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66 A CULTURA GREGA E AS ORIGENS DO PENSAMENTO

na Lírica Grega Arcaica

66 A CULTURA GREGA E AS ORIGENS DO PENSAMENTO

da admoestação, do louvor, de um ato de decisão e assim por diante| Arquíloco é levado a refletir sobre a justiça no momento em que aquilo^ que ele aguardava e queria com profunda convicção se choca contra^ um obstáculo. Não sente a justiça com o meta da ação, mas fala com) justa indignação da injustiça que ele próprio sofreu. Arquíloco vale-se­ do verso com o de uma am ia perigosa contra o amigo infiel; todavia, o| poem a é algo mais que uma m aldição, que a invectiva de um heróii homérico, que um sim ples m eio de luta; e também é mais que uma arm i numa contenda judiciária, com o o são os versos de Hesíodo; o poem^ de Arquíloco conclui (as últimas palavras do fragmento são também" efetivam ente as últimas do poema) com a expressão de um sentimento" pessoal: “ e no entanto, este foi, certa vez, amigo m eu” Aqui, a pa^ lavra não é mais usada polem icamente, mas exprime um sentimentos de desânimo. Como ocorrera com os cantos de guerra, a poesia desìi- ga-se, também aqui, de toda referência prática, tornando-se expressão; de um sentimento pessoal.

A nim ado por um justo desdém , A rquíloco, em uma de suas* fábulas, coloca na boca da raposa esta prece (94): “Ó Zeus, pai Zeus,* teu é o poderio do céu, mas tu vês também as ações dos homens,- sejam elas ím pias ou justas; e vês a soberba e a ju stiça também" entre os anim ais”

Arquíloco declara que deve haver um juiz superior que puna a injustiça. E d esse m odo se aproxima, mais do que qualquer outro antes dele, da idéia da norma do direito, mas ainda vê o direito sob a forma de um juiz concreto15

Para ele é um defeito não se conhecer o justo desdém, e talvez seja isso o que quer exprimir com o verso (96): “Não tens bile sobre o fígado!”16. ' E ssa justa indignação surge, portanto, de uma atitude espiri­ tual sem elhante àquela do amor infeliz. A alma conturbada ergue sua voz toda vez que se revela um contraste entre a realidade e o que deve ser. A rquíloco, em m eio aos sofrim entos de sua existên­ cia, con sola-se com o pensam ento de que a dor não é eterna, que os. deuses ora exaltam ora rebaixam os hom ens e que, por isso, o sentim ento do hom em varia entre a alegria e a dor. Este seu pensa­ m ento fundam ental era uma novidade para o tem po (58): “Tudo, aos deuses confia; muita vez, da dor profunda arrancaram eles q mortal, do negro pó; e o que seguia feliz, por terra prostraram. De­ p ois, surge uma série de desgraças e o m ísero anda em círculos, a: m ente perturbada”

15. Um pouco diferente é o parecer de K. Latte, Antike und Abendland, 2, 68 e ss. 16. Cf. W. Jaeger, Paideia, I, 172, Cf. IL IL 241, onde Tersites censura Aquiles por não ter “colericidade”, mas ser condescendente e fraco.

O DESPONTAR DA INDIVIDUALIDADE...

Quando uma calamidade atingiu sua cidade, escreveu estes ver­ sos (7):

Dos cidadãos, <5 Péricles, nenhum poderá exprobrar a nossa dor pungente, nem nin­ guém na cidade poderá estar alegre à mesa; tantos foram os valentes tragados pela vaga do mar tempestuoso. Inchado de suspiros, arqueja de aflição o peito. Mas um remédio, ó ami­ go, deram os deuses à dor incurável: a força de suportá-la. Todos estamos sujeitos à dor: agora ela nos toca: a sangrenta ferida o coração nos dilacera; amanhã a outros chegará. Então sê forte e expulsa todo femíneo lamento.

“E ainda assim, tudo se pode suportar”, assim com eçava a última estrofe do poema de Safo (cf. supra, p. 63) e esse pensamento fazia-a recobrar a dignidade. Que ao homem, na vicissitude, nada mais resta senão suportar com firmeza: também isso ela aprendeu em Arquíloco. Enriquecido de um elem ento importante, mais uma vez esse pensa­ mento retorna em Arquíloco (67).

Coração, meu coração, tumultuado por trabalhos sem fim, vamos lá, oferece ao inimigo o peito ousado em tua defesa. Do adversário, o golpe feroz acolhe e fica firme, nem grites vitória diante do mundo nem, vencido, te dobres em lamentos; mas das coisas alegres não te alegres em excesso nem te aflijas no infortúnio em demasia. E reconhece o ritmo da vida.

Trata-se de ver “qual é o ritmo que mantém o hom em ”, assim dizem as últimas palavras, traduzidas literalmente. O conhecim ento da vicissitude das coisas torna mais fácil suportá-la. O m esm o pensa­ mento constitui a base do único poem a de Safo que chegou até nós completo (I):

Afrodite do trono multicor, a ti, filha de Zeus, tecedora de enganos, eu imploro: não abatas com penas e amarguras este meu coração, tu, senhora divina. Tu, que de outras vezes o meu chamado acolheste e, abandonando a casa paterna, a mim vieste sobre o áureo coche. Gracioso, um casal de pássaros trazia-te, veloz, através do éter, as asas rápidas turbilhoantes, cá para baixo, rumo à escura terra. Sem demora tu vinhas, ó Bem-aventurada, e pergunta- vas, um riso irradiando do etéreo rosto, qual era o meu penar, por que clamava e o que dese­ java meu coração febril. “Quem queres tu que a Persuasão a ti traga? Quem, Safo, te ofen­ deu? Como? ela foge de ti? Logo irá seguir-te, Não aceita presentes? logo irá oferecer-tos. Não te ama? Mesmo contra a vontade, dentro em pouco, irá amar-te” Vem também agora, das angustiantes penas me liberta. Faz com que se cumpra o que meu coração deseja. E tu, sê para mim, na luta, companheira!

Entre as várias belezas desse poema, uma provém do fato de que a experiência da qual nasceram esses versos é algo que se estende para além do presente e ganha até m esm o mais intensidade por ser repetida duas vezes: “Vem - implora Safo - com o vieste de outras vezes; vinhas então e perguntavas o que me havia acontecido e por que de novo clamava” Já uma vez Safo, num momento de angústia

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