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52 A CULTURA GREGA E AS ORIGENS DO PENSAMENTO

i O Homem na Concepção de Homero

52 A CULTURA GREGA E AS ORIGENS DO PENSAMENTO

Enquanto no mito dos deuses Hesíodo explica e justifica a suces-^j são das gerações, já quando descreve as estirpes humanas, não da elei nenhuma importância à sucessão das mesmas. Da raça de ouro diz elef apenas que desapareceu {Erga, 121), mas não por que desapareceu. OsJ deuses criaram em seguida a raça de prata, lemos mais adiante (127)J muito inferior à primeira, mas não sabemos por que motivo; eles a | destruíram por ocasião de sua hybris (134 e ss.). A raça seguinte, a de^ bronze, destruiu-se a si m esma (152). Em seguida, Zeus cria a raça dos;' heróis que é “mais justa e melhor” (158); esta perece nas guerras dei Tebas e de Tróia, sendo transferida para a Ilha dos Bem-aventurados..\

Por fim, surgiu a raça de ferro, a nossa, mas Hesíodo não nos diz por^ que teria ela nascido nem de onde provém: é a raça em que imperam a %

violência e a injustiça, visto que Aidós e Nêm esis abandonaram a terra. < Se, nos Erga, Hesíodo pinta o desenvolvim ento da humanidade; com tintas tão embaçadas, é porque ele próprio sofreu uma grave in­ justiça: seu mundo escureceu. Com o em todas as doutrinas morais, o

pàthos das suas admoestações alimenta-se da m alvadez deste mundo. É estranho apenas que, ao descrever a decadência da humanidade, não indague ele das razões dessa decadência com o o faz alhures com tanta paixão. A verdade é que fica difícil imaginarmos com o teria ele podido motivar a decadência da idade áurea para a férrea: impossível tratar-se de uma punição para a injustiça humana visto que os ho­ m ens da idade de ouro era pios, e é im pensável que os deuses tenham feito os homens tornarem-se piores sem que estes já antes não tives­ sem sido maus. H esíodo não se propõe, portanto, estabelecer uma concordância lógica entre seus mitos; malgrado todos os seus esfor­ ços de sistematização, não é um pensador sistemático. H esíodo reto­ ma as velhas histórias à medida que lhe convenham, e por que lhe convêm não é difícil de entender.

O que lhe interessa é salientar a ordem e a justiça que reinam entre os deuses e nisso ele vai mais longe que Homero. Mas a vida dos ho­ mens parecia-lhe miserável e corrupta: diante dos deuses, os mortais não são apenas fracos e indefesos, com o para Homero, mas injustos e impudentes. Aprofunda-se, assim, a fratura entre o mundo da nossa experiência quotidiana e o ser verdadeiro e essencial a que o mundo deveria adequar-se, e, pela primeira vez, aparecem distinções que os poetas e filósofos deverão focalizar cada vez mais com maior clareza, com o a que existe entre a aparência e o ser, entre a realidade e a idéia.

Já dissemos com o o pensamento fundamental da Teogonia, segun­ do o qual existem forças dirigidas em sentidos diferentes, e até mesmo opostos, influiu sobre os primordios da filosofia grega. A idéia de um ordenamento justo do mundo instaurado por Zeus foi aprofundada es­ pecialmente pelos Áticos - Sólon e os trágicos. A lírica, ao contrário, elaborou mais atentamente um outro pensamento de Hesíodo.

Logo no inicio da Teogonia, Hesíodo fala de um canto das Musas $ enumera as divindades que elas celebram ( I l e ss.). E sse elenco súscitou urna grande quantidade de objeções, tanto que se julgou ne- 1 cessário suprimir urna parte maior ou menor desses versos. E mais: pouco depois, Hesfodo fala de um outro canto das Musas (43 e ss.), que volta a celebrar os deuses, e novamente menciona duas divinda­ des do primeiro canto. A ssim , há quem tenha pretendido suprimir todo o primeiro trecho e também o segundo.

Ora, suprimir o segundo trecho é im possível porque ele está es­ treitamente ligado à parte seguinte: as Musas cantam diante de Zeus, e para seu deleite, uma teogonia - e o Olimpo todo ressoa. Elas com e­ çam por Gaia e Urano e, em seguida, cantam Zeus, do qual se diz (afirmação particularmente significativa nesse contexto genealógico) que é o pai dos deuses e dos homens, e assim por diante. A represen­ tação dessa cena olímpica, onde são as próprias Musas imortais que cantam uma teogonia, deve servir, evidentem ente, de confrontação à que Hesíodo quer expor, e a ela oferecer a mais alta legitim ação, pois assim mostra o autor a grandeza e a dignidade de seu intento.

O primeiro canto das Musas tem, pelo contrário, escopo totalmente distinto. As Musas não o entoam no Olimpo, mas no Hélicon; Hesíodo introduz essas divindades, para narrar, logo depois, com o elas o sagraram poeta no Hélicon. Elas dançam e celebram os deuses; segue-se a longa lista dos nomes divinos, que a tantas correções foi submetido. Desta vez, começamos com Zeus (11), que aqui não é, entretanto, o “pai dos deuses e dos homens”, mas “aquele que segura a égide”, isto é, o símbolo de seu poder. Passamos em seguida para Hera, a “senhora”. Já esses epítetos nos dizem como deve ser entendida a lista que se segue e que corresponde a uma ordem e a um critério precisos, se bem que diferentes dos genea­ lógicos. Vêm, em primeiro lugar, as outras grandes divindades, os deu­ ses propriamente “clássicos” - Atena, A polo e Artemis - e, só depois deles, Posídon, que, apesar de irmão de Zeus, reina num elemento mais selvagem e primitivo. Em seguida, vêm Têmis, Afrodite e Hebe - a deu­ sa da justiça precede, portanto, as do amor e da juventude - , e a seguir, as esposas de Zeus, Dione e Leto. (Os versos devem estar dispostos de modo a não separar esses dois nomes). Seguem -se os irmãos Jápeto e Cronos, e depois os “fenôm enos naturais” - Aurora, Sol, Lua, Terra, Oceano, Noite, e por fim, “a sagrada estirpe dos outros deuses” Aí, a ordem seguida não é a genealógica mas a da dignidade e da santidade. Antes de representar os deuses numa seqüência que poderíamos dizer histórica, Hesíodo julgou necessário esclarecer que ela nada tem a ver com a posição que esses deuses ocupam e é por isso que nos apresenta antes algumas das mais altas divindades por ordem de importância.

Não há dúvida de que também em Homero Zeus é o deus supre­ mo e existem deuses de poder maior ou menor, de maior ou menor

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