao indiv´ıduo como tal. Noutros termos, o indiv´ıduo, com os seus direitos, constitui o fim da associac¸˜ao pol´ıtica, o que religa a concepc¸˜ao dos direitos do homem `a ideia de um poder fundamentado no contrato social. [...] Os direitos e obrigac¸˜oes cruzados dos governantes e governados constituem a especificidade, a originalidade irredut´ıvel da filosofia contratualista do poder. Supondo que uma das partes n˜ao cumpre as suas obrigac¸˜oes, a outra parte fica ipso facto desligada das suas (mesmo que esta liberac¸˜ao deva ela mesma ser regulada - problema imenso, como se ver´a). Se os governantes agem de maneira tirˆanica (desp´otica), se excedem ou desviam os poderes que lhes foram conferidos pela convenc¸˜ao inicial, se exigem uma obediˆencia a ordens arbitr´arias, os governados ser˜ao desligados do seu dever de submiss˜ao: ficar˜ao ipso facto numa situac¸˜ao de resistˆencia `a opress˜ao, o poder j´a n˜ao ´e exercido de acordo com as cl´ausulas contratuais originais. Ora, n´os sabemos que s´o o contrato e o seu respeito d˜ao legitimidade ao poder: uma vez que n˜ao existe autoridade natural e que todo o poder ´e de origem contratual, um Estado que n˜ao respeite as cl´ausulas da convenc¸˜ao inicial perde toda a justificac¸˜ao.” (HAARSCHER, 1997, p. 15, 16, 23, 24) (grifado no original somente em it´alico).

14Neste sentido: CICCO, 2009, p. 154-177; CUNHA J ´UNIOR, 2011, p. 566-594; CUNHA J ´UNIOR, 2008, p. 171-202; DALLARI, 2010a, p. 45-148; SAMPAIO, 2010, p. 133-189; SILVA, 2001, p.153-175; SILVA NETO, 2010, p. 43-50.

15“Foi no final do s´eculo XVIII e principalmente no decorrer do s´eculo XIX que todos os pa´ıses democr´aticos passaram a contemplar os direitos individuais, nos moldes alicerc¸ados pelo liberalismo, com foco na luta do homem por sua liberdade individual e pela limitac¸˜ao ao poder do Estado. ´E no princ´ıpio da dignidade humana que a ordem jur´ıdica encontra o pr´oprio sentido, sendo essa dignidade, para a hermenˆeutica constitucional contemporˆanea, ponto de partida e ponto de chegada. Ela se consagra, assim, como verdadeiro superprinc´ıpio a orientar

haja a efic´acia jur´ıdica e f´atica de cada uma das gerac¸˜oes dos direitos no ˆambito dos Ordenamentos

Jur´ıdicos dos Estados no atual mundo globalizado16, atrav´es de

uma atuac¸˜ao efetiva do Estado para a materializac¸˜ao real daqueles direitos, com o for-

necimento dos meios necess´arios a uma existˆencia digna (CUNHA J ´UNIOR, 2011, p.

610),

pois, a sucess˜ao das gerac¸˜oes de direitos n˜ao faz desaparecer os direitos que j´a tinham sido

reconhecidos e recepcionados pelos Ordenamentos Jur´ıdicos no decorrer de cada uma das gerac¸˜oes

anteriores17, mas os direitos continuam v´alidos mesmo com a influˆencia das novas concepc¸˜oes

sociais e jur´ıdicas que prevalecem em momentos posteriores18. Desta maneira, a concretizac¸˜ao

do acesso a todas as gerac¸˜oes de direitos, para todos os indiv´ıduos, ´e essencial para consecuc¸˜ao de

um Ordenamento Jur´ıdico que realize a Justic¸a Social19, pois

uma coisa ´e proclamar esse direito, outra ´e desfrut´a-lo efetivamente. A linguagem dos

direitos tem indubitavelmente uma grande func¸˜ao pr´atica, que ´e emprestar uma forc¸a

particular `as reivindicac¸˜oes dos movimentos que demandam para si e para os outros a

satisfac¸˜ao de novos carecimentos materiais e morais; mas ela se torna enganadora se

obscurecer ou ocultar a diferenc¸a entre o direito reivindicado e o direito reconhecido e

protegido. N˜ao se poderia explicar a contradic¸˜ao entre a literatura que faz a apologia da

era dos direitos e aquela que denuncia a massa dos “sem direitos”. Mas os direitos de

que fala a primeira s˜ao somente os proclamados nas instituic¸˜oes internacionais e nos con-

gressos, enquanto os direitos de que fala a segunda s˜ao aqueles que a esmagadora maioria

da humanidade n˜ao possui de fato (ainda que sejam solene e repetidamente proclamados)

(BOBBIO, 1992, p. 10).

tanto o direito internacional como o interno. [...] Com efeito, no final do s´eculo XVIII e durante o s´eculo XIX, os direitos humanos j´a concretizados passaram por um franco processo de ampliac¸˜ao, em raz˜ao de press˜oes sociais e dos movimentos socialistas, que reivindicavam novos direitos, alheios ao liberalismo. Um novo conjunto de direitos - composto pelos direitos de igualdade ou econˆomicos, sociais e culturais - surgiu para atender a necessidades eminentemente coletivas. [...] Observe-se que se exige n˜ao apenas a igualdade formal, como nos direitos de liberdade (primeira gerac¸˜ao/dimens˜ao), mas material, fazendo com que estes direitos sejam tamb´em conhecidos como direitos da igualdade ou prestacionais, na medida em que exigem dos Estados uma postura positiva, de fazer, frente aos indiv´ıduos como parte de uma coletividade.” (SILVEIRA; ROCASOLANO, 2010, p. 149, 150, 151) (grifos nossos).

