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82 A CULTURA GREGA E AS ORIGENS DO PENSAMENTO

O Hino Pindàrico a Zeus

82 A CULTURA GREGA E AS ORIGENS DO PENSAMENTO

lhe era, ao m esm o tempo, familiar. E com o a Pindaro, desde a meííj nice, o limitado círculo de sua pequena pátria, as muralhas diante áé

quais passava todos os dias, a fonte da qual bebia, de um lado a rua j do outro a praça, apareciam unidos por laços profundos ao grandi passado dos deuses e sem ideuses, e porque, desde menino, vivera ej| em contacto com esses valores, veneráveis e sagrados não apenas par! os tebanos mas para todos os gregos, foi de m odo natural que amadul receu sua arte em m eio a uma riqueza que, para um poeta, é talvej mais importante do que aquilo que chamamos de gênio ou de talen; to1 Valer-se-á ele mais tarde, com orgulho, desse tesouro; conscienti de tamanha riqueza, pode apresentar-se diante dos conterrâneos e peç guntar: que exem plo devo dar de nossos numerosos m itos? Conservi do apenas em fragmentos, um hino a Zeus com eçava assim (cf. 29) “Queremos Ismeno cantar, ou M élia do fuso de ouro, ou Cadmo, oi dos Espartos a sagrada progènie, ou Tebas dos vendados olhos ou d<

Héracles a força que tudo ousa ou de D ioniso os dons inebriantes, oi de Harmonia, a dos cândidos braços, as núpcias?”

E sse poema ganhou particular relevo na edição de Pindaro com posta pelos gramáticos alexandrinos; servia, de fato, com o introdü ção ao primeiro livro das suas obras, subdivididas em dezessete volu m es, tendo-se anteposto aos encom ios de homens os cantos em louvo aos deuses, com o os peãs em honra de Apolo, os ditirambos em honri de D ioniso e assim por diante. O primeiro lugar, porém, fora reserva do para os hinos e, primeiro entre eles, estava o Hino a Zeus, bastanti famoso. Todos esses cantos religiosos de Pindaro perderam-se na Idadi Média e apenas fragmentos isolados chegaram até nós através das cita ções de antigos autores; mas do Hino a Zeus são tantos os versos cita dos que é possível reconstruir alguns de seus temas e adjudicar-lhe dois outros vastos trechos, visto que metricamente correspondem àquele já anteriormente atribuídos ao hino. Assim é que desse hino possuímo agora cerca de trinta versos. N eles, porém, certos pensamentos à

Pindaro alcançaram uma expressão tão grandiosa que vale a pen determo-nos um pouco sobre esses fragmentos e estudá-los a fundo.

Para Pindaro e para seus ouvintes é coisa tão natural que o poe ma contenha um mito, que ele pode, sem mais, com eçar o hino com pergunta: que herói do mito devo cantar? D o m esm o m odo começ também a segunda Ode Olímpica: “Que deus, que herói, que homer devo celebrar?” N o Hino a Zeus, arrola várias personagens tebanas com o no início da sétima Ode ístm ica, onde é celebrado um tebano são m encionados, um após outro, os m itos de D ion iso, Héracleí Tirésias, Iolau, Adrasto e a conquista de Âm iclas pelos Égidas; e tam bém aí ele se inspira no rico tesouro das tradições pátrias, para ale

