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34 A CULTURA GREGA E AS ORIGENS DO PENSAMENTO

i O Homem na Concepção de Homero

34 A CULTURA GREGA E AS ORIGENS DO PENSAMENTO

foi conscientem ente posto de lado12 A ssistim os à última fase dessá| evolução na ¡liada, onde as representações da Moira e do Demônio*! ganham realce maior que na Odisséia. São numerosos em Homero osj vestígios de uma fé primitiva. Vários dos sonoros epítetos, ostentados! pelos nomes dos deuses em Homero, certamente serviram, já em tenni pos anteriores, para a evocação m ágica do nume; vários deles desig-í naram o deus numa função especial, o que não mais condiz com sua; essência purificada, com o, por exem plo, o “longínquo e dardejante^ A p olo”, “Zeus reunidor de nim bos”; outros mais existem que tam­ bém recordam a primitiva forma animalesca do deus: “Atena dos olhos ' de coruja”, “Hera dos olhos bovinos” Mas entre esses epítetos, qué nos habituamos a considerar com o tipicamente homéricos, surge algo, : por vezes, que, na verdade, é ainda mais homérico, com o quando A polo e Atena, por exem plo, são chamados sim plesm ente de “os deu-, ses belos e grandes” Predomina aqui um elevado sentimento de res­ peito e admiração; mas a antiga fé ainda não está de todo esquecida e a nova concepção homérica dos deuses é ainda jovem . Poder-se-á dis­ cutir se foram já os nobres da Tessália que elevaram Zeus, senhor do Olimpo tessálico, a rei dos imortais e pai dos deuses e dos homens, mas será im possível afirmar que o total desaparecimento de todas as formas clónicas, da veneração pela M ãe terra, por Gaia e Deméter - traço este essencial e característico da religião homérica - , tenha ocor­ rido só porque os grandes da Tessália quiseram deliberadamente If- bertar sua religião de toda e qualquer forma de grosseria. Isso terá; ocorrido sobretudo nas colônias da Á sia Menor, entre aqueles gregos que se haviam desligado do solo pátrio e de seus antigos centros de culto. A inteligibilidade e a clareza da fé homérica deverão ser, em: geral, atribuídas àqueles livres aristocratas das cidades da Á sia Moí nor, que, agora independentes, haviam-se afastado da Grécia e, dei­ xando após si as obscuras forças da terra, erigiam o seu celeste Zeus em senhor dos deuses e dos homens. Esses deuses não nasceram da culto nem surgiram das especulações dos sacerdotes, mas foram cria­ dos no canto, juntamente com os heróis aqueus. Estes últimos, po* rém, nasceram da lembrança do mundo heróico m icènico e da nostal­ gia pelos tempos que se foram e pela pátria abandonada (“Como são agora os hom ens...”, diz-se, suspirando de saudade, em Homero). Esse

12. Cf. Karl Deichgräber, Antike, 15,1939,118 e ss. A proposito da “naturalidade” dos deuses homéricos, ver Julius Stenzel, Platon der Erzieher, 14 e ss.

* A palavra “demònio” provém do grego daimónum e não tinha nenhuma conotação de “espírito mau” ou “caráter diabólico”, que passou a ser-lhe atribuída a partir do Velho Testamento. Seu sentido original era apenas o de “ser sobrenatural intermediário entre a divindade e o homem” e, por extensão, “divindade”, “poderio divino”. (N. do R.).

mundo distante não está, porém, irremediavelmente perdido com o a idade de ouro ou o paraíso, mas ainda é acessível à lembrança e con­ cebido com o historia de seu próprio passado. A ssim , o sentim ento com que se acolhem essas figuras não é de nostalgia ou de saudade por aquilo que não mais pode retornar, mas de admiração. E dessa nostalgia por algo que se perdeu nascem também os deuses do Olimpo: verdadeiros e reais, mas sublimados na distância.