16O jurista Antonio Enrique P´erez Lu˜no, ao analisar o tema das mudanc¸as geracionais dos direitos fundamentais, enfoca os efeitos do reconhe- cimento estatal do cat´alogo de direitos fundamentais no contexto do Mundo Globalizado: “Dentre as transformac¸˜oes mais diretamente implicadas nesta transformac¸˜ao do Estado de Direito at´e sua forma constitucional, assume car´ater relevante o papel dos direitos e garantias fundamentais que operam em seu centro. Um dos trac¸os informadores dos Estados constitucionais de Direito no presente ´e o fenˆomeno da “supraestatalidade normativa”. Tal fenˆomeno sup˜oe a adoc¸˜ao de valores, princ´ıpios ou regras jur´ıdicas comuns no ˆambito de ordenamentos diferentes, por efeito de certos atos de aceitac¸˜ao da estrutura normativa de determinadas organizac¸˜oes internacionais ou supranacionais, ou melhor, o reconhecimento impl´ıcito de valores ou normas jur´ıdicas fora da ´area em que inicialmente foram promulgadas, a partir de sua vocac¸˜ao ou virtualidade global. Os valores pr´oprios do Estado constitucional possuem, portanto, uma inequ´ıvoca vocac¸˜ao universalista e cosmopolita.” (P ´EREZ LU ˜NO, 2012, p. 11) (grifos nossos).

17“Aludir a um sistema constitucional dos direitos fundamentais sugere, de imediato, a quest˜ao da interdependˆencia ou m´utua implicac¸˜ao existente entre tais direitos; j´a que a unidade de sentido n˜ao aparece como uma qualidade das singulares formulac¸˜oes normati- vas de cada um dos direitos fundamentais, mas como uma caracter´ıstica de todos eles enquanto conjunto. [...] O processo de sistematizac¸˜ao dos materiais normativos ´e um fenˆomeno paralelo ao da formac¸˜ao do Estado moderno, que foi adquirindo progressiva importˆancia na medida em que foi crescendo o n´umero e complexidade das regras integrantes do direito positivo estatal. Da´ı que, precisamente, a sistematicidade seja um dos trac¸os definidores dos ordenamentos jur´ıdicos mais evolu´ıdos, no que opera como uma garantia de seguranc¸a jur´ıdica. Com efeito, a sistematicidade permite um conhecimento, interpretac¸˜ao e, por conseguinte, aplicac¸˜ao do direito, fundada em crit´erios precisos e rigorosos, melhor que o arb´ıtrio ou acaso. Esta ideia de ordem e regularidade, que irradia do conjunto normativo para projetar-se em suas partes integrantes, ´e a que permite conceber os direitos e liberdades constitucionais como um sistema e, deste modo, abordar seu processo hermenˆeutico como busca pela unidade de sentido sistem´atico, das normas singulares formuladoras de cada direito fundamental.” (P ´EREZ LU ˜NO, 2012, p. 18) (grifos nossos).

18Neste sentido: DIMOULIS, 2008, p.24-36; MENDES, 2008, p. 234; RAMOS, 2005, p. 81-92.

19“Em resumo, os direitos do homem dirigem-se, se assim se pode dizer, ao indiv´ıduo independentemente dos seus enraizamentos particulares, ou seja para l´a das regras positivas da coletividade particular a que lhe coube pertencer: outra maneira de dizer que o direito natural prevalece sobre o direito positivo, mas diminuindo o ˆangulo de abordagem, uma vez que todo o indiv´ıduo como tal (individualismo-universalismo) deve poder apelar de uma decis˜ao (ou de uma regra imposta) que lese os seus direitos fundamentais, direitos que a raz˜ao enuncia (racionalismo). Este primado da raz˜ao, do indiv´ıduo e da universalidade sobre a vontade, ditando a coletividade particular normas positivas, parece essencial na problem´atica dos direitos do homem tal como ela se desenvolve hoje em direito internacional: ele implica a rejeic¸˜ao do princ´ıpio de n˜ao-intervenc¸˜ao nos assuntos de um Estado que invoque a sua soberania. Liga-se a um cosmopolismo que deve sobrepor-se a toda a autoridade positiva (toda a polis particular) e a um humanismo (os direitos s˜ao os de todo o homem, como tal).” (HAARSCHER, 1997, p. 27) (grifado no original).

A hist´oria da humanidade, com a sucess˜ao das gerac¸˜oes de direitos, demonstra que os direitos

do homememergiram com uma finalidade formal de propiciar a luta contra o arb´ıtrio no ˆambito de

um Estado de Direito, no qual o poder estatal deveria atuar de acordo com regras do jogo pol´ıtico,

previamente decretadas e publicadas, mas sem qualquer referˆencia ou restric¸˜ao ao cont´eudo destas

normas a serem editadas pelo Estado. Entretanto, isto n˜ao foi suficiente para evitar a inserc¸˜ao

de regras carregadas de compromissos fundados nos preconceitos e nos interesses particulares de

determinados grupos minorit´arios em manter sua posic¸˜ao de privil´egios e de dominac¸˜ao em relac¸˜ao

a maioria, e, diante disto, se tornou condic¸˜ao necess´aria para a existˆencia dos direitos do homem

a exigˆencia da determinac¸˜ao de uma finalidade substancial do reconhecimento estatal dos direitos

do homem, ou seja, os direitos do homem passaram, tamb´em, a determinar o cont´eudo das regras

do jogo pol´ıticopara vincular a atuac¸˜ao do poder pol´ıtico estatal (HAARSCHER, 1997, p. 29-55),

pois

n˜ao se pode pˆor o problema dos direitos do homem abstraindo-o dos dois grandes proble-

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