grar, segundo suas palavras, “o coração da bem-aventurada Tebas com as belezas nativas” E para a gloria e alegria de Tebas, portanto, que Pindaro, também no Mino a Zeus, derrama tanta riqueza. Pindaro compôs esse hino para urna festa em honra de Zeus, que devia ter lugar em Tebas, sua cidade natal, e seus conterrâneos o aprenderam. A longa série de solenes nomes pátrios que ele arrola em honra de Zeus e de Tebas, vai dos m enos importantes com o Ism eno e M élia, passando por Cadmo e Tebas, até Héracles e o deus D ion iso, mas termina em seguida com Cadmo e o casamento deste com Harmonia. Esse era o final a que Pindaro queria chegar: um outro fragmento (32) diz que Cadmo ficara contemplando A poio enquanto este tocava lira. Isso só pode ter acontecido na festa nupcial de Cadmo. Pois se os deuses haviam tomado parte nas núpcias de Peleu e Tétis (e nesse caso, a presença dos deuses era com preensível, dado que o próprio Zeus havia aspirado à mão de Tétis), nada mais natural que em Tebas se pensasse que os deuses também tivessem intervindo nas bodas de Cadmo com Harmonia. O próprio Pindaro conta (P., 3, 90 e ss.) que, nas bodas de Peleu e nas de Cadmo, os deuses se haviam banqueteado e tinham levado presentes, e as Musas haviam cantado e dançado2 Com o Hino a Zeus ficam os, na verdade, sabendo apenas que Cadmo tinha ouvido a m úsica de A polo, mas não o canto das M usas. Mas, visto que Apolo, já na Ilíada (I, 603 e ss.), durante os banquetes dos deuses, dirige as danças e o coro das Musas, o m esm o também ocorre­ rá no Hino a Zeus, Ora, onde se aponta para essa participação de Apoio nas bodas de Cadmo, Pindaro deve ter falado do curso dos acontecimentos humanos e de suas mutações no tempo3. Além disso, um verso desse poema (fr. 33) diz que Cronos, o tempo, era senhor de todos os deuses bem-aventurados e o mais forte deles. Acertadamente essas duas passagens foram colocadas juntas e concluiu-se que Apoio (e as Musas) haviam cantado, nas bodas de Cadmo, um grande poema mítico que falava sobre o devir dos deuses e dos homens. Mais tarde, levaremos em consideração trechos isolados que seguramente pertencem a esse poe­ ma. Aqui, Pindaro se vale de um expediente do conterrâneo Hesíodo, que, na sua Teogonia, narra o seguinte (vv. 36-55):

Vamos, pois, pelas Musas começa que, no Olimpo cantando, do Pai celeste a mente regozijam, e do passado falam, do presente e do futuro, harmonizadas no canto. Infatigá­ vel, desce de seus lábios a voz suave, e ri a casa do pai Zeus, do Tonante, quando o suave canto delas se derrama. Ecoa o cimo nevoso do Olimpo e os palácios dos Supernos. Com som de voz imortal, cantam primeiro a alta estirpe dos numes, que, no princípio, a Terra

2. Cf., também, Teog., 15-18. Concio de Gaza, 6, 46 (p. 97, 21 ed. Foerster) alude evidentemente ao hino de Pindaro, quando diz que as Musas cantaram o epitalamio para Cadmo.

84 A CULTURA GREGA E AS ORIGENS DO PENSAMENTO... Ü gerou com o Céu profundo. E deles nasceram os numes que aos homens doam o bem. Eemi seguida, cantam Zeus, o pai dos numes e dos homens, que dos numes é o mais forte e ma|§2 poderoso. E em seguida, a descendência dos homens e dos selvagens Gigantes cantam, pangr, alegrar do Pai a mente, de Zeus olímpico, que porta a égide, as Musas olímpias: gerou-asf na Piérides, outrora, Mnemósine ao pai Cronídio, que aqui reinava nos campos Eleutério§| para que doassem o olvido dos males e a mágoa dissipassem.

Aqui são as Musas que cantam, diante de Zeus e para os outrosÇ deuses, o nascimento dos deuses e dos homens e, assim, fica fácií|| para Pindaro imaginar que Apoio não teria cantado sozinho a grandlfp com posição mítica, mas junto com as Musas, com o corifeu, e como próprio Pindaro fazia cantar sua poesia - enquanto dirigia o corq.l| A lém disso, Lucano, em seu conto satírico da viagem de Menipo aqJJE céu, narra-nos com o este viveu no Olimpo, com o as Musas lhe recita-f vam os versos de Hesíodo, e precisamente o hino, que transcrevemos;^ invenção à qual foi evidentem ente induzido pelo fato de que tanto'j H esíodo quanto Pindaro falam das M usas. E no final, veremos ainda¿ com o nesse poema o interesse de Pindaro está particularmente volta-’! do para as Musas. Outro fragmento diz o seguinte (30): |

Assim aconteceu no principio: as Moiras levaram a celeste Têmis do bom conselho, no coche de ouro, das fontes do Oceano por fúlgidos caminhos, rumo à sagrada escada do ;-f Olimpo, para que eia fosse a primeira esposa de Júpiter. E dele, ela, gerou as Horas, porta-, ^ doras de floridos frutos.

A ssim , provavelmente, terá Pindaro com eçado a narrar os diver­ sos matrimonios de Zeus. Também aqui ele se respalda em Hesíodo ('Teog., 886 e ss.), que enumera, em seqüência, sete mulheres de Zeus. .