Heródoto, ele próprio originário da terra dessa poesia, afirma que Homero e Hesíodo deram aos gregos os seus deuses. E, já que Homero também deu aos gregos uma língua literária acessível a to­ dos, cumpre-nos pensar que tenha sido Homero (tomando esse nome no sentido muito vago por ele assumido na pesquisa filologica) quem forjou o mundo espiritual dos gregos, sua fé e seu pensamento. Esses deuses homéricos nos são familiares demais para que possamos avaliar quão ousado tenha sido criá-los. M esm o que essas figuras olím picas nunca tenham reinado sozinhas, m esm o que, especialm ente em terra firme, se conservassem ou até se introduzissem novas divindades ctônicas, místicas e extáticas, ainda assim a arte, e poesia e todos os mais altos interesses espirituais foram determ inados pela religião homérica. Quando, pouco depois da criação da Riada e da Odisséia, as artes plásticas gregas tendem a representar os deuses com o gran­ des e belos13, e para essas imagens da divindade são construídas edi­ fícios que não estão destinados a um culto determinado ou a um de­ terminado m istério, mas só querem servir com o uma bela morada para a bela imagem do deus, nada mais fazem os artistas do que cons­ truir em pedra o que o poeta expressou com a palavra. E durante três séculos, a arte grega não se cansou de representar esses deuses cada vez mais belos e mais dignos de admiração14 M esm o quando, por exemplo, no princípio da tragédia ática, as forças tenebrosas recupe­ ram a importância e novamente se agita o obscuro sentido do horror, são sempre os deuses do Olimpo que continuam dando seu estilo e o tom à grande arte: e até m esm o Esquilo, mais de uma vez, toma a vitória dos deuses do Olimpo sobre os antigos dem ônios com o m até­ ria de suas criações poéticas, levando, assim, a ação de seus dramas a uma solução harmoniosa.

Ainda que na epopéia homérica caiba aos deuses enformar os acontecimentos, o interesse do poeta não está de m odo particular direcionado para a cena celeste, mas volta-se sobretudo para a ira de Aquiles e para as aventuras de Odisseu. Mas o destino dos heróis não

13. Sobre o significado desses dois conceitos para aestética grega, cf. W. J. Verdenius,

Mnemosyne, 3, 1949, 2, 294.

14. Que a influência de Homero se estenda até a Era Helenística é o que demonstra Rodenwald, “Abhandl. d. Preuss. Ak.”, 1943, n. 13.

34 A CULTURA GREGA E AS ORIGENS DO PENSAMENTO...

foi conscientem ente posto de lad o12 A ssistim os à última fase dessa| evolução na ¡liada, onde as representações da Moira e do Demônio*) ganham realce maior que na Odisséia. São numerosos em Homero vestígios de uma fé primitiva. Vários dos sonoros epítetos, ostentado^ pelos nomes dos deuses em Homero, certamente serviram, já em tem^ pos anteriores, para a evocação m ágica do nume; vários deles desig-? naram o deus numa função especial, o que não mais condiz com sua? essência purificada, com o, por exem plo, o “longínquo e dardejante^ A p olo”, “Zeus reunidor de nim bos”; outros mais existem que tam-4

bém recordam a primitiva forma animalesca do deus: “Atena dos olhos: de coruja”, “Hera dos olhos bovinos” Mas entre esses epítetos, que-, nos habituamos a considerar com o tipicamente homéricos, surge algo," por vezes, que, na verdade, é ainda mais homérico, com o quando A poio e Atena, por exem plo, são chamados sim plesm ente de “os deu-, ses belos e grandes” Predomina aqui um elevado sentimento de res­ peito e admiração; mas a antiga fé ainda não está de todo esquecida e a nova concepção homérica dos deuses é ainda jovem . Poder-se-á dis­ cutir se foram já os nobres da Tessália que elevaram Zeus, senhor do Olimpo tessálico, a rei dos imortais e pai dos deuses e dos homens, mas será im possível afirmar que o total desaparecimento de todas as formas ctônicas, da veneração pela Mãe terra, por Gaia e Deméter - traço este essencial e característico da religião homérica - , tenha ocor­ rido só porque os grandes da Tessália quiseram deliberadamente ]fc:

bertar sua religião de toda e qualquer forma de grosseria. Isso terá ocorrido sobretudo nas colônias da Á sia Menor, entre aqueles gregos que se haviam desligado do solo pátrio e de seus antigos centros de culto. A inteligibilidade e a clareza da fé homérica deverão ser, em geral, atribuídas àqueles livres aristocratas das cidades da Á sia Me­ nor, que, agora independentes, haviam-se afastado da Grécia e, dei­ xando após si as obscuras forças da terra, erigiam o seu celeste Zeus: em senhor dos deuses e dos homens. Esses deuses não nasceram do culto nem surgiram das especulações dos sacerdotes, mas foram cria­ dos no canto, juntamente com os heróis aqueus. Estes últimos, po­ rém, nasceram da lembrança do mundo heróico m icènico e da nostal­ gia pelos tempos que se foram e pela pátria abandonada (“Como são agora os hom ens...”, diz-se, suspirando de saudade, em Homero). Esse

12. Cf. Karl Deichgräber, Antike, 15,1939,118 e ss. A proposito da “naturalidade” dos deuses homéricos, ver Julius Stenzel, Platon der Erzieher, 14 e ss.

* A palavra “demonio” provém do grego daimónion e não tinha nenhuma conotação de “espírito mau” ou “caráter diabólico”, que passou a ser-lhe atribuída a partir do Velho Testamento. Seu sentido original era apenas o de “ser sobrenatural intermediário entre a divindade e o homem” e, por extensão, “divindade”, “poderio divino”. (N. do R.).

mundo distante não está, porém, irremediavelmente perdido com o a idade de ouro ou o paraíso, mas ainda é acessível à lembrança e con­ cebido com o historia de seu próprio passado. A ssim , o sentim ento eom que se acolhem essas figuras não é de nostalgia ou de saudade por aquilo que não mais pode retornar, mas de admiração. E dessa nostalgia por algo que se perdeu nascem também os deuses do Olimpo: verdadeiros e reais, mas sublimados na distância.

Heródoto, ele próprio originário da terra dessa poesia, afirma que Homero e H esíodo deram aos gregos os seus deuses. E, já que Homero também deu aos gregos uma língua literária acessível a to­ dos, cumpre-nos pensar que tenha sido Homero (tomando esse nome no sentido muito vago por ele assumido na pesquisa filológica) quem foijou o mundo espiritual dos gregos, sua fé e seu pensamento. E sses deuses homéricos nos são familiares demais para que possamos avaliar quão ousado tenha sido criá-los. M esm o que essas figuras olím picas nunca tenham reinado sozinhas, m esm o que, especialm ente em terra firme, se conservassem ou até se introduzissem novas divindades ctônicas, místicas e extáticas, ainda assim a arte, e poesia e todos os mais altos interesses espirituais foram determinados pela religião homérica. Quando, pouco depois da criação da ¡liada e da Odisséia, as artes plásticas gregas tendem a representar os deuses com o gran­ des e b elos13, e para essas imagens da divindade são construídas edi­ fícios que não estão destinados a um culto determinado ou a um de­ terminado mistério, mas só querem servir com o uma bela morada para a bela imagem do deus, nada mais fazem os artistas do que cons­ truir em pedra o que o poeta expressou com a palavra. E durante três séculos, a arte grega não se cansou de representar esses deuses cada vez mais belos e mais dignos de admiração14 M esm o quando, por exemplo, no princípio da tragédia ática, as forças tenebrosas recupe­ ram a importância e novamente se agita o obscuro sentido do horror, são sempre os deuses do Olimpo que continuam dando seu estilo e o tom à grande arte: e até m esm o Ésquilo, mais de uma vez, toma a vitória dos deuses do Olimpo sobre os antigos dem ônios com o m até­ ria de suas criações poéticas, levando, assim, a ação de seus dramas a uma solução harmoniosa.

Ainda que na epopéia homérica caiba aos deuses enformar os acontecimentos, o interesse do poeta não está de m odo particular direcionado para a cena celeste, mas volta-se sobretudo para a ira de Aquiles e para as aventuras de Odisseu. Mas o destino dos heróis não

13. Sobre o significado desses dois conceitos para a estética grega, cf. W. J. Verdenius,

Mnemosyne, 3, 1949, 2, 294.

14. Que a influência de Homero se estenda até a Era Helenística é o que demonstra Rodenwald, “Abhandl. d. Preuss. Ak.’\ 1943, n. 13.

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