Para nós, educados na idéia da m onogam ia, não é muito fácil imaginar que Hesíodo levasse verdadeiramente a sério, com o certa­ mente o fez, esses casamentos de Zeus. Interessado em recolher siste­ maticamente todos os mitos genealógicos, que para ele constituíam verdade tradicional, pretendia com isso obter um quadro bem deter­ minado e bem limitado das forças divinas operantes no mundo, no devir delas e em suas relações. Percebeu, assim, que juntas se acha­ vam histórias de origens distintas que à vezes não combinavam muito entre si, e o prazer que sentia em colocar tudo em ordem não lhe permitiu ver que era exatam ente essa ordem que fazia ressaltar as discrepâncias. N o fundo, pode ser que julgasse adm issíveis os nume­ rosos casamentos de Zeus, na medida em que o pensamento religioso segundo o qual de Zeus, o mais poderoso dos deuses, se irradiassem infinitas possibilidades de ação e de existência, era por ele concebido de form a m ítica, com o riqueza de prole. Pindaro, a v esso , com o H esíodo, a toda frivolidade, tomava com o verdade transmitida pela tradição o que encontrava nas obras desse poeta, pelo m enos os traços fundamentais. Todavia, ele visa a um fim e, ao que parece, reduziu

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um pouco a lista dos matrimonios de Zeus; de resto, é difícil descer- -mos aqui a pormenores já que não sabem os quais outras mulheres de Zeus ele teria enumerado. Das sete mulheres de Zeus, H esíodo cita /Têmis com o segunda, a quem Pindaro, ao contrário, coloca em pri­

meiro lugar, mas que é, para ambos os poetas, a mãe das Horas; a Quinta é M nem ósine, mãe das Musas, a sexta, Latona, da qual des­ cendem Apoio e Ártemis, e por fim a sétima, Hera. N o primeiro lu­ gar, H esíodo coloca M étis, a “reflexão”, a qual precede, portanto, Têmis, e deusa da ordem legal e das sagradas convenções. Talvez Pindaro se sentisse feliz ao abreviar essa lista donjuanesca pondo de lado Métis e colocando em primeiro lugar Têm is4 Mas não foi esse o único motivo que o induziu a introduzir mudanças. Ele dá a Têm is o apelativo de “boa co n se lh e ir a ” ; é p o ssív e l, portanto, que tenha ¿escurado de falar de Métis, a reflexão, porque não a via separada da ordem legal: de fato, onde impera a Lei não é permitido ao indivíduo abandonar-se a uma ação inconsiderada e selvagem , mas a reflexão é necessária. Zeus tomou o poder depois da queda de Cronos e após a vitória sobre os Titãs. Com isso se trouxe para o mundo a ordem e o direito, fato que se reflete exatamente em seu casamento com Têm is. Soberano exemplar, mantém sob controle, no seu vasto reino, arbítrio e violência, com a sabedoria e a reflexão. Têm is é, para H esíodo, a filha de Uranos (o Céu) e de Gaia (a Terra); origina-se, portanto, das forças primitivas elementares e é irmã de Oceano; essa a razão poi­ que no hino de Pindaro vão apanhá-la nas fontes do Oceano, e quem a vai apanhar são exatamente as Moiras, as deusas do destino, que, em Hesíodo, são as filhas de Zeus e de Têmis. Para H esíodo, as Moiras (ele no-las apresenta com o irmãs ao lado da Legalidade, da Justiça e da Paz) pertencem, portanto, à nova ordem mundial imposta por Zeus, ao passo que, segundo Pindaro, já devem elas ter anteriormente exer­ cido seu poder com o deusas da necessidade5; a ordem imposta por Zeus apresenta-se sob a forma da lei e da moralidade em confronto com a rígida constrição. Não é fácil, para nós, entender essas distin­ ções sutis e m enos ainda, apreciá-las na poesia, mas não há dúvida de que Pindaro quer tornar mais evidente os benefícios do dom ínio de Zeus, a quem chama explicitamente de “libertador”, e, em outro frag­ mento desse poema, fala dos Titãs (fr. 35) que, vencidos por Zeus, jaziam encadeados no profundo Tártaro, e “soltos agora das cadeias pelas tuas m ãos, ó senhor” (com esse apelativo, dirige-se a Zeus), estão libertos de sua prisão.

4. Cf., também. Nils Nilsson, Geschichte der griechischen Religion, 411,3; Franz Dornseiff, “A rch ivf Philosophie”, 5, 229.

5. Cf. Plat., Bancj.y 195 C, onde o reino da “necessidade” é atribuído à época anterior a Zeus.

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